VAMOS APRUMAR A CONVERSA? SEXTA-FEIRA - Não fosse a tarde o mormaço da vida, não
teria eu tantos sentimentos nesta hora, sentimentos de dor e compaixão. Não
fosse o amor o termômetro desta vida, não teria eu nada para dizer agora, vez
que as palavras nos escondem. Só os ingênuos compreendem o que sonhadores
cultuam a qualquer hora do entardecer. Ao longe a montanha ao sol-posto, faz
sombra esfriando o mormaço do meu coração. E eu um reles mortal carrego nos olhos
o monograma de Cristo pela noite no mar da solidão. Na boca da noite todas as
evidências levam a nada, escureceu pra que todos os gatos sejam pardos. Fui
benzido de copas com a felicidade no descarte, o doce mel que se derrama em
grande profusão. Fui açoitado pelo ronco da onça suçuarana e por isso virei
mundo no Rabicho da Geralda. Mandei boas novas e escrevi aos familiares como se
esperasse ser louvado por virgens de vestais. Enterrei o trevo de paus na volta
do cruzeiro como se esperasse ser vencedor com um laço de fita no braço e uma
salva de palmas. Quantas imagens nos falam labaredas? Desde que me tive por
gente que vivo a morrer de sede. Deixo aqui a minha emoção e o meu adeus.
(Sexta Feira, Luiz Alberto Machado. O Trâmite da Solidão. Nascente, 1992-2015).
Veja mais aqui e aqui.
Imagem A Young woman, do pintor francês Jean-Baptiste Greuze (1725-1805)
Curtindo
o álbum Count Basie & His Orchestra (1938-1939), do músico de jazz
estadunidense Count Basie
(1904-1984).
DE ANIMA – O livro De anima (Da alma, Ed.34, 2012), do filósofo grego Aristóteles de Estagira (384-322aC), é
composto de três livros que analisam os problemas concernentes à alma que é o
princípio vital de todo e qualquer ser vivo. No Livro I ele faz uma introdução
e contextualização do tema abordado; no Livro II apresenta análises sobre a
relação entre alma e corpo, as faculdades da alma, nutrição e sensação; e no
livro III discute a imaginação e o pensamento, além das relações entre sensação
e intelecto. Da obra, destaco o trecho do Capítulo 8: [...] Agora, resumindo o que foi dito a respeito
da alma, digamos novamente que a alma de certo modo é todos os seres; pois os
seres são ou perceptíveis ou inteligíveis, e a ciência de certo modo é os
objetos cognoscíveis, e a percepção sensível, os perceptíveis; mas é preciso
investigar de que modo isto se dá. A ciência e a percerção sensível dividem-se
em relação às coisas em potencia em relação às coisas em potencia, e em
atualidade em relação às coisas em atualidade. A parte perceptiva e a cognitiva
da alma são em potencia esses objetos: uma, o cognoscível, e outra, o
perceptível. Mas já a necessidade de que sejam ou as próprias coisas ou as
formas. Não são as próprias coisas, é clçaro: pois não é a pedra que está na
alma, mas sua forma. De maneira que a alma é como a mão; pois a mão é
instrumento de instrumentos, e o intelecto é forma das formas, bem como a
percepção sensível é forma dos perceptíveis. Uma vez que tampouco há, ao que
parece, qualquer coisa separada e à parte de grandezas perceptíveis, os objetos
inteligíveis estão nas formas perceptíveis, tanto os que são ditos por
abstração, como também todas as disposições e afecções dos que são
perceptíveis. Por isso, se nada é percebido, nada se aprende nem se compreende,
e, quando se contempla, já necessidade de se contemplar ao mesmo tempo alguma
imagem, pois as imagens são como que sensações percebidas, embora desprovidas
de matéria. E a imaginação é diferente de asserção e da negação; pois o
verdadeiro e o falso são uma combinação de pensamentos. Em que os primeiros
pensamentos seriam diferentes de imagens? Certamente nem estes e nem os outros
pensamentos são imagens, embora também não existam sem imagens [...] Veja
mais aqui, aqui e aqui.
OS TAMBORES DE SÃO LUIS – O romance Os tambores de São Luis (José Olympio, 1981), do escritor,
jornalista, professor e teatrólogo Josué
Montelo (1917-2006), conta entre uma noite e um amanhecer em cinquenta e
oito capítulos a história de três séculos de lutas e insurreições maranhenses,
misturando presente e passado. Da obra destaco o trecho: [...] Até ali os
Tambores da Casa-Grande das Minas tinham seguido seus passos, e ele via ainda
os três tamboreiros, no canto esquerdo da varanda, rufando forte os seus
instrumentos rituais, com o acompanhamento dos ogãs e das cabaças, enquanto a
nochê Andreza Maria deixava cair o xale para os antebraços, recebendo
Toi-Zamadone, o dono do lugar. Por vezes, no seu passo firme pela calçada
deserta, deixava de ouvir o tantantã dos tambores, calados de repente no
silêncio da noite, com o vento que amainava ou mudava de direção. Daí a pouco
Damião tornava a ouvi-los, trazidos por uma rajada mais fresca, e outra vez a
imagem da nochê, cercada pelas noviches vestidas de branco, lhe refluía à
consciência, magra, direita, porte de rainha, a cabeça começando a branquear. Fora
ela que viera buscá-lo, à entrada do querebetã. A intenção dele era apenas
ouvir um pouco os tambores e olhar as danças, sentado no comprido banco da
varanda, de rosto voltado para o terreiro pontilhado de velas. Já o banco
estava repleto. Muitas pessoas tinham sentado no chão de terra batida, com as
mãos entrelaçadas em redor dos joelhos; outras permaneciam de pé, recostadas
contra a parede. Mas a nochê, que o trouxera pela mão, fez sair do banco um dos
assistentes, e ele ali se acomodou, em posição realmente privilegiada, podendo
ver de perto os tambores tocando e as noviches dançando, por entre o tinir de
ferro dos ogãs e o chocalhar das cabaças. Vez por outra sentia necessidade de
ir ali, levado por invencível ansiedade nostálgica, que ele próprio, com toda a
agudeza de sua inteligência superior, não saberia definir ou explicar. O certo
é que, ouvindo bater os tambores rituais, como que se reintegrava no mundo
mágico de sua progênie africana, enquanto se lhe alastrava pela consciência uma
sensação nova de paz, que mergulhava na mais profunda essência de seu ser. Dali
saía misteriosamente apaziguado, e era mais leve o seu corpo e mais suave o seu
dia, qual se voltasse a lhe ser propício o vodum que acompanha na Terra os
passos de cada negro. Embora só houvesse no céu uma fatia de lua nova, por cima
da igreja de São Pantaleão, uma tênue claridade violácea descia sobre a cidade
adormecida, com a multidão de estrelas que faiscavam na noite de estio. Em cada
esquina, a sentinela de um lampião, com seu bico de gás chiante. Todas as casas
fechadas. Perto, para os lados da Rua da Inveja, o apressado rolar de um carro,
com o ruído do cavalo a galope nas pedras do calçamento. E sempre o baticum dos
tambores, ora fugindo, ora voltando, sem perder a cadência frenética, muito
mais ligeira que o retinir das ferraduras. No canto da Rua do Passeio com a Rua
do Mocambo, antes de passar para a calçada fronteira, Damião parou um momento,
batido em cheio pela claridade do gás. Resguardado do sereno pelo chapéu de
feltro inglês, presente do Governador Luís Domingues no último Natal, parecia
mais comprido, a espinha dorsal direita, o corpo seco e rijo, os ombros altos.
Aos oitenta anos, dava a impressão de ter sessenta, ou talvez menos, com muita
luz nos olhos, o passo seguro, a cabeça levantada. Até o começo do século, não
dispensava a bengala de castão de prata com que entrou pela primeira vez no
sobrado do Foro, sobraçando a sua pasta de solicitador, para defender outro
negro. Agora, trajava com simplicidade, muito limpo, a barba escanhoada, o
paletó abotoado acima do peito, um alfinete de ouro junto ao laço da gravata. -
Faça favor... Damião assustou-se com a voz rouca que lhe vinha por trás do
ombro direito, do lado da Rua do Mocambo. Não tinha sentido rumor de passos. E
deu de frente com o Sátiro Cardoso, pequenino, enxuto, metido na sua sovada
casaca de mágico, o colarinho alto, o rosto encovado, bigode, nos negros olhos
uma faísca de loucura, e que logo lhe disse, com um pedaço de papel impresso na
ponta dos dedos: - É o convite para o meu próximo espetáculo. - Outra vez A
queda da Bandeira? - É. O pessoal pede sempre. E o público é quem manda. Damião
quis ainda saber por que o velho mágico preferia aquela hora da noite, com as
casas fechadas, para distribuir os seus convites. - De dia - redargüiu ele, dando-lhe
outro convite - os moleques vêm atrás de mim, me chamando de Troíra. Chegam a
atiçar cachorros para me morder. De noite é mais calmo: os moleques estão
dormindo. E lá se foi, Rua do Mocambo abaixo, a enfiar o papelucho por baixo
das portas, sem ruído, apenas roçando o chão da calçada com seu passo macio.
[...]. Veja mais aqui.
POESIA REUNIDA – No livro Poesia reunida (L&PM, 1999), da poeta gaúcha Martha Medeiros, autora dos livros Strip
Tease (Brasiliense, 1985), Meia-Noite e Um Quarto (L&PM,
1987) Persona Non Grata (L&PM, 1991), De Cara Lavada
(L&PM, 1995), Poesia Reunida (L&PM, 1999) e Cartas
Extraviadas e Outros Poemas (L&PM, 2001), entre outros. Da obra destaco
inicialmente: 4 - sou uma mulher madura / que às vezes anda de
balanço / sou uma criança insegura / que às vezes usa salto alto / sou uma
mulher que balança / sou uma criança que atura [...] 5.- eu penso conforme o tempo / eu danço
conforme o passo / eu passo conforme o espaço / eu amo conforme a fome / eu
como conforme a cama / eu sinto conforme o mundo / mas no fundo / eu não me
conformo [...] 7.- nanci num dia
diana / a ana me ama, me norma, me helena / serena, me ensinou a ver a verdade,
vera / que dói menos que uma ilusão fausta / de tarde eu tenho tereza / e vivo
uma magda magia / alegria, maria, calor de suor / de se ficar Eduarda / quem
dera denise / eu poder ser suzana / e ler lia muitas laudas / lauras / olga tem
lindos olhos / olhe / e luiza tem luz / e alice tem paz / na cara karin eu
quero / uma risada rosaura / um sono soninha de outrora / isadora, que namora
isabel / neca de amor, ane versando a razão / coração, corália de canções / a
musa musical de soraia / a saia de zélia / acabo de lena notícia letícia / caio
de katia no chão / choro, clara / tetê temia meus medos / tenho medo da morte /
tenho medo do mar / tenho medo de amar / tenho medo de marta. Também o
poema Minha Boca: minha boca / é pouca / pro desejo / que
anda à solta. Por fim, o
poema A todos: a todos trato muito bem / sou
cordial, educada, quase sensata / mas nada me dá mais prazer / do que ser
persona non grata / expulsa do paraíso / uma mulher sem juízo, que não se
comove / com nada / cruel e refinada / que não merece ir pro céu, uma vilã de
novela / mas bela, e até mesmo culta / estranha, com tantos amigos / e amada,
bem vestida e respeitada / aqui entre nós / melhor que ser boazinha e não poder
ser imitada. Veja mais aqui e aqui.
O DEFEITO DA FAMILIA – A comédia de um único ato O Defeito de Família (1870- Funarte,
1980), do advogado, dramaturgo, jornalista e pintor França Júnior (1838-1890), conta a história de um segredo familiar
em uma grande confusão, que coloca um casamento em xeque. Um mero joanete
torna-se um fogoso amante e arrisca colocar tudo por água abaixo. Da obra
destaco o seguinte trecho: [...] CENA XXV
Gertrudes, Ruprecht, Artur, André, Matias e Josefina. Ruprecht (Com a espada
embainhada e fazendo esforço por tirá-la da bainha) - Aqui está a esbada. Muito
verrugem, non sai, non. Matias - Leva-a para dentro; já não é preciso. Ruprecht
- Gomo? Matias (Batendo no ombro de Gertrudes) - Sempre me meteste um susto...
Ruprecht (Para Artur) - Gomo se expliga isdo? Artur - As aparências muitas
vezes enganam, meu palerma. Ruprecht (Á parte) - Bercepo, apafaram o negocia em
família. Josefina (Canta) - Meus senhores e senhoras, Quero dar-lhes um
lembrete, Não propalem por aí... Gertrudes (Canta) - Que ela tem um joanete.
Todos (Menos Ruprecht) - Silêncio! Scio ! Atenção! Por favor bico calado, Que
um defeito de família Não deve ser revelado. (Cai o pano), Veja mais aqui.
ETERNAL SUNSHINE OG THE SPOTLESS MIND – O filme Eternal Sunshine of the Spotless Mind (Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças,
2004), dirigido por Michel Gondry com roteiro de Charlie Kaufman, e música de
Jon Brion, conta a história de um casal que inicia uma relação em um trem,
sendo um atraído imediatamente pelo outro, mas com personalidades radicalmente
diferentes. Na verdade, são ex-namorados separados e que, ela depois de uma
briga, procura uma clínica para apagar todas as suas lembranças do
relacionamento. Ele fica arrasado ao saber disso e decide se submeter ao mesmo
procedimento. O filme faz uso de elementos de ficção científica, suspense
psicológico, e uma narrativa não-linear para explorar a natureza da memória e
do amor romântico. O destaque do filme é a premiada e bela atriz inglesa Kate
Winslet. Veja mais aqui.
IMAGEM DO DIA
Imagem: O evangelho segundo Jesus Cristo, homenagem da revista Playboy
portuguesa ao escritor José Saramago.
Veja mais aqui.
Veja mais no MCLAM: Hoje é dia do
programa Some Moments, a partir das 21hs, no blog do Projeto MCLAM, com a
apresentação sempre especial e apaixonante de Meimei Corrêa & Verney Filho. Para conferir online acesse aqui.
VAMOS APRUMAR A CONVERSA?
Golden Queen by Boris Vallejo,
Aprume aqui.