sexta-feira, agosto 21, 2015

SARAMAGO, MONTELO, MARTHA MEDEIROS, COUNT BASIE, ARISTÓTELES, FRANÇA JUNIOR, GREUZE.

VAMOS APRUMAR A CONVERSA? SEXTA-FEIRA - Não fosse a tarde o mormaço da vida, não teria eu tantos sentimentos nesta hora, sentimentos de dor e compaixão. Não fosse o amor o termômetro desta vida, não teria eu nada para dizer agora, vez que as palavras nos escondem. Só os ingênuos compreendem o que sonhadores cultuam a qualquer hora do entardecer. Ao longe a montanha ao sol-posto, faz sombra esfriando o mormaço do meu coração. E eu um reles mortal carrego nos olhos o monograma de Cristo pela noite no mar da solidão. Na boca da noite todas as evidências levam a nada, escureceu pra que todos os gatos sejam pardos. Fui benzido de copas com a felicidade no descarte, o doce mel que se derrama em grande profusão. Fui açoitado pelo ronco da onça suçuarana e por isso virei mundo no Rabicho da Geralda. Mandei boas novas e escrevi aos familiares como se esperasse ser louvado por virgens de vestais. Enterrei o trevo de paus na volta do cruzeiro como se esperasse ser vencedor com um laço de fita no braço e uma salva de palmas. Quantas imagens nos falam labaredas? Desde que me tive por gente que vivo a morrer de sede. Deixo aqui a minha emoção e o meu adeus. (Sexta Feira, Luiz Alberto Machado. O Trâmite da Solidão. Nascente, 1992-2015). Veja mais aqui e aqui

Imagem A Young woman, do pintor francês Jean-Baptiste Greuze (1725-1805)


Curtindo o álbum Count Basie & His Orchestra (1938-1939), do músico de jazz estadunidense Count Basie (1904-1984).

DE ANIMA – O livro De anima (Da alma, Ed.34, 2012), do filósofo grego Aristóteles de Estagira (384-322aC), é composto de três livros que analisam os problemas concernentes à alma que é o princípio vital de todo e qualquer ser vivo. No Livro I ele faz uma introdução e contextualização do tema abordado; no Livro II apresenta análises sobre a relação entre alma e corpo, as faculdades da alma, nutrição e sensação; e no livro III discute a imaginação e o pensamento, além das relações entre sensação e intelecto. Da obra, destaco o trecho do Capítulo 8: [...] Agora, resumindo o que foi dito a respeito da alma, digamos novamente que a alma de certo modo é todos os seres; pois os seres são ou perceptíveis ou inteligíveis, e a ciência de certo modo é os objetos cognoscíveis, e a percepção sensível, os perceptíveis; mas é preciso investigar de que modo isto se dá. A ciência e a percerção sensível dividem-se em relação às coisas em potencia em relação às coisas em potencia, e em atualidade em relação às coisas em atualidade. A parte perceptiva e a cognitiva da alma são em potencia esses objetos: uma, o cognoscível, e outra, o perceptível. Mas já a necessidade de que sejam ou as próprias coisas ou as formas. Não são as próprias coisas, é clçaro: pois não é a pedra que está na alma, mas sua forma. De maneira que a alma é como a mão; pois a mão é instrumento de instrumentos, e o intelecto é forma das formas, bem como a percepção sensível é forma dos perceptíveis. Uma vez que tampouco há, ao que parece, qualquer coisa separada e à parte de grandezas perceptíveis, os objetos inteligíveis estão nas formas perceptíveis, tanto os que são ditos por abstração, como também todas as disposições e afecções dos que são perceptíveis. Por isso, se nada é percebido, nada se aprende nem se compreende, e, quando se contempla, já necessidade de se contemplar ao mesmo tempo alguma imagem, pois as imagens são como que sensações percebidas, embora desprovidas de matéria. E a imaginação é diferente de asserção e da negação; pois o verdadeiro e o falso são uma combinação de pensamentos. Em que os primeiros pensamentos seriam diferentes de imagens? Certamente nem estes e nem os outros pensamentos são imagens, embora também não existam sem imagens [...] Veja mais aqui, aqui e aqui.

OS TAMBORES DE SÃO LUIS – O romance Os tambores de São Luis (José Olympio, 1981), do escritor, jornalista, professor e teatrólogo Josué Montelo (1917-2006), conta entre uma noite e um amanhecer em cinquenta e oito capítulos a história de três séculos de lutas e insurreições maranhenses, misturando presente e passado. Da obra destaco o trecho: [...] Até ali os Tambores da Casa-Grande das Minas tinham seguido seus passos, e ele via ainda os três tamboreiros, no canto esquerdo da varanda, rufando forte os seus instrumentos rituais, com o acompanhamento dos ogãs e das cabaças, enquanto a nochê Andreza Maria deixava cair o xale para os antebraços, recebendo Toi-Zamadone, o dono do lugar. Por vezes, no seu passo firme pela calçada deserta, deixava de ouvir o tantantã dos tambores, calados de repente no silêncio da noite, com o vento que amainava ou mudava de direção. Daí a pouco Damião tornava a ouvi-los, trazidos por uma rajada mais fresca, e outra vez a imagem da nochê, cercada pelas noviches vestidas de branco, lhe refluía à consciência, magra, direita, porte de rainha, a cabeça começando a branquear. Fora ela que viera buscá-lo, à entrada do querebetã. A intenção dele era apenas ouvir um pouco os tambores e olhar as danças, sentado no comprido banco da varanda, de rosto voltado para o terreiro pontilhado de velas. Já o banco estava repleto. Muitas pessoas tinham sentado no chão de terra batida, com as mãos entrelaçadas em redor dos joelhos; outras permaneciam de pé, recostadas contra a parede. Mas a nochê, que o trouxera pela mão, fez sair do banco um dos assistentes, e ele ali se acomodou, em posição realmente privilegiada, podendo ver de perto os tambores tocando e as noviches dançando, por entre o tinir de ferro dos ogãs e o chocalhar das cabaças. Vez por outra sentia necessidade de ir ali, levado por invencível ansiedade nostálgica, que ele próprio, com toda a agudeza de sua inteligência superior, não saberia definir ou explicar. O certo é que, ouvindo bater os tambores rituais, como que se reintegrava no mundo mágico de sua progênie africana, enquanto se lhe alastrava pela consciência uma sensação nova de paz, que mergulhava na mais profunda essência de seu ser. Dali saía misteriosamente apaziguado, e era mais leve o seu corpo e mais suave o seu dia, qual se voltasse a lhe ser propício o vodum que acompanha na Terra os passos de cada negro. Embora só houvesse no céu uma fatia de lua nova, por cima da igreja de São Pantaleão, uma tênue claridade violácea descia sobre a cidade adormecida, com a multidão de estrelas que faiscavam na noite de estio. Em cada esquina, a sentinela de um lampião, com seu bico de gás chiante. Todas as casas fechadas. Perto, para os lados da Rua da Inveja, o apressado rolar de um carro, com o ruído do cavalo a galope nas pedras do calçamento. E sempre o baticum dos tambores, ora fugindo, ora voltando, sem perder a cadência frenética, muito mais ligeira que o retinir das ferraduras. No canto da Rua do Passeio com a Rua do Mocambo, antes de passar para a calçada fronteira, Damião parou um momento, batido em cheio pela claridade do gás. Resguardado do sereno pelo chapéu de feltro inglês, presente do Governador Luís Domingues no último Natal, parecia mais comprido, a espinha dorsal direita, o corpo seco e rijo, os ombros altos. Aos oitenta anos, dava a impressão de ter sessenta, ou talvez menos, com muita luz nos olhos, o passo seguro, a cabeça levantada. Até o começo do século, não dispensava a bengala de castão de prata com que entrou pela primeira vez no sobrado do Foro, sobraçando a sua pasta de solicitador, para defender outro negro. Agora, trajava com simplicidade, muito limpo, a barba escanhoada, o paletó abotoado acima do peito, um alfinete de ouro junto ao laço da gravata. - Faça favor... Damião assustou-se com a voz rouca que lhe vinha por trás do ombro direito, do lado da Rua do Mocambo. Não tinha sentido rumor de passos. E deu de frente com o Sátiro Cardoso, pequenino, enxuto, metido na sua sovada casaca de mágico, o colarinho alto, o rosto encovado, bigode, nos negros olhos uma faísca de loucura, e que logo lhe disse, com um pedaço de papel impresso na ponta dos dedos: - É o convite para o meu próximo espetáculo. - Outra vez A queda da Bandeira? - É. O pessoal pede sempre. E o público é quem manda. Damião quis ainda saber por que o velho mágico preferia aquela hora da noite, com as casas fechadas, para distribuir os seus convites. - De dia - redargüiu ele, dando-lhe outro convite - os moleques vêm atrás de mim, me chamando de Troíra. Chegam a atiçar cachorros para me morder. De noite é mais calmo: os moleques estão dormindo. E lá se foi, Rua do Mocambo abaixo, a enfiar o papelucho por baixo das portas, sem ruído, apenas roçando o chão da calçada com seu passo macio. [...]. Veja mais aqui.

POESIA REUNIDA – No livro Poesia reunida (L&PM, 1999), da poeta gaúcha Martha Medeiros, autora dos livros Strip Tease (Brasiliense, 1985), Meia-Noite e Um Quarto (L&PM, 1987) Persona Non Grata (L&PM, 1991), De Cara Lavada (L&PM, 1995), Poesia Reunida (L&PM, 1999) e Cartas Extraviadas e Outros Poemas (L&PM, 2001), entre outros. Da obra destaco inicialmente: 4 - sou uma mulher madura / que às vezes anda de balanço / sou uma criança insegura / que às vezes usa salto alto / sou uma mulher que balança / sou uma criança que atura [...] 5.- eu penso conforme o tempo / eu danço conforme o passo / eu passo conforme o espaço / eu amo conforme a fome / eu como conforme a cama / eu sinto conforme o mundo / mas no fundo / eu não me conformo [...] 7.- nanci num dia diana / a ana me ama, me norma, me helena / serena, me ensinou a ver a verdade, vera / que dói menos que uma ilusão fausta / de tarde eu tenho tereza / e vivo uma magda magia / alegria, maria, calor de suor / de se ficar Eduarda / quem dera denise / eu poder ser suzana / e ler lia muitas laudas / lauras / olga tem lindos olhos / olhe / e luiza tem luz / e alice tem paz / na cara karin eu quero / uma risada rosaura / um sono soninha de outrora / isadora, que namora isabel / neca de amor, ane versando a razão / coração, corália de canções / a musa musical de soraia / a saia de zélia / acabo de lena notícia letícia / caio de katia no chão / choro, clara / tetê temia meus medos / tenho medo da morte / tenho medo do mar / tenho medo de amar / tenho medo de marta. Também o poema Minha Boca: minha boca / é pouca / pro desejo / que anda à solta. Por fim, o poema A todos: a todos trato muito bem / sou cordial, educada, quase sensata / mas nada me dá mais prazer / do que ser persona non grata / expulsa do paraíso / uma mulher sem juízo, que não se comove / com nada / cruel e refinada / que não merece ir pro céu, uma vilã de novela / mas bela, e até mesmo culta / estranha, com tantos amigos / e amada, bem vestida e respeitada / aqui entre nós / melhor que ser boazinha e não poder ser imitada. Veja mais aqui e aqui.

O DEFEITO DA FAMILIA – A comédia de um único ato O Defeito de Família (1870- Funarte, 1980), do advogado, dramaturgo, jornalista e pintor França Júnior (1838-1890), conta a história de um segredo familiar em uma grande confusão, que coloca um casamento em xeque. Um mero joanete torna-se um fogoso amante e arrisca colocar tudo por água abaixo. Da obra destaco o seguinte trecho: [...] CENA XXV Gertrudes, Ruprecht, Artur, André, Matias e Josefina. Ruprecht (Com a espada embainhada e fazendo esforço por tirá-la da bainha) - Aqui está a esbada. Muito verrugem, non sai, non. Matias - Leva-a para dentro; já não é preciso. Ruprecht - Gomo? Matias (Batendo no ombro de Gertrudes) - Sempre me meteste um susto... Ruprecht (Para Artur) - Gomo se expliga isdo? Artur - As aparências muitas vezes enganam, meu palerma. Ruprecht (Á parte) - Bercepo, apafaram o negocia em família. Josefina (Canta) - Meus senhores e senhoras, Quero dar-lhes um lembrete, Não propalem por aí... Gertrudes (Canta) - Que ela tem um joanete. Todos (Menos Ruprecht) - Silêncio! Scio ! Atenção! Por favor bico calado, Que um defeito de família Não deve ser revelado. (Cai o pano), Veja mais aqui.

ETERNAL SUNSHINE OG THE SPOTLESS MIND – O filme Eternal Sunshine of the Spotless Mind (Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças, 2004), dirigido por Michel Gondry com roteiro de Charlie Kaufman, e música de Jon Brion, conta a história de um casal que inicia uma relação em um trem, sendo um atraído imediatamente pelo outro, mas com personalidades radicalmente diferentes. Na verdade, são ex-namorados separados e que, ela depois de uma briga, procura uma clínica para apagar todas as suas lembranças do relacionamento. Ele fica arrasado ao saber disso e decide se submeter ao mesmo procedimento. O filme faz uso de elementos de ficção científica, suspense psicológico, e uma narrativa não-linear para explorar a natureza da memória e do amor romântico. O destaque do filme é a premiada e bela atriz inglesa Kate Winslet. Veja mais aqui.

IMAGEM DO DIA
Imagem: O evangelho segundo Jesus Cristo, homenagem da revista Playboy portuguesa ao escritor José Saramago. Veja mais aqui.

 Veja mais no MCLAM: Hoje é dia do programa Some Moments, a partir das 21hs, no blog do Projeto MCLAM, com a apresentação sempre especial e apaixonante de Meimei Corrêa & Verney Filho. Para conferir online acesse aqui.

VAMOS APRUMAR A CONVERSA?
Golden Queen by Boris Vallejo,
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