domingo, novembro 04, 2012

URSULA LE GUIN, MALLARMÉ, PIERRE WEILL, VERGA, SCHELLING, BUKOWSKI, CALVINO, WILLER & LITERÓTICA


A MÚTUA DÍVIDA DO AMORToda sexta-feira, meio dia em ponto, não dou mais desconto nem prazo a correr. É dar ou fazer, não tem mais saída, obrigação já vencida só pra liquidar. Pode até amortizar, importa adimplir, seu compromisso cumprir e sem arrazoado. Pague logo o acertado sem cheque ou promissória porque essa cominatória só vale o que está riscado. Não vá pular de lado, não adianta sustar, nem mesmo embargar, isso pode então custar muito desentendimento. Pois a cada pagamento, vem o seu aditamento com a amortização. Isso senão parto para arrematar e nem adianta arrestar ou forçar protelação. Não brinque não, pague logo o que me deve, com celeridade breve resolvendo essa caranha. Pois você ainda se banha diante das circunstâncias sem usar das implicâncias e comigo concordar. Pode acordar de ser a Juliette Binoche toda só no rosa-choque, coisa linda a seduzir. Ou pode assim, chegar Letícia Sabatella me chamando de banguela, querendo me provocar. Vou avisar, não dou trégua nem emborco, vire-se Denise Stoklos ou Lucinda Elisa cover. Ou faça pose, meta bronca sorrateira, pode plantar bananeira que não vou voltar atrás. Seja sagaz, uma moça inteligente, seja bem obediente que não haverá nenhum conflito. Faça bonito, chegue junto bem cordata sem armar qualquer bravata pra gerar mais prejuízo. Então sugiro uma conversa amistosa, toda fina e toda prosa não correndo o menor risco. Como petisco e armada a cortesia negociar assim podia de uma forma confortável, já pra lá de amigável quando ambos concordantes. E adiante com fina habilidade, cordial amabilidade, entrar negociação com a maior demonstração e toda transparência, na maior das diligências tudo no maior conforme. E se informe, caso seja essa intenção, porque do contrário então, a coisa se empena. Não terei a menor pena, muito menos piedade. E sei que na qualidade de credor condescendente, você vai ficar contente se a gente até brigar. Vamos emendar e não seja tão velhaca, então vem e desempaca, pagando sua dívida. Não fique lívida na maior da saia-justa, nem vá beber cicuta nem dê um carreirão. Pode até ir pro Japão que estarei no seu encalço. Você não sai do meu laço já está toda empenhada, com a calcinha afiançada, a blusinha e saia rendada, tudo já hipotecado. Nem olhe de lado, fique logo bem nuínha e também meio arretada, se achegue logo tarada pronta pra fazer litígio. Bote prestígio e venha nua pra emboscada, pronta pra minha cilada e pro maior esfregamento, que tô assim que nem jumento pronto para vadiar. Quero mesmo me esbaldar por todo seu comprimento e essa sua arquitetura, pronto pra maior loucura, ferve quente o xambregar. Isso pra cá, me agarrando com firmeza toda sua redondeza, tudo em cima, cabo a rabo. Depois de quatro vai arcar com a despesa na maior das safadezas na demanda do tesão. Você vai mexer pirão p´reu deixar limpo seu prato na oblação dos seios fartos até piar cancão. Vou ajeitar meu quinhão no seu ventre apetitoso, nas ancas o guidão jeitoso, nas costas o meu repasto. E quando farto da garanhagem e euforia, vou aprumar a minha guia pra ser agasalhado. E sentir um bem guardado com toda litania pra você fazer no dia todo seu maior pecado. Depois de bem dado, devendo ainda está, vou querer me aproveitar cobrando juros e mora. E aí já sem demora exijo a quitação da primeira prestação acertada na penhora. E isso agora que eu quero me empanzinar. Juro que não vou ficar com fastio ou de biqueiro, vou gozar todo banzeiro até o galo cantar. É bom pagar todo dengo com carinho, toda manha com jeitinho ou coisa parecida. E isso pra toda vida, até perder de vista coisa de uma correntista num prazo esticado. Está fadado seu dever reincidente, até mesmo sucumbente, coisa líquida e certa. E seja esperta, porque esta pendência não terá mais decadência, muito menos desistência, coisa do maior valor. E como autor, pego toga de excelência, visto toda competência e viro douto julgador. Do que ficou, dou-lhe a mais formal ciência do teor dessa sentença, julgamento que valeu: você me deve uma conta. E eu também devo a você. No amor não se desconta, principalmente quando desponta coisa mútua que se deu. Já que o seu é meu e o meu é seu, queira tudo o que é meu e mais quiser porque eu quero tudo seu porque tudo de seu é meu. © Luiz Alberto Machado. Veja mais aqui, aquiaqui.

 

DITOS & DESDITOS - Todas as regras formuladas para o estudo, eu sintetizaria em uma: aprender apenas a criar. Somente através desse poder divino de produzir, o homem é completo; sem ele, o homem nada mais é do que uma máquina razoavelmente bem organizada. Ousar, apenas, dominar agora; ousa o primeiro passo de criança em direção à virtude: o segundo já se tornará mais fácil. É exigência da razão não precisar mais de nenhuma felicidade como recompensa. A filosofia exige não apenas uma cultura amadurecida, mas também uma experiência espiritual desenvolvida até sua maturidade. A arte deve começar na consciência a terminar na inconsciência. Somos conscientes da produção, mas inconscientes do produto. Conhecer é aprender para criar. As ideias são ações com significado ético. Pensamento do filósofo do Idealismo alemão Friedrich Wilhelm Joseph Schelling (1775-1854). Veja mais aqui e aqui.

 

ALGUÉM FALOU: É bom ter um objetivo para a jornada á frente, mas, no fim, o que importa é a jornada. Depois de ver o padrão maior, você não pode voltar a ver a parte como um todo. Pensamento da escritora estadunidense Ursula Kroeber Le Guin (1929-2018). Veja mais aqui e aqui.

 

OUTROS DITOS - Quando estiver se sentindo mal, observe os gatos. Eles farão você se sentir melhor. Eles sabem tudo sobre a vida, tal como ela é. Eles apenas sabem, são salvadores. Quanto mais gatos você tem, mais você vive. Se você tiver uma centena de gatos, acredite, você vai viver dez vezes mais do que se tivesse dez. Algum dia as pessoas vão descobrir isso e teremos um mundo com pessoas criando milhares de gatos. Elas viverão para sempre e isso será ridículo... Pensamento do escritor estadunidense nascido na Alemanha, Henry Charles Bukowski Jr (1920-1994). Veja mais aqui e aqui.

 

LEVEZA - [...] Cada vez que o reino do humano me parece condenado ao peso, digo pra mim mesmo que à maneira de Perseu eu deveria voar para outro espaço. Não se trata absolutamente de fuga para o sonho ou o irracional. Quero dizer que preciso mudar de ponto de observação, que preciso considerar o mundo sob uma outra ótica, outra lógica, outros meios de conhecimento e controle [...]. Trecho extraído da obra Seis propostas para o próximo milênio (Cia das Letras, 1993), do escritor italiano Ítalo Calvino (1923-1985). Veja mais aqui e aqui.

 

DIVAGAÇÕES - [...] Seja que reconhecesse este canto, que hoje influencia todo trabalho, mesmo pintado, do impressionismo ao afresco, e a sublevação de vida no grão de mármore. Mesmo o sussurro ouvido da razão ou um discurso no Parlamento, nada vale senão como ária sustentada longo tempo e segundo o tom que agrada. O poeta, verbal, desconfia, persiste, numa prevenção mais humilde, consequentemente, a fala: ouro/ora, a qualquer altura que exultem cordas e cobres, um verso, pelo fato da aproximação imediata da alma, aí chega. Fui, com muitos e, intruso familiar, subitamente, me sinto tomado de uma dúvida, uma única, a dizer a verdade, extraordinária [...]. Trecho extraído da obra Divagações (EdEFSC, 2010), do poeta e crítico literário francês Stéphane Mallarmé (1842-1898). Veja mais aqui e aqui.

 

AMAR & SER AMADO – [...] Acredita-se, cada vez mais, que todo ser humano e todo grupo de pessoas tem em si mesmo os recursos para se desenvolver, progredir e encontrar os seus próprios caminhos. [...]. Trecho da obra Amar e ser amado: a comunicação do amor (Vozes, 2001), do educador e psicólogo francês Pierre Weil (1924-2008). Veja mais aqui.

 

A LOBAEra alta, magra; mas tinha um seio firme e vigoroso, de morena - embora já não fosse criança - pálida como se tivesse sempre a malária, e naquela palidez, uns olhos grandes e uns lábios frescos e rubros que fascinavam. No povoado chamavam-lhe "A Loba" porque nunca se saciava. As mulheres persignavam-se ao vê-la passar sozinha como uma cadela, com aquele andar errante e desconfiado de loba faminta; roubava filhos e maridos num abrir e fechar de olhos, com os seus lábios rosados, e levava-os colados aos seus vestidos, com aquele olhar de Satanás, ainda que estivessem ante o altar de Santa Agripina. Por sorte, a Loba não ia nunca à igreja, nem pela Páscoa nem pelo Natal, nem para ouvir missa, nem para se confessar. O padre Ângelo de Santa Maria de Jesus, um verdadeiro servo de Deus, tinha perdido a alma por ela. A pobre Marica, menina boa e desembaraçada, chorava às escondidas, porque, filha da Loba, ninguém a queria por mulher, apesar de ter seu enxoval na cómoda e seu pedaço de chão, como qualquer outra moça do povoado. Um belo dia, a Loba enamorou-se de um belo rapaz que tinha voltado do serviço militar e que ceifava feno com ela nos campos do notário; mais do que se diz enamorar-se, sentia que lhe ardiam as carnes sob o fustão do corpete, ao fitá-lo nos olhos a sede das cálidas tardes de Junho, em meio da planície. Porém ele continuava ceifar tranquilamente, atento aos feixes, e dizia-lhe: - O que há, dona Pina? Nos campos imensos, onde só se ouvia o estridular do voo dos grilos, quando caía o sol a prumo, a Loba ceifava gavela após gavela e feixe atrás de feixe, sem se cansar jamais, sem erguer nem um momento o corpo, sem aproximar os lábios do garrafão, com o intuito de estar sempre nos calcanhares de Nanni, que ceifava e ceifava, e lhe perguntava de quando em quando: - O que quer, dona Pina? Uma noite disse-lhe, enquanto os homens dormitavam na eira, cansados, e vagavam os cães pelo campo vasto e negro: - Quero você, que é bonito como um sol e doce como o mel! Quero a ti! - E eu quero a tua filha, que é mocinha - respondeu Nanni rindo. A Loba levou as mãos à cabeça, coçou as fontes sem dizer palavra, e se foi, sem voltar mais na eira. Mas em Outubro tornou a ver Nanni, quando se extraía azeite, pois trabalhava perto de sua casa e o ranger da prensa não a deixava dormir a noite inteira. - Apanha o saco das azeitonas - disse à filha - e vem comigo. Nanni empurrava com a vara as azeitonas para debaixo da mó, e gritava "upa!" à mula para que não parasse. - Gosta de minha filha Marica? - perguntou-lhe dona Pina. - O que a senhora dá para a sua filha Marica? - perguntou Nanni. - Tem tudo o que era do pai, e, além disso, dou-lhe a minha casa; a mim me basta que me dê um canto na cozinha onde possa estender um colchão. - Se é assim, falaremos para o Natal - disse Nanni. Nanni estava todo besuntado e sujo do azeite e das azeitonas postas a fermentar, e Marica não gostava dele de jeito algum; porém a sua mãe agarrou-a pelos cabelos, diante da casa, e disse-lhe, apertando os dentes: - Se não o pegas, mato-te! A Loba parecia doente, e o povo dizia que o diabo quando fica velho se faz ermitão. Já não vivia de lá para cá; já não se punha à soleira com aqueles olhos de endemoninhada. O genro, quando ela lhe olhava com aqueles olhos, desandava a rir, e tirava o escapulário da Virgem para se benzer. Marica ficava em casa amamentando os seus filhos, e sua mãe andava pelos campos trabalhando com os homens, como um homem também, lavrando, capinando, conduzindo o gado, podando as videiras, quer soprasse o gregal, o levante de Janeiro ou o siroco de Agosto, quando mulas abaixavam a cabeça e os homens dormiam de bruços ao abrigo do muro, do norte. "Nessa hora, entre véspera e nona, em que não passeia mulher direita", dona Pina era o único ser vivente a quem se via errar pela campina, sobre os seixos abrasados dos caminhos, entre os secos restolhos dos imensos campos, que se perdiam no cálido ambiente, longe, muito longe, para o Etna nevoento, onde o céu pendia, pesado, sobre o horizonte. - Acorda - disse a Loba a Nanni, que dormia no valado junto da cerca poeirenta, com a cabeça entre os braços. - Acorda, eu te trouxe vinho para refrescar a garganta. Nanni abriu os olhos atordoados, entre adormecido e desperto, e viu-a erecta, pálida, prepotente, olhos negros como o carvão, e tocou-lhe as mãos. - Não! mulher direita não passeia entre véspera e nona! - disse Nanni, escondendo o rosto entre as ervas secas da valada. - Vai, vai! não volte mais a eira! E a Loba foi-se, de facto, reatando as formosas tranças, de olhar fixo ante seus passos nos cálidos restolhos, com os negros como carvão. Voltou, porém, muitas vezes à eira, e Nanni não lhe disse nada. E até quando tardava a chegar, na hora, entre vésper e nona, ia esperá-la no alto da senda branca e deserta, com o suor na fronte, e depois levava as mãos à cabeça repetindo-lhe sempre: - Vai, vai, e não volte mais à eira! Marica chorava dia e noite, e plantava-se ante sua mãe, os olhos ardentes de ciúmes e lágrimas, como uma lobinha, ela também, sempre que a via voltar do campo, pálida e muda. - Desalmada! - lhe dizia. - Mãe desalmada! - Cala-te! - Ladra, ladra! - Cala-te! - Vou contar ao brigadeiro! - Vai! E foi mesmo, com seus filhos nos braços, sem medo, sem verter uma lágrima, como uma louca, porque agora também ela queria aquele marido que lhe tinham dado à força, besuntado e sujo das azeitonas postas a fermentar. O brigadeiro mandou chamar Nanni; ameaçou-o até com a prisão e a forca. Nanni desatou a chorar e a puxar os cabelos. Nada negou! Não tentou desculpar-se! - É a tentação - dizia - é a tentação do inferno! - E jogou-se aos pés do brigadeiro, suplicando-lhe que o metesse na cadeia: - Por caridade, senhor brigadeiro, tire-me deste inferno! Que me matem! Que me encarcerem; contanto que não a veja mais, nunca mais! - Não! - argumentou a Loba ao brigadeiro. - Eu reservei para mim um canto da cozinha para dormir, quando lhes dei minha casa como dote. A casa é minha; não quero sair! Pouco depois, Nanni levou um coice de mula, e estava para morrer; mas o pároco recusou-se a levar-lhe o Senhor se a Loba não saísse da casa. A Loba saiu, e seu genro pôde então preparar-se para morrer como bom cristão, e confessou-se e comungou com tais mostras de arrependimento e de contrição, que todos os vizinhos e curiosos choravam junto ao leito do moribundo. Melhor teria sido morrer naquele dia, antes que o diabo voltasse a tentá-lo e a meter-se-lhe na alma e no corpo se restabeleceu. - Deixa-me! - dizia à Loba. - Por caridade, deixa-me em paz! Vi a morte com estes dois olhos! A pobre Marica está desesperada. Todo o povoado já sabe! Quando não te vejo é melhor para ti e para mim... Teria desejado arrancar os olhos para não ver os da Loba, que quando se cravavam nos seus lhe faziam perder a alma e o corpo. Não sabia o que fazer para livrar-se do feitiço. Pagou missas às almas do Purgatório; pediu ajuda ao pároco e ao brigadeiro. Pela Páscoa confessou-se e arrastou-se em público, lambendo, em penitência, seis palmos de ladrilhos do adro da igreja. Mas depois, como Loba voltasse a tentá-lo: - Escuta! - disse-lhe - não voltes mais à eira, porque se voltares para me tentar, mato-te; tão certo como há Deus. - Mata-me, - respondeu a Loba, eu não me importo; mas não vou ficar sem ti. Quando a viu ao longe, em meio das verdes sementeiras, deixou de cavar as vinhas e foi arrancar o machado do olmo. A Loba viu-o aproximar-se, pálido, com olhos arregalados, de machado brilhando ao sol, e não recuou um só passo; não baixou os olhos, continuou andando ao seu encontro, com as mãos cheias de papoulas vermelhas, devorando-o com seus olhos negros. - Ah, maldita seja tua alma! - balbuciou Nanni. Extraído da obra La Lupa (Milano: Mondadori, 1986), do escritor italiano Giovanni Verga (1840-1922).

 

É ASSIM QUE DEVE SER FEITO (fragmento): pouca gente é capaz de fazer tudo isso que fizemos / nos encontrar e ficarmos juntos / nesta hora mais inexplicável / clarões de incêndios distantes / refletindo-se em nossas peles / nossos gritos de prazer chicoteando as esferas da noite / nossos gritos de prazer explodindo pela madrugada afora / nossos uivos de prazer ecoando pelas ruas / desta cidade agora adormecida / e esta confusão de pedaços de corpos / todos gritando o mesmo nome selvagem espalhados sobre a colcha / nossos corpos druídicos formando círculos mágicos sinalizando o reinício dos tempos / nossos corpos que se precipitam como os regatos que escorrem pela encosta da montanha buscando seu rápido destino final / nossos corpos de vísceras entrelaçadas redescobrindo a pulsação das galáxias / nossos corpos no turbilhão do galope de potros bravos à beira-mar / nossos corpos com seus relâmpagos rompendo o calor denso da noite na selva tropical / nossos corpos de muitas vozes, muitas vozes que se confundem / nossos corpos sobre os quais viajamos como navegantes em busca da Terra Prometida / nossos corpos recobertos de inscrições que passamos dias e noites tentando decifrar / nossos corpos entregues a um êxtase canibal / nossos corpos percorrendo os labirintos do prazer e suas alamedas ladeadas por tufos de azaléia elétrica / nossos corpos de bruma, mapa de penugens, texto sânscrito / nossos corpos pisoteando o braseiro da memória dançando animados por um batuque que sai do centro da terra / nossos corpos mergulhando na água transparente de um lago gelado no desvão de uma gruta calcária / nossos corpos embarcando em uma nave especial feita de palha trançada / nossos corpos investidos de seus plenos poderes, salvo-condutos para qualquer viagem, licença para voar, passaporte para o delírio / nossos corpos suando gotas de fogo que escorrem por nossas costas / nossos corpos sombrios e úmidos nesta hora de fetos arborescentes e samambaias, agora liquefeitos contra os filtros do crepúsculo, transparentes como uma profecia / nossos corpos amarelos, azuis, laranja, cor de camaleão enlouquecido estampado contra as paredes do tempo / nossos corpos impressos em milhares de figurinhas coloridas que são distribuídas entre adolescentes dos subúrbios.../ nossos corpos pronunciando as palavras sagradas, o agora, mais, põe, vem, mais, com a certeza messiânica de um orador agitando as massas / nossos corpos preparando um gigantesco patuá de uma magia negra das mais pesadas para desviar o rumo da história e acabar de vez com a barbárie capitalista / nossos corpos anarquistas defendendo a formação de sociedades igualitárias regidas unicamente pelo princípio do prazer / nossos corpos com suas sacolas de escorpiões famintos, luas trêmulas, ventos que ressecam a pele em paisagens de dunas movediças / nossos corpos cheios de reentrâncias, escadarias de pedra recobertas de musgo, esquinas tão cheias de mistério quanto uma cidade-fantasma invadida por um bando de bêbados altas horas da noite / nossos corpos recostando-se mansamente na beira de um lago, sentindo a água na temperatura da pele, deitando-se e sendo recobertos aos poucos pelas folhas que vão caindo das árvores ao redor / nossos corpos elípticos, cordas tensas prontas para disparar as flechas incendiárias do prazer / nossos corpos rolando abraçados sobre este chão de cílios vibratórios que recobrem a terra, esse balão luminoso que pisca na neblina... / armários em chamas rolam pelas escadarias / um arco-íris tenta executar os passos finais de um balé / ele tropeça e cai / desabando sobre as encostas da Serra da Mantiqueira / explodindo em um caleidoscópio de cores / as montanhas racham-se / fontes de água quente jorram contra as nuvens / sobre um palco de cartolina azul sapateiam três dançarinas nuas / com suas botas vermelhas / uma vitrola distante toca In a Silent Way de Miles Davis / um montão de papel picado é jogado para o alto / multidões rezam orações sem sentido / um avião se transforma em gota d’água e fica suspenso no céu / os navios da noite chegam mais perto / eles já dobram a barra do porto / suas luzes piscam / já se ouve a música das festas nos conveses / duas mil lavadeiras / batem peças de roupa em suas tábuas / em uma praia na margem direita do rio Araguaia / no fundo do quarto há uma porta / ela se abre para uma escada de ferro em caracol / pela qual descemos / para penetrar no bojo deste cometa alucinado dos nossos corpos... Poema do poeta, tradutor e ensaísta Claudio Willer. Veja mais aqui.

 

APOCALIPSOM A (O COMEÇO NO PALCO DO FIM)Personae iures alieni / Diabo e Deus numa sala / Firmou-se acordo solene / De unir em casamento / A fé e o conhecimento / Casou-se com muita gala / O saber de Aristóteles / Com a cultura do mouro / Pra ter num só filhote / O duplicado tesouro / E toda casta divina / Estava lá reunida / Apolo e Macunaíma / Diana, Vênus, Urânia / Chiquinha Gonzaga Bethânia / O diabo ali presente / de todo banco gerente / (Conforme o cabra da peste / chamado Bertold Brecht) / Tinha comida e regalo / tinha ladrão de cavalo / pai de santo e afetado / Padre, puta e delegado / E as menina meu rapaz / Cresceu depressa demais / anda presa na soltura / circula na quadratura / e o sossego ela não deixa em paz / Cada dia mais esperta / a moleca desconcerta / conserta e ja desconcerta / No senso que ela retalha / Não há quem bote cangalha / se você faz represália / ela não passa a mão na genitália / esfrega na sua cara / Mas... / Onde a cultura vige / e o conhecimento exige / recita noblesse oblige / com veludo na laringe / castiça cantarolando / Quod erat demonstrandum / e recebida na sala / Se trata por tropicália. Extraída do álbum Tropicália lixo lógico (Independente, 2012), do compositor Tom Zé. Veja mais aqui e aqui.

 


PROGRAMA DOMINGO ROMÂNTICO – O programa Domingo Romântico que vai ao ar todos os domingos, a partir das 10hs (horário de Brasilia), é comandado pela poeta e radialista Meimei Corrêa na Rádio Cidade, em Minas Gerais. Confira a programação deste domingo aqui. Na edição deste 04/11 do programa Domingo Romântico, apresentação da radialista e poeta Meimei Correa e produção de Luiz Alberto Machado, conta na sua programação as atrações: Carlos Drummond de Andrade, Duofel, Vinicius de Moraes, Fernando Pessoa, Gonçalves Dias, Herbert de Souza – O Betinho Martins Pena, Rolando Boldrin, Elisa Lucinda, Elis Regina, Milton Nascimento, Paulo Autran, Alexandre Borges, Simon & Garfunkel, Djavan & Casseta & Planeta, Ivete Sangalo, Claudia Leite, Amelinha, Caetano Veloso, Xico Bizerra, Tanussi Cardoso, Carmen Silvia Presotto, Clara Redig, Adryanna BB, Eleonora Falcone, Maria Dapaz, Irah Caldeira, Chico de Assis, José Inácio Vieira de Melo, Ibys Maceyoh, Zé Barros, Sebah Andrade, João Pinheiro, Naldo Miranda, Monsueto, Valdemir do Cavaco & Lisiane Costa, Marcelo D2, Max de Castro, Vinny, Santanna, o Cantador, Ozi dos Palmares Bruno Kohl & Josué Demetrio, tudo isso muito mais!! Veja mais aqui.

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