APRONTAÇÕES
DELA NO ÁPICE DO AMOR - Toda
sexta-feira, meio dia em ponto, ela vem com assombro pro meu bem-me-quer. E me
faz de chofer toda gostosinha tirando a calcinha pra me provocar. E: - qualé,
que é que há? -, grita intrigada com manha cismada, querendo aprontar. Eu fico
de cá, só no encalço, apertando seu laço, seu sal se pisando. Continua bancando
maior enredeira, toda presepeira no flerte enrolado. Jeito caçoado se achega
mansinha, fingindo que é minha e que também não. Eu que sou enrolão sei desse
expediente, de fingir que se sente e que sente demais. Deu passo pra trás, se
faz desleixada com a cheba minada, apertando entre as pernas. É trapaça eterna
que faz toda pilha, ela emborca a vasilha toda mandona. E com cara pidona,
prometo a munheca e o ferro na boneca no maior caqueado. Chamo no cabo, arreia
a catimba, chupa minha bimba na maior diversão. Que degustação! E não tem
apelo, eu seguro os cabelos e tome pencó. Bateu no gogó, ela me devorando toda
se babando, esborra o chamegado. Aprumo ajeitado, ela quer que eu suste, eu
boto sem cuspe até o talo. Engole o gargalo e mais se atrepa, em mim se estrepa
e voa aprumado. E com avoado vem toda esbelta feito asa delta cavalgar de
montão. Me faz corrimão, sua mala e bocado, mastro desfraldado, consolo e
redenção. Me faz seu pirão, o seu de-comer, a razão de viver e doce predileto. Juro
que eu não presto, sou profanação, seu bicho de estimação, sua terrina e rito
de passagem. Sou sua pilhagem, sua refeição, sua extrema-unção, seu viveiro,
seu claustro. Sou seu repasto, medonha agonia, até a luz do dia me fez coroado.
Sou deus destronado, sua gota e quebranto, sou até o seu santo caído e safado. Sou
enfim seu reinado, espinho na roseira, alma maloqueira que lhe faz só mulher. E
nesse trupé, ela goza devassa, em estado de graça e seja o que Deus quiser. ©
Luiz Alberto Machado. Veja mais aqui e aqui.
DITOS & DESDITOS – Eu digo, vida e figura são atributos distintos de uma
substância, e como um e o mesmo corpo pode ser transmutado em todos os tipos de
figuras; e como a figura
aperfeiçoadora compreende o que é mais imperfeito; assim, um mesmo corpo
pode ser transmutado de um grau de vida a outro mais perfeito, que sempre
compreende nele o inferior. Pensamento da filósofa inglesa Anne Conway (1631-1679). Veja mais
aqui.
ALGUÉM FALOU: O propósito da música é levar o
ouvinte a um reino de consciência, em que a revelação do verdadeiro sentido do
universo possa ser vivida com alegria. Pensamento do
compositor e músico indiano Ravi Shankar (1920-2012). Veja mais aqui.
OUTROS DITOS: Foi preciso um acúmulo incrivel de
fracassos para eu encontrar o meu caminho. Pensamento do pintor venezuelano
Carlos Cruz-Diez (1923-2019), um dos
principais artistas da arte cinética.
AS SEREIAS DA ARGONÁUTICA - [...] A viagem
de regresso compreende várias peripécias: desde a fuga e o assassinato
de Absirto, até à travessia de Cila e Caríbdis e as sereias.
[...] Por outro lado, Orfeu tem aqui o papel mais importante. Quando entoa um cântico que salva os
seus companheiros do feitiço do canto das sereias,
tem uma intervenção verdadeiramente vital, sem a qual teriam perecido.
Considerando o catálogo, que é o efetivo começo da narração, e o término
da história, pode verificar-se que ele inicia um movimento que começa
com Orfeu, passa por Héracles e segue pelo tipo de herói que cada um
representa, tornando ao primeiro. [...]. Trechos extraídos da obra Argonautiques (Les Belles Lettres, 1980) do poeta grego Apollonios de Rhodes (295-215aC), na qual traz o relato da sirena Partenope, uma ninfa serva de Perséfone que com seu
canto enfeitiçava os marinheiros para a morte. Ao tornar-se pássaro ela se
estabelecer na ilha da Antemoessa quando foi encontrada pelos argonautas que
foram salvos por Orfeu.
A CIDADE NO INVERNO - [...] Sente o medo
apertando-lhe o peito, e também aquela comichão de prazer que lhe vem assim que
se despede dos companheiros e toma a larga avenida. [...] a certeza de se aproximar de algo que lhe
pertence completamente. Algo escuro, desconhecido e imenso [...] quando decide voltar para casa, a noite já
se tornou enorme. [...]. Trechos extraídos da obra La ciudad en invierno
(CdT, 2007), da escritora espanhola Elvira Navarro.
BONSAI – [...] Você escreve romances, esses romances de
capítulos curtos, de quarenta páginas, que estão a moda? Julio: Não. E acrescenta,
só para dizer alguma coisa: O senhor me aconselha a escrever romances? Olhe só
que pergunta você fez [...] No final ela morre e ele fica sozinho, ainda
que na verdade ele já tivesse ficado sozinho muitos anos antes de morte dela,
de Emilia. Digamos que ela se chama ou se chamava Emilia e que ele se chama, se
chamava e continua se chamando Julio. Julio e Emilia. No final, Emilia morre e
Julio não morre. O resto é literatura [...]. Trechos extraídos da
obra Bonsai (Cosac Naify, ), do escritor chileno Alejandro Zambra.
POESIA – Alguém disse: / Você não é poeta,/ Pois se esqueceu de que / Poesia é
uma arte e – / Arte é ritmo com sentido. / Agora, o que é ritmo, / Se posso
perguntar?/ Alguns dizem que são sílabas marchando,/ Outros, que são sons
marchando,/ Agora me digam como casar os dois./ Lutamos contra Shakespeare no
campo de batalha./ Negros lutaram contra boers com suas lanças./ Estas são
sílabas marchando / E isto é arte para alguns,/ Mas como posso casar os dois? /
Que tal um ritmo diferente? / Pessoas morrem nos guetos,/ De ataques da polícia
e tiros do exército, / Trabalhadores sufocam dentro de minas de carvão, / Cavando
o carvão que não têm como comprar, / Para cozinhar diariamente e se
alimentarem./ Coisas poéticas estas./ Então, concordemos em discordar – / A
arte serve. Poema da poeta e feminista zimbabuense Freedom Nyamubaya (1960-2015), guerrilheira na luta pela
independência de seu país, integrando as célebres "guerrilhas-poetas"
do Zimbábue.




