A arte da pintora russa Marianne von Werefkin (1860-1938).
LITERÓTICA: DOS VERSOS & POSES DELA - Lá estava ela latejante e terna acomodada confortavelmente
ao chão com seus olhos de manhãs enclausuradas nos interstícios da viuvez, tão
famélicos quanto pedintes às vorazes súplicas e ternos convites ao conluio dos
corpos, como se ensinassem os tantos e muitos passos do amor. Lá estava com o
sorriso enluarado de estrelas faiscantes como se ousasse abocanhar escondendo a
língua ondulatória e insana das mais expressivas promessas de céu e paraísos
faustos de lambeduras e chuchares a sorver o as gotas salpicadas da glande
inchada de ereção, ávida da seminal explosão do prazer. Lá estava com seus
seios abastados de todos os amparos mais aconchegantes nos abraços de cativantes
paradeiros e a levarem às curvas de contornáveis mares dantes navegados por
noitedias insones de extremados prazeres de idas e voltas reiteradas, a
permitir serpentear as sinuosidades de sua carne excelsa, a me
provocar zis astúcias tentadoras de quem se joga à espera do prazer nos seus
pés descalços de tantos passos que ensaiam as pernas que se perderam enroscadas
às minhas errantes horas de chegar e partir para nunca mais. Lá estava ela com
suas coxas vertiginosamente chamativas de escâncaras e gulodices para o treino
peripecial das escaladas mais íngremes e exitosas, com todas as boas vindas ao
teimoso explorador de todos os territórios mais longínquos. Enfim, lá estava
ela como se me desse por regaço a mina de todas as câmaras paradisíacas, por
guarida da minha venturosa posse aos segredos e tesouros iniciáticos para
estupenda revivescência da plenitude de sucessivos orgasmos. Lá estava ela com
mil poses de dares e tomares para minha cobiça gulosa seja incendiada com o que
sussurra a se dizer bruxa - a mais linda entre deusas e profanas, a sonhar
acordada soltando loas e versos picantes no meio de uma saudade que jura se
perder desolada e seminua pelo chão, enquanto se ajeita manhosa só para me
enlouquecer. Disso não olvidei nem me fiz de rogado, nela mergulhei para me
empanturrar na sua entrega inebriante. © Luiz Alberto Machado. Direitos
reservados. Veja mais aqui, aqui e aqui.
DITOS & DESDITOS – Sempre que tento
pensar sobre lógica, minhas ideias ficam tão vagas que nada chega a se
cristalizar. O que sinto é a maldição de todos aqueles que têm só meio-talento;
é como um homem que nos leva por corredor escuro com uma vela e justamente
quando estamos no meio do corredor e a vela se apaga e ficamos sozinhos.
Pensamento do filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein
(1889-1951). Veja mais aqui e aqui.
ALGUÉM FALOU: O espectador
oscila entre dois polos opostos, oque não deixa de nos lembrar dos princípios
gerais da pintura religiosa: de um lado terrestre, as alusões, de outro lado, o
vazio, o aéreo. E quem não ficaria incomodado por essa alternância. Pensamento
do filósofo francês François Dagognet (1924-2015).
A ARTE & A NATUREZA - [...] a natureza, no sentido da terra separada da
intervenção humana, desapareceu na sua grande parte. Vivemos num mundo
profundamente afetado pela ação humana, não só na destruição quase completa da
primitiva natureza selvagem do planeta e na distribuição da flora e da fauna
longe dos seus habitats originais, mas também, na alteração das formas e das características
da superfície terrestre, do seu clima e da própria atmosfera. [...] Não só a natureza é visivelmente afetada
pela ação humana, como a nossa própria concepção de natureza emergiu
historicamente e diverge amplamente de umas tradições culturais para outras. O
que queremos dizer com natureza, as nossas crenças sobre a vida selvagem, o reconhecimento
de uma paisagem, o nosso próprio sentido de ambiente, todos eles fizeram
aparições históricas e foram entendidos de maneiras diferentes em diferentes
tempos e locais. Não é surpreendente que uma estética que aspira a universalizar
como as ciências tenha dificuldade em encaixar a natureza. [...]. Trecho extraído
de A estética da arte e a natureza (2004
– CFUL, 2011), do filósofo estadunidense Arnold
Berleant.
MANUAL DE FALHAS – [...] Penso nas
regras a serem cumpridas. Rituais sagrados da vida moderna. Tenho instantes de
lucidez: homens como eu devem se desviar das normas, instituindo, com seu
comportamento, novas regras, que acabam se tornando tendências (faróis) do seu
tempo. Assim se recebe da mídia uma repercussão eficiente. Está claro que sem
mídia nada sou. Nada somos. Nada serei. Não permanecerei, e nenhum de vocês,
meus telespectadores, ou cinespectadores (ainda que tenha feito tão pouco
cinema, o ter de ficar esperando entere cenas me irrita, ainda não inventaram
uma técnica veloz de filmagens), saberá como vivi. O público vive de acordo com
normas impostas pelos célebres. O que fazem, como agem, o que pensam é lei,
documento de nosso tempo. Não exagero. Na mídia está o Manual de Sobrevivência:
o que vestir. O que comer. Onde comer. O que beber (drinque do momento, palavra
horrenda essa, drinque). Os vinhos recomendados. O must da estação. A entrada
apropriada para um jantar. O queijo, o pão (bagel anda emmoda). Existem
padarias que são points, locais procurados pelos colunistas, fotógrafos. A
tradição foi iniciada no Sumaré, com padaria ao lado da antiga TV Tupi, a
emissora do indiozinho, a pioneira. Eu daria tudo para estar naquela foto
histórica da primeira transmissão de televisão no Brasil. Ali se vê Chatô
(preciso reler o Fernando de Morais), o apresentador Homero Silva e uma jovem
desconhecida. Essa jovem é uma desconhecida de rosto célebre; eu seria um, em
início de carreira. As verduras e legumes naturais, sem agrotóxicos ou
não-transgênicos. Ainda não sei o que a palavra transgênico significa
exatamente, sei que minha atitude deve ser de desconfiança ou repulsa mesmo
diante dela; pega bem. A roupa do momento. A gola. O punho. O comprimento das
mangas. O caimento das alças. Felizmente há livros para orientar. Agradeço a
Glória Kalil, Constanza Pascolato, Fernando de Barros. Decorei seus manuais,
observei, pelas fotos e acontecimentos sociais, como se vestem. As cores da
estação. O tipo de sapato. De salto. O cinto. A carteira de dinheiro. O melhor
cartão de crédito a ser exibido. A praia a se frequentar. O maiô – não se diz
maiô, é sunga ou o quê? Spinwear. Pesquisar. Os óculos. Cada um para uma ocasião.
O chapéu para momentos certos. A música. O CD mais ouvido. O CD pouco ouvido,
desconhecido, iraniano, ou de um cantor regional da Nova Inglaterra. Um
irlandês ou norueguês. Na Noruega não existe somente bacalhau, estão fazendo
também excelente cinema. Comprar – por sinal – o livro Os cem melhores filmes
de todos os tempos. A palavra descolar é gíria atualizada. Usar também o termo
acústico. Ter DVD na Home Theater. [...] Extraído da obra O anônimo célebre (Global, 2002), do escritor Ignácio de Loyola
Brandão. Veja mais aqui e aqui.
SEXO & CARÁTER – [...] O gênio
é umas vezes reflexivo e científico, outras predisposto às manifestações
artísticas [...] enfim, seu
interesse pode concentrar-se em determinado momento sobre a cultura e a
história da humanidade e em outras ocasiões dirigir-se em direção à natureza.
[...] O homem que está em
relação íntima com o maior número de coisas, que as capta melhor, que não deixa escapar o mínimo detalhe; que
compreende mais facilmente e mais profundamente que os demais porque possui ao
máximo o dom de medida e de limite. O
indivíduo genial é o que tem clara consciência do maior número de coisas.
Por isso sua sensibilidade é, sem dúvida,
a melhor. [...] a verdade, a pureza,
a fidelidade, a felicidade, a sinceridade frente a si mesmo é a única ética
possível [...] Pode-se afirmar que
para a maior parte dos homens, Jeová é necessário de um modo ou de outro. A
minoria (os homens geniais) não possuem uma vida heterônoma. Os demais justificam sempre suas ações e
omissões, seus pensamentos e seu ser, ao menos na teoria, a outra pessoa,
trata-se de um deus pessoal como o dos judeus, ou de um indivíduo amado,
respeitado ou temido. Só assim atuam em conformidade externa e formal com a lei
moral. [...] O homem superior não
pode ser um simples psicólogo empírico para o qual somente existem
singularidades que tenta reunir mediante associações, etc., nem é um simples
físico que vê o mundo composto de átomos e moléculas [...]. Trechos
extraídos da obra Sexe et caractere (L’Age
d’Homme, 1985), do filósofo austríaco Otto Weininger (1880-1903). Veja
mais aqui.
LIXO - [...] Minha filha já vestiu roupa nova, até
aliança a gente encontrou aqui, num corpo. É. Vem parar muito homem morto,
muito criminoso. A gente já tá acostumado. Quase toda semana o camburão da
polícia deixa seu lixo aqui, depositado. Balas, revólver 38. [...] Você precisa ver. Isso tudo aqui é uma
festa. Os meninos, as meninas naquele alvoroço, pulando em cima de arroz,
feijão. Ajudando a escolher. A gente já conhece o que é bom de longe, só pela
cara do caminhão. Tem uns que vêm direto de supermercado, açougue. Que dia na
vida a gente vai conseguir carne tão barato? Bisteca, filé, chã-de-dentro – o
moço tá servido? A moça? [...] Não,
ele nunca vai tirar a gente deste lixão. Tenho fé em Deus, com a ajuda de Deus,
eles nunca vão tirar a gente deste lixo. Eles dizem que sim, que vão. Mas não
acredito. Eles nunca vão conseguir tirar a gente deste paraiso. [...].
Trechos extraídos da obra Angu de sangue
(Ateliê; 2005), do escritor Marcelino
Freire. Veja mais aqui e aqui.
RETRATO PRÓPRIO - Magro,
de olhos azuis, carão moreno, / Bem servido de pés, meão na altura, / Triste da
facha, o mesmo de figura, / Nariz alto no meio, e não pequeno. / Incapaz de
assistir num só terreno, / Mais propenso ao furor do que à ternura; / Bebendo
em níveas mãos por taça escura / De zelos infernais letal veneno: / Devoto
incensador de mil deidades / (Digo, de moças mil) num só momento, / E somente
no altar amando os frades: / Eis Bocage, em quem luz algum talento; / Saíram
dele mesmo estas verdades / Num dia em que se achou mais pachorrento. Poema
do poeta português Bocage (1765-1805)
Veja mais aqui e aqui.
TEMPO DE VIDRO (FRAGMENTO) – As deliberações
paternas nunca tinham sentido / Chorei por razões óbvias / Enquanto as palavras
ardiam / no fogo do silêncio / Minha mãe cuidava do pranto alheio / e engolia o
seu / minha avó acreditava na família unida / completa e feliz / como frases de
uma bandeira, uma lápide / e louvava a Deus sobre todas as coisas / e pessoas /
meus irmãos cresceram junto aos meus ossos /dormimos juntos e sonhamos
desacordados / como se cada infância tivesse sua própria poeira / minha mãe
cuidava do nosso pão / mastigava um pedaço de pedra / cozida em alguma
primavera / que não tinha nascido / minha avó somou os terços, rosários,
súplicas / e Deus foi apenas um visitante rápido / numa tarde de domingo. Poema
do jornalista e poeta Samarone Lima, que é autor dos livros de reportagens Zé (1998),
Clamor (2003) e Viagem ao Crepúsculo (2010), de crônicas Estuário
(1995) e de poesias A Praça Azul & Tempo de Vidro (2012).