DITOS &
DESDITOS - Neste mundo, são aqueles que aproveitam a oportunidade que têm as
oportunidades. Ninguém pode ser sábio de estômago vazio. Aquilo a que chamamos
o nosso desespero é frequentemente a dolorosa avidez de uma esperança
insatisfeita. A amizade é o conforto indescritível de nos sentirmos seguros com
uma pessoa, sem ser preciso pesar o que se pensa nem medir o que se diz. Os
animais são amigos tão agradáveis: não fazem perguntas, não criticam. Abençoado
o homem que, não tendo nada a dizer, abstém-se de dar provas do fato com
palavras. O caráter não é esculpido em mármore, não é algo sólido e
inalterável. É algo vivo e mutável, e pode tornar-se doente, como se torna
doente o nosso corpo. Abençoada é a influência de uma verdade: uma alma humana
apaixonada por outra. Pensamento da escritora britânica George Eliot (1819-1880). Veja mais
aqui e aqui.
ALGUÉM FALOU: É também a expressão mais vasta do desejo
comum do Homem sobre a terra, de se considerar livre, capaz de se desligar das
amarras de uma sociedade em que estiola e morre, como ser humano. Pensamento do escritor angolano António Agostinho Neto (1922-1979),
autor do poema A noite: Eu vivo / nos
bairros escuros do mundo / sem luz, nem vida. / Vou pelas ruas / às apalpadelas
/ encostado aos meus informes sonhos / tropeçando na escravidão / ao meu desejo
de ser. / — Bairros escuros / mundos de miséria / onde as vontades se diluíram
/ e os homens se fundiram / com as coisas. / Ando aos trambolhões / pelas ruas
sem luz / desconhecidas / pejadas de mística e terror / de braço dado com
fantasmas. / Também a noite é escura.
EDUCAÇÃO - [...] O ato de comparar tem muito pouco de
certeza, não se constitui em um procedimento de rigorosa análise estatística. A
comparação resulta de um julgamento humano, sujeito, dessa forma, à
falibilidade, considerando, também, que o conceito de comparar é extremamente
vago. Apesar de tudo, comparar tornou-se um ato obsessivo na prática de algumas
avaliações [...] chegando a um
lamentável e absurdo exercício, por ignorar o fato de que qualquer avaliação de
um ser humano é feita por um outro ser humano e os escores resultantes nunca se
revestem de uma precisão absoluta, que demandaria instrumentos perfeitos
isentos de erros de medida, o que é impossível na prática, mesmo que utilizadas
tecnologias de ponta e processos estatísticos sofisticados. [...]. Trechos
extraídos da obra Avaliações Nacionais em
Larga Escala: análises e propostas (Estudos em Avaliação Educacional, 2003),
do educador e pesquisador Heraldo Marelim Vianna (1927- 2013). Já em sua obra Análise
crítica de abordagens do rendimento escolar: o caso da Matemática (Estudos em Avaliação Educacional, 1993), assinala que: [...] É preciso lembrar que a construção do conhecimento
faz-se através da ruptura de paradigmas e sua substituição por outros, que,
mais tarde, serão igualmente substituídos, inexoravelmente. Esse é o caminho a
seguir na construção do conhecimento, inclusive da área educacional, e sem um
conjunto de novos conceitos não será possível vencer o atual impasse na
educação, com as consequentes implicações no campo da avaliação [...]. Veja mais aqui e aqui.
O PODER DA MULHER – [...] O poder da mulher é a infraestrutura de todos os
edifícios sociais, de todas as relações de forças.
Um sistema social onde o domínio não se apoie sobre a satisfação dos nossos
instintos primordiais, nunca poderá ser mais que uma superestrutura, e os seus
chefes não poderão exercer mais que um domínio limitado ao qual os parceiros
sexuais e objetos biológicos não dão qualquer valor. [...] Sem o assentimento da mulher, o fascismo, o
imperialismo ou a inquisição nunca teriam sido possíveis. Se não dependessem
das mulheres, nunca os homens se tornariam instrumentos de tais sistemas. Para sofrer a violência de um destes
sistemas secundários e ver-se obrigado a aceitar o terror, a hipocrisia e a
traição, a condição prévia está em um ser humano estar ligado a outro pelos
seus instintos mais primordiais. O poder da mulher faz o jogo da violência
universal [...] Padres da Igreja,
políticos e ditadores, todos conhecem esta lei não escrita. O ato político mais importante de um déspota
é sempre o de lisonjear a mulher, bajulá-la. Todos os ditadores o sabem: se por
eles tiverem a mulher, o homem automaticamente enfileirará do seu lado.
Assim, enquanto a Igreja recomendar a mulher como objeto a proteger, o homem
aceitará que os seus filhos sejam educados nesta fé por criaturas invisíveis,
necessárias à perpetuação do culto. Enquanto os políticos prometerem à mulher
facilidades de ordem social, poderão com inteira tranquilidade de consciência
nada alterar no serviço militar nem nas reformas dos homens. Enquanto os
ditadores renunciarem a exércitos de mulheres, não terão qualquer dificuldade
em enviar para guerra os homens jovens. [...]. Trechos extraídos da obra Sexo
Polígamo (Editorial Futura/Carlos & Reis, 1978), da escritora argentina
Esther Vilar (pseudônimo de Esther Margareta Katzen). Veja mais aqui.
DOIS POEMAS: A
FACE DO AMOR - Seu rosto é o rosto de todos os outros antes de você e
depois de você e seus olhos calmos como um azul amanhecer na hora certa pastor
das nuvens sentinela da beleza branca iridescente a paisagem da boca da tua
condessa que eu tenha explorado guarda o segredo de um sorriso como pequenas
aldeias brancas além do montanhas e seus batimentos cardíacos a medida de seu
êxtase Não há questão de começar não há questão de posse não há questão de
morte cara da minha amada a cara do amor. A CRIANÇA QUE FOI MORTA A TIROS POR SOLDADOS
EM NYANGA - A criança não está morta! / Ela levanta
os punhos junto à sua mãe. / Quem grita África ! brada o anseio da liberdade e
da estepe, / dos corações entre cordões de isolamento. / A criança levanta os
punhos junto ao seu pai. / Na marcha das gerações. / Quem grita África! brada o
anseio da justiça e do sangue, / nas ruas, com o orgulho em prontidão para
luta. / A criança não está morta! / Não em Langa, nem em Nyanga / Não em
Orlando, nem em Sharpeville / Nem na delegacia de polícia em Filipos, / Onde
jaz com uma bala no cérebro. / A criança é a sombra escura dos soldados / em
prontidão com fuzis sarracenos e cassetetes / A criança está presente em todas
as assembleias e tribunais / Surge aos pares, nas janelas das casas e nos
corações das mães / Aquela criança, que só queria brincar sob o sol de Nyanga,
está em toda parte! / Tornou-se um homem que marcha por toda a África / O filho
crescido, um gigante que atravessa o mundo / Sem dar um só passo. Poemas da poeta sul-africana Ingrid
Jonker (1933-1965).
OUTROS
POEMAS - LES TEMPS A FUE - O tempo acabou / Março acabou / Você não é
mais jovem, mas velho. / - Que pena, disse ele, e tanto melhor! / Março acabou
/ Também em novembro / Onde estão seus olhos e suas pernas? / - Que pena, disse
ele, e tanto melhor! / Acabou o amor / Pobre surdo velho. / Não há mais festas
e jogos / - Que pena, disse ele, e tanto melhor! / a estrada é difícil / a
morte é certa / Cada curva é perigosa. / - Que pena, disse ele, e tanto melhor!
/ Nota: um verso diferente e mais uma estrofe no poema de Claudel: / O tempo
acabou / tudo está acabado / Ele ainda é Deus! / - Que pena, disse ele, e tanto
melhor! FEMMES ET HOMMES DE
LA TEXTURE - Mulheres e homens de textura / Da fala e do vento,
você que tecem tecidos de palavras / Na ponta dos dentes, não se deixe prender
/ Não se permita ser selado / Com sonhos impossíveis / Você é amado / Contanto
que você se encaixe no sonho feito de você / Então o grande rio do Amor flui
suavemente sobre você / Seus dias são felizes sob as castanheiras malvas / Mas
se acontecer de você não estar mais / A pessoa que habitou o sonho / Então você
encontra ventos contrários / A bota lista, a vela se rasga / Os botes
salva-vidas são colocados no mar / Palavras de amor se tornam facas / Que estão
mergulhados em seu coração / A pessoa que ontem te amou / te odeia hoje / A
pessoa que foi tão atencioso / Para o seu riso e lágrimas / Já não pode
suportar o som da sua voz / Nada está mais aberto à discussão / Sua mala é
jogada da janela / Está chovendo, e você anda pela rua / Em seu sobretudo preto
/ É amor querer o outro / Abandonar seu próprio caminho e sua própria jornada?
/ É amor trancar o outro / Na prisão do seu próprio sonho? / Mulheres e homens
de textura de fala e de vento / Você que tecem tecidos com palavras / Na ponta
dos dentes / Não aceite ser objeto de sonhos / Sonhado por qualquer outro que
não você mesmo / Cada um tem seu próprio caminho / Que às vezes só ele pode
entender / Mulheres e homens de textura, / Da fala e do vento / Se todos nós
pudéssemos em primeiro lugar / E acima de tudo / Sejam amantes da vida / Então
não seríamos mais esses eternos questionadores, / Esses eternos mendigos / Que
desperdiçam tanta energia e tempo / Esperando que outros lhes dêem sinais, / Beijos,
reconhecimento / Se ao menos fôssemos, acima de tudo e em primeiro lugar, / Amantes
da vida / Tudo seria um presente para nós / Nós nunca ficaríamos desapontados.
/ Não se deve permitir-se sonhar com os outros / Só eu conheço o caminho que me
leva / Para o destino da minha viagem / Todo mundo está em sua própria vida e
sua própria pele / A cada um sua textura, sua tecelagem e suas palavras. Poemas do poeta, contador de histórias, escultor e
cantor belga Julos
Beaucarne (1936-2021).