DITOS & DESDITOS - A arte de perder
não é nenhum mistério; tantas coisas contém em si o acidente de perdê-las, que
perder não é nada sério. Pensamento da poeta estadunidense Elizabeth Bishop
(1911-1979). Veja mais aqui e aqui.
ALGUÉM FALOU: [...] fazer uma
catarse, dizendo o que bem entende, embora não entenda bem por que o diz
[...] a palavra doce, o “canto das
palavras que encantam”. [...]. Trechos extraídos da obra A face oculta da palavra: o verbo se fez
carne (Ícone, 1993), do ocultista yogue espanhol José Ramon Molinero (Yogakrisnanda, 1922-2004).
A DOR DE QUEM SOFREU - Logo que
fui levada ao DOI-Codi/RJ – depois de três dias no Dops – recebi na cela onde
estava, um pouco antes de a tortura começar, uma estranha ‘visita’: Amílcar
Lobo, que se disse médico. Ele tirou minha pressão e perguntou se eu era
cardíaca. Ou seja, preparou-me para a tortura para que esta fosse mais efi caz.
Os guardas que me levavam, frequentemente encapuzada, percebiam
minhafragilidade e constantemente praticavam vários abusos sexuais contra mim.
Oschoques elétricos no meu corpo nu e molhado eram cada vez mais intensos. Me
senti desintegrar: a bexiga e os esfíncteres sem nenhum controle. ‘Isso não
pode estar acontecendo: é um pesadelo… Eu não estou aqui…’, pensei eu. O
filhote de jacaré com sua pele gelada e pegajosa percorria meu corpo… ‘E se me
colocam a cobra, como estão gritando que farão?’. Perdi os sentidos, desmaiei.
Em outros momentos, era levada para junto de meu companheiro quando ele estava
sendo torturado. Inicialmente, fi zeram-me acreditar que nosso fi lho, de três
anos e meio, havia sido entregue ao Juizado de Menores, pois minha mãe e meus
irmãos estariam também presos. Foi fácil cair nessa armadilha, pois vi meus
três irmãos no DOI-Codi/RJ. Sem nenhuma militância política, foram sequestrados
em suas casas, presos e torturados. O barulho das chaves nas mãos de algum
soldado que vinha abrir alguma cela era aterrorizante. ‘Quem será dessa vez?’.
Quando passavam por minha cela e seguiam adiante, fi cava aliviada. Alívio
parcial, pois pensava: ‘Quem estará indo para a sala roxa dessa vez?’. Esse
farfalhar de chaves me acompanha desde então. Numa madrugada, fui retirada da
cela, levada para o pátio, amarrada, algemada e encapuzada. Aos gritos, diziam
que eu seria executada e levada para ser ‘desovada’ como num ‘trabalho’ do
Esquadrão da Morte. Acreditei. Naquele momento, morri um pouco. Em silêncio,
aterrorizada, urinei-me. Aos berros, eles riram e me levaram de volta à cela.
Parece que nessa noite não havia muito ‘trabalho’ a fazer.
Depoimento da psicóloga, professora e fundadora do Grupo Tortura Nunca Mais, Cecília Coimbra, por ocasião de sua
prisão em 28 de agosto de 1970, Rio de Janeiro. Veja mais aqui e aqui.
PSICONAVEGAÇÃO – [...] A história
da humanidade é uma colagem de nossas decisões. As escolhas que fizemos durante
os dois últimos séculos criaram uma grave ameaça ao nosso planeta: é hora de
escolhermos de outra forma. A psiconavegação pode nos capacitar a entender
melhor nossa posição atual. Deixando-nos penetrar nesse poço de conhecimento,
ela pode nos mostrar como tomar decisões que nos permitirão indicar outro eumo.
Sabemos que temos um problema. Podemos encontrar soluções. É importante
entender as técnicas que estão disponiveis para nos ajudar em nossa tarefa. As técnicas
têm sido repetidamente comprovadas. Elas eram usadas por nossos ancestrais. Elas
“acederam” a inteligência de pessoas como Edison, Marconi, Einsteim, Gandhi e
Chrchill. Atualmente elas são usadas por médicos, cientistas, artistas, líderes
empresariais e pessoas dos mais variados estilos de vida. [...]. Trecho
extraído da obra Psiconavegação: técnicas
para desenvolver a sabedoria interior e vencer desafios (Gente, 1997), do
escritor e ativista ambiental estadunidense John Perkins, autor da obra Confessions of an Economic
Hit Man (Plume, 2004).
O ROCK COMO ARTE – O rock está
devorando os próprios filhos. [...] A
música popular e o cinema são as duas grandes formas de arte do século XX. Nos
últimos 25 anos, o cinema adquiriu prestígio acadêmico. [...] Mas o rock ainda não conquistou o respeito
que merece como a autentica voz de nosso tempo. Onde vai o rock, segur atrás a
democracia. [...] O rock não devia
ser abandonado às darwinianas leis do mercado. [...] O rock é vítima do seu próprio sucesso. O que antes significava
rebelião, hoje não passa de afetação ginasiana. [...] Hoje, os músicos do rock são predados por empresários abutres, que os
pasteurizam, reempacotam e despem de seu rebelde livre-arbítrio. Como os astros
do esporte, os músicos são ordenhados ao máximo, depois largados e postos de lado
quando seu primeiro album não vende. Os empresários ofecerecem todas as
tentações de Mammon aos grupos de rock jovens: riqueza, fama e sexo fácil. Não há
uma única voz individual na ultura que diga ao músico: Você é um artista, não
uma máquina de fazer dinheiro. Não assine o contrato. Não faça turnês. Só grave
quando estiver pronto. Saia por aí sozinho, como Jimi Hendrix, e viva com sua
guitarra até ela fazer parte de seu corpo. Como se deve treinar um artista?
[...] Para o rock ir adiante como forma
de arte, nossos músicos devem ter a oportunidade de desenvolver-se espiritualmente.
Devem ser estimulados a ler, a ver pinturas e filmes estrangeiros, a ouvir jazz
e música clássica. Os artistas com forte senso de vocação podem sobreviver aos
desastres e triunfos com suas vidas interiores intactas. Nossos músicos
precisam ser resgatados dos aventureiros e caça-dotes que os atacam quando eles
são jovens e ingenuos. Carreiras longas e produtiva não se dão por acaso.
[...]. Trechos extraídos da obra Sexo,
arte e cultura americana (Companhia das Letras, 1993), da professora e acadêmica
Ph.D, ensaísta crítica social e de arte estadunidense, Camille Paglia. Veja mais aqui e aqui.
TRES POEMAS – EU: Eu sou a
tangência de duas formas opostas e justapostas / Eu sou o que não existe entre
o que existe. / Eu sou tudo sem ser coisa alguma. / Eu sou o amor entre os
esposos, / Eu sou o marido e a mulher, / Eu sou a unidade infinita / Eu sou um
deus com princípio / Eu sou poeta! / Eu tenho raiva de ter nascido eu, / Mas eu
só gosto de mim e de quem gosta de mim, / O mundo sem mim acabaria inútil. / Eu
sou o sucessor do poeta Jesus Cristo / Encarregado dos sentidos do universo. / Eu
sou o poeta Ismael Nery / Que às vezes não gosta de si. / Eu sou o profeta
anônimo. / Eu sou os olhos dos cegos / Eu sou o ouvido dos surdos. / Eu sou a
língua dos mudos, / Eu sou o profeta desconhecido, cego, surdo e mudo / Quase
como todo mundo. A UMA MULHER: Só
te quero para mim se te puder dar aos outros, / Porque os outros não são senão
eu ampliado. / Quero ver-te beijada por todas as minhas bocas, / Quero ver-te
abraçada por todos os meus braços, / Quero ver-te numa rótula e depois num
altar / Distribuindo o castigo e o prêmio final / Que merece um poeta na escola
da vida. / Quero ver-te no céu ou talvez no inferno. A UMA MULHER: Eu queria ser o ar que te envolve / Desde o teu
nascimento. / Eu queria ser o teu vestido que te esconde dos outros. / Eu
queria ser a tua camisa que te conhece em segredo, / Eu queria ser o teu leito
onde te abandonas ao teu próprio frio. / Eu queria ser teu filho e teu amante,
/ Eu queria que fosses eu. / Eu queria ser teu amor e deu Deus. / Eu queria não
existir. Poemas do pintor brasileiro Ismael Nery (1900-1934). Veja mais aqui, aqui e aqui.