A SANTA DE ALAGOINHANDUBA! - Em Alagoinhanduba havia sempre o inusitado. Certa feita, um casal
errante: a mãe com o bucho pela boca, o pai tímido maltrapilho. Fugiam não se
sabe do quê, procuravam por um parente distante de décadas, famintos,
desterrados. A agonia do parto se deu ali mesmo, numa esquina movimentada,
muitos socorreram. Coincidências acontecem, coisas da vida: o parente sumido
testemunhava tudo e nem sabia, só depois de muito choro e desespero. Compungido,
os levou para sua casa, amparo emergencial. O tempo passa e a recém-nascida
torna-se uma linda menina, encantada com o mundo, os seres e as coisas, cresce
aos olhos de todos. Nem adolescente ainda, já parecia moça vistosa, chamava atenção
seu jeito terno, suas carnes bem distribuídas, sua beleza hipnotizante. Moça de
riso fácil, ternura acentuada, disposta sempre ao cuidado maternal com quem
quer que fosse e precisasse. Não eram poucos os que dela requisitavam atenção, logo
se viu encurralada, quarto trancado, estuprada pelo
tio, sua primeira tragédia. Punida por ser dada, logo foi imediatamente encaminhada
para o convento de freiras. Lá a sua primeira clausura. Por sua afetuosa
emanação, tornou-se logo professora a encantar alunos, pais e comunidade. Dedicada
às suas preces e afazeres, uma chama secreta emergia do seu ser, ardia,
refulgia, vicejava. Em suas mãos o domínio do secreto. Ao passo que realizava
com afinco suas atividades, não escapava das investigações alheias: corpulenta,
era cortejada por carrancudos e aventureiros, cobiçada pelos homens
endinheirados, cercada por reprovações, até ser abusada pelo pároco, a segunda
condenação. Reclusa por sua sina, preferia cuidar dos pobres e enfermos, pois,
a graça de quem tivesse o seu toque, logo era curado, quando não salvo das
agruras da vida. Isso também era percebido por seus algozes e carrascos que a queriam
exclusiva. Distanciada do mundo, manteve-se no seu recolhimento até um dia,
quase enlouquecida pela incompreensão de todos, sair nua em via pública, recuperando
a visão de cegos, o silêncio de mudos, curando aleijões e estigmas. Um alvoroço.
Por conta disso, ganhou notoriedade a santa nua, e uma imagem única feita por artesão:
uma pequena estátua de braços abertos, com sua formosura e bondade. Proibida, reprimida,
aprisionada por atentado ao pudor público: seu corpo foi violado e ela abusada por
muitos no cárcere. Reprovada, banida, excomungada por ser a tentação em pessoa,
não se sabe como, ela conseguiu fugir do cativeiro para nunca mais ser vista,
apenas de ouvir falar: vivia escondida não se sabe ao certo o paradeiro, a
cuidar dos que se perdiam ou procuravam a solução para seus problemas, os que
sofriam de sede ou fome, os que procuravam paz, os que morriam de emboscada, os
cansados, insepultos e miseráveis, os acolhia até completo restabelecimento. Certo
dia ouviu-se a noticia de que ela fora encontrada nua, seviciada, morta, esquartejada,
numa sexta feira santa. A imagem dela, a única, sumiu ou foi roubada, ninguém
sabe, era o desejo dos inimigos, o temor dos fanáticos. Anos se passaram,
décadas mais tarde, encontraram a pequena escultura dela enterrada numa terra
distante e foram anunciados vários milagres: quem a tocasse ficava feliz
demais, curado de qualquer enfermidade, salvo das profundas do inferno, ou prosperava
na vida. Uma romaria, todos os dias, em fila: a santa obra milagres até agora. ©
Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] Uma cultura morre, quando essa alma tiver
realizado a soma das suas possibilidades, sob a forma de povos, línguas,
dogmas, artes, Estado, ciências, e em seguida retornar à espiritualidade
primordial. [...]
Natureza é a forma sob a qual o homem das culturas
elevadas confere unidade e significado às impressões imediatas dos seus
sentidos. História é a forma sob a qual a sua imaginação procura compreender a
existência viva do Universo, com relação à sua própria vida, a fim de conferir
a esta uma realidade mais profunda. […] Que ocorrerá, porém, quando toda uma cultura,
quando a consciência que uma nação inteira tiver de si mesma, provierem de tal
espírito não histórico? Como se lhe afigurarão a realidade, o mundo, a vida? [...].
Trechos extraídos da obra A decadência do ocidente: esboço de uma morfologia da História
Universal (Zahar, 1964), do historiador e filósofo alemão Oswald Spengler (1880-1936). Veja mais
aqui.
VOLAVÉRUNT
O premiado
drama histórico Volavérunt (1999),
dirigido pelo cineasta e roteirista espanhol Bigas
Luna (1946-2013) e baseado na obra homônima do escritor uruguaio Antonio Larreta
(1922-2015), contando a história da mulher mais rica e liberada de seu tempo, a
duquesa de Alba, que oferece uma festa para inaugurar o seu novo palácio e que
tem, entre os convidados, o pintor e gravador espanhol Francesco de Goya (1746-1828),
quando na manhã seguinte ocorre um assassinato misterioso. Destaque para
atuação da atriz espanhola Penélope Cruz
Sanchez. Veja mais aqui, aqui,
aqui, aqui & aqui.
A ARTE DE
ANTHONY DONALDSON
A arte do escultor e pintor britânico Anthony
Donaldson, um dos criadores do
movimento Pop Art. Veja mais aqui.
A OBRA DE GERALDO CARNEIRO
De noite, na rua, em frente ao parque
A minha solidão é sua
Decerto sei que você vaga em qualquer parte
Sob essa vaga lua
De noite, na rua, em frente ao parque
A minha solidão é sua
Decerto sei que você vaga em qualquer parte
Sob essa vaga lua
A noite esconde as cicatrizes
Esconde as carícias e os maltratos
A noite esconde as cicatrizes
Esconde as carícias e os maltratos
De noite alguém decerto lhe ampara
Por onde hoje você anda
Mas sem olhar sua ciranda louca
Daquele jeito que lhe desmascara
De noite alguém decerto lhe ampara
Por onde hoje você anda
Mas sem olhar sua ciranda louca
Daquele jeito que lhe desmascara
A noite esconde as cicatrizes
Esconde as carícias e os maltratos
A noite esconde as cicatrizes
Esconde as carícias e os maltratos
Agora, bêbada, você estremece
Como se ainda não soubesse
Em frente à porta desse bar
Em que embarca sob essa vaga lua
E a luz da lua apura a nitidez da marca
Mais nua, mais clara, mais crua
Poema Mais
Clara, Mais Crua do premiado poeta, letrista e roteirista mineiro radicado
no Rio de Janeiro, Geraldo Carneiro,
ocupante da cadeira 24 da Academia Brasileira de Letras e parceiro musical de
grandes nomes da música, tais como Egberto Gismonti, Astor Piazzola, Wagner
Tiso, Tom Jobim, Vinicius de Morais, Francis Hime, entre outros. O poema em
referência foi musicado e recebeu o título de Palhaço (álbum Circense – ECM,
1980), por Egberto Gismonti. Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.