DOS GOLES DA SAUDADE – A cidade quase toda ali: a
gente e a falação, uma mesa na porta e o Sol do meio dia no chambaril, mão de
vaca e carne de sol. Tagarelice com uma quartinha, duas, três, muito goles,
vira, virou. Tudo, diga-se de passagem, sempre quase e quase. A gente sequer
previa dos catadores de material reciclável, mandava ver na conversa mole,
saudades de muito, lembranças quase sem valia. Leia-se: quase. Joab mais
parecia imperador, falava grosso na sua roliça compleição: passado e hoje quase
um só. Arnaldo, o verdadeiro, falava manso das coisas de ontens e tantas, quase.
Valter que era menino, hoje homem feito graúdo, destilava conversas de outrens
e nenhuns que foram, passaram, quase deslembrados, moravam só na memória
esquecida disso e daquilo, quase mais. Será que foi, nada, a verdade seria
outra, qual, nem se sabia direito, mas se dizia e pei e pou e tá, a de cada um,
na afoiteza da testemunha ocular. Coisas até de antes a gente ter nascido,
professores de cepa, gente empiorada, coisas de cruzetas e mangações. Nem parecia
que se havia subido o morro, nem cansado pelas rodas do carro. Qual santo do
bairro, muito menos soubera. Dona Lourdes gentil mais mandava. A mesa quase
rodava, apesar de quadrada como nós que nem sabíamos direito entender o passado
para um futuro piormente almejado em círculos embicados: tudo gira e a vida é
uma só. Ou quase. Contamos histórias e estórias, nenhuma sindicância, muitas
referências para o que nem sabíamos que se passou e quase presentes. Quantos morreram
assim do nada e vivos na conversa, tão vivos, chega dava o que pensar da existência:
quem pintava o cabelo e negava (como o próprio Joab, às escondidas – que o diga
Iolita, só ela sabe o segredo que nem é mais de agora); de gente que matou e
morreu pelo golpe de antanho, hoje filme revisto; do que foi feito e não tinha
quase nenhuma importância, só porque estávamos lá é que ficou como a saudade da
mais pura verdade; de Bagaço e ideais, de trens que nunca passaram, de petas
que batiam o pé, dos conluios dos outros e a gente primava de falar a mais
serena ousadia, ou quase. A vida gira e como gira girou. Quem não foi tosco lá
pelos idos tão longínquos, podia dizer de quem era ou não era, coisa de aferir
no relógio da paisagem: isso é o Brasil de Palmares todo, ou quase. Houvesse
mais outras saideiras, o dia era pouco para décadas e continentes. Bastavam goladas
para maiores fôlegos e tome trupé. Dissemos um do outro, de coisas de antanho,
quantas peripécias, salvaram-se todos, até os ausentes, ou quase. O que ficou:
para deixar nossos mortos em paz, a gente precisa fazer o que tem que ser
feito. ©
Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] Hoje, as
linhas de latitude e longitude governam com mais autoridade do que eu poderia
ter imaginado há mais de quarenta anos, porque essas linhas permanecem fixas à
medida que o mundo vai modificando sua configuração por debaixo delas – com continentes
flutuando à deriva através dos oceanos cada vez mais largos e fronteiras
nacionais repetidamente refeitas ao saber da guerra ou da paz.
[...] As linhas que
representam a latitude, as paralelas, permanecem paralelas umas às outras
envolvendo o globo como cintos, do Equador aos pólos, numa série de anéis concêntricos.
Os meridianos da longitude se posicionam de forma inversa: eles enlaçam o globo
do Pólo Norte ao Pólo Sul, formando grandes círculos de tamanhos idênticos,
todos convergindo para os mesmos pontos nas extremidades da Terra. As linhas
da latitude e longitude começaram a entrecruzar a nossa visão do mundo já na
Antiguidade. [...] À medida que o
mundo gira, qualquer linha traçada de pólo a pólo pode servir tão bem quanto
qualquer outra como ponto de referência. A localização do meridiano primo é
uma decisão puramente politica. [...] O
paralelo de zero grau de latitude é fixado pelas leis da natureza, enquanto o
meridiano de zero grau de longitude se modifica com as areias do tempo. [...]
Trechos extraídos da obra Longitude: A verdadeira história de um gênio solitário que resolveu o
maio problema científico do século XVIII (Ediouro, 1996), da escritora estadunidense
Dava Sobel, contando a história
verídica de John Harisson e de como ele levou anos para conver o almirantado
britânico a usar os relógios para determinação da longitude a bordo de um
navio.
A POESIA DE RITA ISADORA PESSOA
UMA MULHER SORTEADA POR UM ALGORITMO
(PRÓLOGO): uma mulher como eu ou você /
[uma mulher que come dorme chora / nas horas certas / uma mulher com um roteiro
entre as penas / que escreve, paga contas e eventualmente cozinha / uma mulher
como eu ou você] / uma mulher sob a influência / de graves números / de
softwares / do mal do século 21 / uma mulher que não é um robô / que se recusa
a ser escrita / em linguagem java ou html / uma mulher como eu ou você]
UMA MULHER QUE CULTIVA UM GESTO DE
DESAPARIÇÃO [epílogo]: [uma mulher que escapa ao movimento político / de sua
geração e se justifica em primeira pessoa] / se insisto no mesmo gesto que /
anula o meu, o teu, o nosso suposto “lugar de fala” / se afirmo
silenciosamente um desejo velado / de invisibilidade / como têm os objetos que
permanecem dentro de / malas ou recipientes por mais tempo do que o /
necessário / é porque / reconheço a visibilidade das coisas / que devem
permanecer visíveis / mas ainda assim / transgrido na parte que me toca com
suavidade / na mesma parte que me roça o trato epidérmico de meu / discurso /
me submeto / como um corpo celeste intermitente que emite luz em pulsos / à
inevitabilidade trágica deste pêndulo: / ora existo, ora desapareço
Poemas
extraídos da obra Mulher sob a influência
de um algoritmo (CEPE, 2018), da premiada poeta Rita Isadora Pessoa, que é graduada em psicologia e fez mestrado em
Teoria Psicanalítica (UFRJ) e doutorado em Literatura Comparada (UFF).
&
A POESIA DE EDUARDO DIÓGENES
DO SEMPRE: escrever - / beatitude / olhar sem
conter / a palavra / intrínseca / entre o visto / e o vivido / sem gramáticas.
INICIAÇÃO: como aprendi a mentir / a vida me
fez cometer / tudo em poema.
Á MARGEM DO CANAL: à margem do canal /
desfilam casas / enraizadas na lama / (se ao que se pode / chamar qualquer teto) / antes de qualquer vogal / ou geografia / entre macilentas e suja terra /
nos caixotes / candidatos a banheiros / à margem do canal.
INTERLÚDIO: uma rajada de sol fere a saudade
/ a tarde é um cruzamento / para o coração incerto / algumas vidas nos alcançam
/ em cores simples.
Poemas
extraídos da obra A barlavento (7
Letras, 2000), do poeta Eduardo Diógenes.
A ARTE
DE CAROLEE SCHNEEMANN
A mulher
era a preocupação constante da imaginação masculina, mas quando eu a quis
examinar por completo em mim mesma e retratar as partes verdadeiras, fui
acusada de romper limites estéticos essenciais. Eu sou pintora e morrerei
como pintora. Tudo o que tenho feito ao longo da minha carreira foi
trazer os princípios visuais para fora da tela.
A arte
da artista experimental visual estadunidense Carolee Schneemann (1939-2019), que
desenvolve trabalhos multimídia sobre o corpo, narrativa, sexualidade e gênero.
Veja mais aqui, aqui & aqui.
A OBRA DE PAULO LEMINSKI
Haja hoje para tanto ontem.
A obra do
escritor, critico literário, tradutor e professor Paulo Leminski
(1944-1989) aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.