A HARPA DE ACÁCIA – O encanto esbanjado no
seu jeito altivo da beleza fluminense diante da burma na busca da felicidade do
seu espírito inquieto de geminiana pelas frágeis certezas deste mundo. Era
desde a harpa dourada no cartão postal e a chegada de Lea Bach
no Teatro Cassino Beira-Mar. Os seus dedos macios deslizavam
pelas cordas de tripas de lince da saung gauk, em cada degrau da escada pequena
ou de cerimônia, para glória de conduzir os herois dos Edas na pira fúnebre, ou
como uma deusa psicagoga mensageira nórdica no modo do sono e todos dormiam
irresistivelmente no encontro entre o céu e a terra. Era mais: a voz do Buda e
exaltava a vida com o célebre e sagrado canto do harpista para Antef: Rejeita
para longe de ti os cuidados, procura a diversão até que venha aquele dia de
embarcar para a terra que ama o silêncio... E ela era Helena para inspirar
meu coração Páris. Era Cleópatra a me seduzir com seus encantos. Como a deusa
mãe celta ordenava as estações do ano e eu singrava de inverno a verão. E
prosseguia como se lesse no papiro Harris 500: Segue teu desejo por mais que
vivas. Põe mirra em tua cabeça, veste linho fino, unta a ti mesmo com as
genuínas maravilhas de um deus. Aumenta teus deleites, que teu coração não se
entristeça! Segue teu desejo e os prazeres a que aspiras, faze tuas coisas na
terra ao pedido de teu coração... E eu me sentia como as insignias do Brian
Boru, como a Irlanda e Gales. O apogeu para o júbilo da minha alma: Faz um dia
feliz. Ponha junto o incenso e o óleo fino para tua narina, guirlandas de lótus
e de flores sobre teu peito, ao passo que tua irmã, doce ao teu coração, está
sentada ao teu lado... E ela se tornou a Cameratta de Odette na pintura de
Bracet. Veja mais abaixo e aqui, aqui e aqui.
DITOS & DESDITOS - Meu coração bate
desamparado onde minhas pernas se juntam. É tão bom existir!... Pensamento da
escritora, professora e filósofa Adélia Prado. Veja mais aqui, aqui e aqui.
ALGUÉM FALOU: Se uma só
pessoa for tocada por essa beleza, alcancei meu objetivo...
Pensamento da harpista Acácia Brazil de Mello (1921-2008). Veja mais aqui,
aqui e aqui.
AOS DRAMATURGOS – [...] Tente ser
original na sua obra e tão diligente quanto lje seja possivel, mas não tenha
medo de se mostrar pateta. Devemos ter liberdade de pensamento e só é um
pensador emancipado aquele que não tem medo de escrever patetices. [...] a
brevidade é irmã do talento. Lembre-se, a propósito, de que declarações de
amor, de infidelidades de maridos e esposas, viúvos, órfãos e outras desditas
vêm sendo descritas desde há muito. [...] e o principal é que o pai e a
mãe devem comer. Escreva. As moscas purificam o ar, e as obras, a moral.
[...]. Trecho extraído da obra Letters on the Short Story, the Drama and
other Literary Topics (L. S. Friedland, 1924), do dramaturgo e escritor russo Anton Tchékov (1860-1904). Veja mais
aqui e aqui.
QUARUP – [...] Quase de si
mesma a ubá se encostou à margem direita do furo e Nando e Francisca slaatram
enlaçados pela cintura. Mais para dentro da mnargem havia orquídeas claras,
quase brancas. Nando e Francisca não falaram. Apenas se voltaram um para o
outro, braços abertos, e o breve instante em que se separaram foi para deixarem
cair no chão as roupas sobre as quais se deitaram debaixo de orquideas pálidas,
separados do rio por um cortinado de orquideas coloridas. Quando veio o prazer
Francisca o fechou em lábios e pétalas quentes sem nenhuma palavra e Nando
descobriu o gozo que é profundo e continuo como mel e seiva que se elaboram no
interior das plantras. Se de quando em quando separavam boca ou ventre era para
melhor se verem um instante e constatrem com assombro que eram ainda duas
pessoas, de novo se perdiam um no outro sem mais saber com que lábios sentiam
os lábios do outro ou quem possuia e quem era possuido, ambos sem rumo que não
fosse o outro pois viviam um no outro e se detestariam quando uma vez mais
estivessem sozinhos depois de haverem vivido tamanha soma da vida. Entraram na
água fresca do furo, cheios ainda de desejo, não desejo de fome que estavam
saciados mas desejo de moradia um no outro pois nenhuma razão reconheciam como
válida para serem dois. Ainda pingavam águas nus e sorridentes quando Nando
constatou desapontado que seu proprio sexo não estava no ventre lixo e flexivel
de Francisca e que nem no seu peito de homem floriam os pequenos seios dela.
[...]. Trechos extraídos da obra Quarup (Civilização Brasileira, 1967), do
jornalista e escritor Antonio Callado (1917-1997). Veja mais aqui.
CARTA DE PRINCÍPIOS – Se te sentes,
hoje, como a adolescente que já foste, \ ou que, talvez, nem tenhas, de fato
sido; \ se, ao andares pela rua, és abordada por um homem, \ que quer... saber
as horas ou teu relógio roubar; \ se és chamada de tia, pelo rapaz que é um
tesão, \ e de jovem, pelo guardador, espertalhão; \ se observas, impotente, a
eficiente ação da gravidade, \ no indefeso espaço de teu corpo; \ se andas de
táxi e a aflição, com rádio aos berros, \ é bem maior que o medo de um estupro;
\ se teu companheiro, de certo fazendo graça, \ fala em trocar-te por duas de
vinte; \ se olhas, distraída, ao espelho e, curiosa \ perguntas, quem será essa
senhora; \ se, entre a austeridade e o ridículo, \ o comprimento de tua saia
oscila; \ se achas cada vez pior a impressão do jornal e, \ ao alongares os
braços, não resolves a questão; \ se passas a acalentar a ideia de uma plástica,
\ tão criticada, nas outras, até então; \ se já duvidas de tudo que a razão
teima em provar-te, \ mas és capaz de, sempre, acolheres nova ilusão; \ se, no
momento mais solene, tudo colocas em questão, \ sendo capaz de rir dos outros,
e, ainda, de ti mesma; \ se és capaz de, frente a teu pensar, tão pouco linear,
\ de ti, não cobrares coerência, apesar das insistências; \ se aguentas a perda
do viço, dos pelos e dos apelos, \ sem, mesmo assim, o gozo da vida tu
perderes; \ se, do rock ou similar, já não lembras dos teus ídolos, \ mas
continuas a dançar, se possivel conforme a música; \ se teu tesão, na
imaginação mais forte que na ação, \ ainda assim te guia, na busca de novo pão;
\ se assim é contigo ou, mais ou menos, te parece, \ és mulher, minha guerreira,
e quarenta já mereces. Poema do escritor britânico Rudyard Kipling
(1865-1936). Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.