DITOS & DESDITOS - Não espere uma vitória definitiva,
mas sim conseguir melhores condições de combate. Não é nada descobrir algo novo, você tem que descobrir por que
você descobriu isso. O partido deveria ser uma escola de política, não uma
máquina eleitoral. A única sede do exercício do poder é o povo. Temos que começar a
pensar na formação política dos jovens e dos ativistas porque essa é a
informação política de um novo tipo de político, não corrupto, que tem
princípios éticos...Pensamento do filósofo argentino Enrique Dussel. Veja mais
aqui e aqui.
ALGUÉM FALOU: Os homens sempre se teceram e sonharam no que é forma
extrovertida, no que se erige, no que rasga o espaço. Por isso dos
poços e das profundezas nada sabem...
Trecho extraído da obra Novas
Cartas Portuguesas entre Portugal e o Mundo - ou de como Maina Mendes pôs ambas as mãos sobre o corpo e
deu um pontapé no cu dos outros legítimos superiores (Estúdios Cor, 1972), escrita por Maria Isabel
Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, dirigida por Natália
Correia, que foi censurado como imoral e o livro foi proibido e expurgado
das livrarias. As autoras e o editor, Romeu de Melo, foram incriminados e
levados a tribunal. O caso só terminou depois da revolução de 25 de Abril de
1974. Banido de Portugal, o livro foi imediatamente traduzido na Europa e nos
Estados Unidos da América, encontrando-se, ainda hoje, entre as obras
portuguesas mais traduzidas em todo o mundo. A apreensão do livro e o processo
instaurado às três autoras no contexto do Estado Novo provocou uma onda
internacional de apoio inédita na história da literatura portuguesa, tendo os
protestos e as manifestações em prol da causa das “Três Marias”, como viria a
ficar conhecido o processo, atingido proporções inimagináveis: desde a
cobertura do julgamento feita pelos meios de comunicação internacionais, até às
manifestações feministas em várias embaixadas de Portugal no estrangeiro,
passando ainda pela defesa pública da obra e das autoras levada a cabo por
nomes como Simone de Beauvoir, Marguerite Duras, Doris Lessing, Iris Murdoch ou
Stephen Spender, foram várias as ações que fizeram com que este caso fosse
votado, numa conferência patrocinada pela National Organization for Women
(NOW), como a “primeira causa feminista internacional”. Abordando questões que
se mantêm cruciais para a agenda política contemporânea, como a guerra e os
conflitos, a violência, a discriminação, a feminização da pobreza, a (ausência
de) liberdade, a colonização do corpo político e a imigração, entre muitas
outras questões, Novas Cartas
Portuguesas continuam a despertar a consciência social e a promover
a construção de novos mapas de entendimento e de uma humanidade comum: [...] “Qual
a mudança na vida das mulheres ao longo de séculos? […] As mulheres
bordavam ou teciam ou fiavam ou cozinhavam, sujeitavam-se aos direitos de seus
maridos, engravidavam, tinham abortos ou faziam-nos, tinham filhos,
nados-mortos, nados-vivos, tratavam dos filhos, morriam de parto às vezes, em
suas casas, com móveis, cadeiras, cortinados. Estamos em tempo de civilização e
de luzes, os homens fazem livros científicos e enciclopédias, as nações mudam e
mudam a sua política, os oprimidos levantam a voz, um rei de França é
decapitado e com ele os seus cortesãos, os EUA do Norte tornam-se independentes
[…] Que mais? Que mais interessa enunciar a história? O que mudou na
vida das mulheres? Já não tecem, já não fiam, talvez, porque se desenvolveram a
indústria e o comércio; as mulheres bordam, cozinham, sujeitam-se aos direitos
de seus maridos, engravidam, têm abortos ou fazem-nos, têm filhos,
nados-mortos, nados-vivos, tratam dos filhos, morrem de parto, às vezes em suas
casas, onde apenas mudou o feitio dos móveis, das cadeiras e dos cortinados”.
DECOLONIALIDADE – [...] desarmar, desfazer ou reverter o
colonial. [...]. Com este jogo linguístico, Tento mostrar que não existe um estado nulo de colonialidade, mas
sim posturas, posicionamentos, horizontes e projetos para resistir,
transgredir, inter- venha, surja, crie e influencie [...] descrever e narrar a situação de colonização e
impulsionar e revelar a luta anti e decolonial [...] um sentido prático e concreto em favor das lutas de
descolonização, libertação e humanização [...] Assim, há uma epistemologia
fanoniana que aponta para conhecer a forma em que o sujeito colonizado
interioriza seu processo de colonização criando assim as condições de não-existência
[...] é atacar as condições ontológicas-existenciais e de classificação
racial e de gênero; incidir e intervir em, interromper, transgredir, desencaixar
e transformá-las de maneira que superem ou desfaçam as categorias identitárias
[...]. Trecho extraído da conferência Interculturalidade crítica e educação
intercultural (Seminário “Interculturalidad y Educación Intercultural”,
Instituto Internacional de Integración del Convenio Andrés Bello, La Paz, 2009.),
da pedagoga e professora irlandesa Catherine Walsh, que propõe a pedagogia decolonial como um projeto político, social, epistêmico e
ético, expresso pela interculturalidade crítica, que aposta na evocação de
conhecimentos outrora marginalizados e de uma postura insurgente diante das
estruturas rígidas resultantes do binômio modernidade\colonialidade.
A MULHER SENSUAL – [...] Nós mulheres
nascemos para amar, e só somos felizes quando amamos integralmente. Desta maneira,
ame, ame ardentemente. Não tenha medo. Deixe o amor participar de cada instante
de sua vida. [,,,] Vamos. Comece. Você vai viver belos momentos. Pense em
toda essa felicidade sexual e nos homens maravilhosos que irá encontrar no
caminho. Você adorará transformar-se numa Mulher Sensual. [...] Para começar
uma Espiral de Seda e um Toque de Borboleta em meu homem. Ele será levado ao
êxtase, e eu também. Hummmmmmmmmm [...]. Trechos extraídos da obra The
Sensuous Woman (Lyle Stuart, 1969), da escritora estadunidense Joan
Theresa Garrity, com o pseudônimo de "J", um manual de instruções
detalhadas sobre sexualidade para mulheres, com o subtítulo "o primeiro livro de instruções para a mulher que
anseia ser toda mulher". Também foi publicado como O Caminho para se
Tornar a Mulher Sensual. Posteriormente ela passou a usar o nome Terry Garrity.
PERDOANDO DEUS – Eu ia
andando pela Avenida Copacabana e olhava distraída edifícios, nesga de mar,
pessoas, sem pensar em nada. Ainda não percebera que na verdade não estava
distraída, estava era de uma atenção sem esforço, estava sendo uma coisa muito
rara: livre. Via tudo, e à toa. Pouco a pouco é que fui percebendo que estava
percebendo as coisas. Minha liberdade então se intensificou um pouco mais, sem
deixar de ser liberdade. Não era tour de propriétaire, nada daquilo era meu,
nem eu queria. Mas parece-me que me sentia satisfeita com o que via. Tive então
um sentimento de que nunca ouvi falar. Por puro carinho, eu me senti a mãe de
Deus, que era a Terra, o mundo. Por puro carinho, mesmo, sem nenhuma
prepotência ou glória, sem o menor senso de superioridade ou igualdade, eu era
por carinho a mãe do que existe. Soube também que se tudo isso “fosse mesmo” o
que eu sentia – e não possivelmente um equívoco de sentimento – que Deus sem
nenhum orgulho e nenhuma pequenez se deixaria acarinhar, e sem nenhum
compromisso comigo. Ser-Lhe-ia aceitável a intimidade com que eu fazia carinho.
O sentimento era novo para mim, mas muito certo, e não ocorrera antes apenas
porque não tinha podido ser. Sei que se ama ao que é Deus. Com amor grave, amor
solene, respeito, medo, e reverência. Mas nunca tinham me falado de carinho
maternal por Ele. E assim como meu carinho por um filho não o reduz, até o
alarga, assim ser mãe do mundo era o meu amor apenas livre. E foi quando quase
pisei num enorme rato morto. Em menos de um segundo estava eu eriçada pelo
terror de viver, em menos de um segundo estilhaçava-me toda em pânico, e
controlava como podia o meu mais profundo grito. Quase correndo de medo, cega
entre as pessoas, terminei no outro quarteirão encostada a um poste, cerrando
violentamente os olhos, que não queriam mais ver. Mas a imagem colava-se às
pálpebras: um grande rato ruivo, de cauda enorme, com os pés esmagados, e
morto, quieto, ruivo. O meu medo desmesurado de ratos. Toda trêmula, consegui
continuar a viver. Toda perplexa continuei a andar, com a boca infantilizada
pela surpresa. Tentei cortar a conexão entre os dois fatos: o que eu sentira
minutos antes e o rato. Mas era inútil. Pelo menos a contigüidade ligava-os. Os
dois fatos tinham ilogicamente um nexo. Espantava-me que um rato tivesse sido o
meu contraponto. E a revolta de súbito me tomou: então não podia eu me entregar
desprevenida ao amor? De que estava Deus querendo me lembrar? Não sou pessoa
que precise ser lembrada de que dentro de tudo há o sangue. Não só não esqueço
o sangue de dentro como eu o admito e o quero, sou demais o sangue para
esquecer o sangue, e para mim a palavra espiritual não tem sentido, e nem a
palavra terrena tem sentido. Não era preciso ter jogado na minha cara tão nua
um rato. Não naquele instante. Bem poderia ter sido levado em conta o pavor que
desde pequena me alucina e persegue, os ratos já riram de mim, no passado do
mundo os ratos já me devoraram com pressa e raiva. Então era assim?, eu andando
pelo mundo sem pedir nada, sem precisar de nada, amando de puro amor inocente,
e Deus a me mostrar o seu rato? A grosseria de Deus me feria e insultava-me.
Deus era bruto. Andando com o coração fechado, minha decepção era tão
inconsolável como só em criança fui decepcionada. Continuei andando, procurava
esquecer. Mas só me ocorria a vingança. Mas que vingança poderia eu contra um
Deus Todo-Poderoso, contra um Deus que até com um rato esmagado podia me
esmagar? Minha vulnerabilidade de criatura só. Na minha vontade de vingança nem
ao menos eu podia encará-Lo, pois eu não sabia onde é que Ele mais estava, qual
seria a coisa onde Ele mais estava e que eu, olhando com raiva essa coisa, eu O
visse? no rato? naquela janela? nas pedras do chão? Em mim é que Ele não estava
mais. Em mim é que eu não O via mais. Então a vingança dos fracos me ocorreu:
ah, é assim? pois então não guardarei segredo, e vou contar. Sei que é ignóbil
ter entrado na intimidade de Alguém, e depois contar os segredos, mas vou
contar – não conte, só por carinho não conte, guarde para você mesma as
vergonhas Dele – mas vou contar, sim, vou espalhar isso que me aconteceu, dessa
vez não vai ficar por isso mesmo, vou contar o que Ele fez, vou estragar a Sua
reputação. . .mas quem sabe, foi porque o mundo também é rato, e eu tinha
pensado que já estava pronta para o rato também. Porque eu me imaginava mais
forte. Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que,
somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é
que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar
é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade
ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre
fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu
modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu
amaria – e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é
amar um mundo que não é ele. É também porque eu me ofendo à toa. É porque
talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa. É
porque sou muito possessiva e então me foi perguntado com alguma ironia se eu
também queria o rato para mim. É porque só poderei ser mãe das coisas quando
puder pegar um rato na mão. Sei que nunca poderei pegar num rato sem morrer de
minha pior morte. Então, pois, que eu use o magnificat que entoa às cegas sobre
o que não se sabe nem vê. E que eu use o formalismo que me afasta. Porque o
formalismo não tem ferido a minha simplicidade, e sim o meu orgulho, pois é
pelo orgulho de ter nascido que me sinto tão íntima do mundo, mas este mundo
que eu ainda extraí de mim de um grito mudo. Porque o rato existe tanto quanto
eu, e talvez nem eu nem o rato sejamos para ser vistos por nós mesmos, a
distância nos iguala. Talvez eu tenha que aceitar antes de mais nada esta minha
natureza que quer a morte de um rato. Talvez eu me ache delicada demais apenas
porque não cometi os meus crimes. Só porque contive os meus crimes, eu me acho
de amor inocente. Talvez eu não possa olhar o rato enquanto não olhar sem
lividez esta minha alma que é apenas contida. Talvez eu tenha que chamar de
“mundo” esse meu modo de ser um pouco de tudo. Como posso amar a grandeza do
mundo se não posso amar o tamanho de minha natureza? Enquanto eu imaginar que
“Deus” é bom só porque eu sou ruim, não estarei amando a nada: será apenas o
meu modo de me acusar. Eu, que sem nem ao menos ter me percorrido toda, já
escolhi amar o meu contrário, e ao meu contrário quero chamar de Deus. Eu, que
jamais me habituarei a mim, estava querendo que o mundo não me escandalizasse.
Porque eu, que de mim só consegui foi me submeter a mim mesma, pois sou tão
mais inexorável do que eu, eu estava querendo me compensar de mim mesma com uma
terra menos violenta que eu. Porque enquanto eu amar a um Deus só porque não me
quero, serei um dado marcado, e o jogo de minha vida maior não se fará.
Enquanto eu inventar Deus, Ele não existe. Conto extraído da obra Felicidade
Clandestina (Rocco, 1998), da premiada escritora e jornalista Clarice
Lispector (1920-1977). Veja mais aqui, aqui e aqui.
DOIS
POEMAS - O MUNDO DAS SOLIDÕES Eu vaguei pela sombra e pela luz Oferecendo meu amor a inúmeras estrelas cadentes. Eu viajei por uma solidão tão grande Fazendo muitos sacrifícios em minha vida. A lenda da felicidade me atormenta E a tristeza me enterra na vertigem da desordem. Infelizmente, uma tempestade começa a se formar no horizonte Quando o ciúme troveja em minha alma Como um violento terremoto. E no silêncio da noite, O vaga-lume desesperado tenta desesperadamente Para fazer todo o céu brilhar, Como uma nova estrela da Providência. O MILAGRE DO AMOR Estarei lá, de dia e de noite, Nas
provações e tormentos do destino Estar com você enquanto você passa pela vida.
Estarei lá no mesmo reino de sonho que você Para nutrir seu coração Com todas
as virtudes vitais do meu ser. Estarei lá para te amar infinitamente. E meu
sangue fluirá como uma fonte inesgotável, Sem murmúrio nem violência, Até as
profundezas de suas febres, Dos seus desejos e êxtases amorosos. Pormeas do escritor congolês Kama Sywor Kamanda. Veja mais aqui e aqui.