segunda-feira, julho 18, 2011

MAX JACOB, IAN MCEWAN, EVE ARNOLD, DIA BRANCO & LITERÓTICA

 

A arte da fotógrafa e pioneira fotojornalista estadunidense Eve Arnold (1912-2012).

 

 DIA BRANCO – Imagem: art by Ísis Nefelibata - Estava eu desamparado de tudo quando saí pra vida e ela surgiu sussurrando lindo o “Dia branco”. Minha alma Geraldinho Azevedo logo se arrepiou, entregou os pontos e embalamos coro no palco da vida. Era o amor. Bastou uma centelha, nada mais. Apenas, um riso de mulher. E tudo ficou sendo como se eu tivesse acabado de ser parido: eu nasci entre um rio e um sorriso de mulher. Nada melhor para me recolocar na vida saindo do negrume desalmado da indiferença para alcançar a esperança real. Aí cantamos e nos embalamos na noite imensa quando beijei seus olhos de dias infindos. Foi quando percebi seus braços quase véus divinos de todas as estrelas do universo, me enlaçando o pescoço para levar meus lábios até seus lábios ardentes e feitos de rios que nos levam caudalosos pelas corredeiras mais distantes de tanto se entregar. E nos beijamos imensamente como se a vez fosse para redimir todas as minhas dores e remediar todas as minhas cicatrizes abertas e chagadas, sarando tudo ao mais leve eflúvio do encanto altaneiro de um beijo de mulher. E nos abraçamos inteiramente entregues um ao outro sem jamais dar conta de nada nem de nós que estávamos à beira extrema da paixão irremediável que clamava por nós todos os nossos fôlegos de acrobacias e danças. E nos envolvemos inteiros até que lhe lambi as faces, mordi-lhe a carne do ombro, pescoço, seios, troncos e lhe lambuzei os ductos até saltar-lhe o umbigo e me embrenhar na sua selva pubiana e sobejar suas águas e me fartar do seu pote de todos os sonhos de amor. E nos sorvemos um ao outro como se jamais pudéssemos saciar nossas vontades e a nos travar definitivamente pela loucura de estarmos servos mútuos e perenes prontos para que dali criássemos um mundo possível de viver. Foi quando gozamos o mais impossível de todos os gozos até nos extasiarmos de estarmos vivos e prontos para viver além da própria vida. E compartilhamos e dividimos e nos entregamos. Agora só quero quem me quer. . © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui, aquiaqui.

 


DITOS & DESDITOS: A mulher é um mutante. Não somente porque oscila, em hormônios e humores, mas porque é um dos poucos seres capazes de transfiguração sem jamais atingir uma forma definida. Pensamento da jornalista Kika Salvi (Bravo, abril 2007), autora do livro Mulher à moda antiga: um olhar de holofote sobre os relacionamentos (DVS, 2007), realizando uma espécie de viagem cheia de aventuras e mostrar que, na essência, a aventura do percurso pode ser mais encantadora do que o destino final, abordando, portanto, por meio de um conjunto de crônicas, os relacionamentos de forma geral, num contexto contemporâneo, moderno, e bem humorado, contando ainda com uma boa dose de sentimentos. Kika faz uma meticulosa, apaixonada e descarada especulação sobre o amor e o sexo nestes tempos de individualismo imperativo.

 

ALGUÉM FALOU: O evangelho da popularidade alcançou tal ponto nesse mundo de cabeça para baixo, que qualquer um, poderoso ou renomado, torna-se um bajulador diante da possibilidade de ser impopular. A internet é um universo paralelo que raramente se cruza com outras esferas da vida, fora dos seus parâmetros defensivos. Pensamento do escritor e crítico cultural estadunidense Lee Siegel, autor do livro Against the machine: being human in the age of the eletrônica mob (Contra a máquina - sendo humano na era da turba eletrônica - Spiegel & Grau, 2008), que é um libelo contra a internet e inovações tecnológicas em geral.

 

SERENA - [...] Meu nome é Serena Frome (a pronúncia é Frum) e há quase quarenta anos fui enviada numa missão secreta do Serviço de Segurança britânico. Eu não voltei em segurança. Um ano e meio depois de entrar fui despedida, depois de ter caído em desgraça e acabado com a vida do meu namorado, embora ele certamente tenha tido um pouco a ver com sua própria queda [...] Mas eu perdi a virgindade no primeiro semestre, varias vezes seguidas, parecia, já que na época todo mundo adotava um estilo caladão e desajeitado, e tive uma agradável sucessão de namorados, seis ou sete ou oito ao longo dos nove semestres, dependendo das definições de carnalidade que você considera. Eu fiz um punhado de boas amizades entre as mulheres do Newnham. Joguei tenis e li livros. Totalmente graças a minha mãe, eu estava estudando o assunto errado, mas não parei de ler. Eu nunca tinha lido muita poesia ou pecas de teatro na escola, mas acho que os romances davam mais prazer a mim que aos meus amigos da universidade, que eram obrigados a suar para dar conta de ensaios semanais sobre Middlemarch ou Feira das vaidades. Eu passava correndo por esses mesmos livros, jogava conversa fora sobre eles, talvez, se houvesse alguém por ali que conseguisse tolerar o meu nível básico de discurso, e ai seguia em frente. Ler não era o meu jeito de pensar em matemática. Mais que isso (ou será que eu quero dizer menos?), era o meu jeito de não pensar. [...]. Trechos extraídos da obra Serena (Cia. das Letras, 2012), do escritor britânico Ian McEwan. Veja mais aqui.

 

MEDO - Têm um riso pavoroso. Descem da montanha aos gritos. Parecem estar bêbedos, mas não estão. Tento correr. Sei que é impossível. O pior! É o fim do mundo! Estes homens negros e mascarados! o último suplício: aqueles que resistiram (como se pode morrer ainda mais?) serão mergulhados em água a ferver. E nem uma única recordação consoladora. Acordem-me deste sono de suor e morte. Acordem-me antes que adormeça. Poema do escritor, pintor e crítico francês Max Jacob (1876-1944).

 


MAMULENGO - Quem vai passando arrepare, quem já parou, atenção / Eis que é chegada a hora de ouvir com emoção / História de amor e guerra / Trazidas lá de uma terra da nossa imaginação / É uma terra sem fronteiras de nome São Saruê / Que a procura não acha/quem mais olha menos vê / Que não existe nos livros nem nos mapas / Mas vou mostrar pra vocês – Vila Mamulengo – OlhoD’Água Alexânia – GO – [...] Existia numa fazenda no interior do Estado de Pernambuco, um senhor de muitos escravos. Ele era rústico, perverso para seus escravos. Quando um deles adoecia, mandava matar e ficava tão somente com os escravos que gozavam de perfeita saúde, porque dizia ele: ‘Escravo doente não dá produção’. E entre outros existia um preto [...] de nome Tião. Por ele chegar atrasado um dia no serviço, o seu senhor chamou sua atenção dizendo: -Por que chegasse tão atrasado? Ele disse: -Senhor, cheguei atrasado porque Maria, minha mulher recebeu a visita da cegonha. Então o senhor lhe diz: -Negro imbecil, quem recebe visita da cegonha é a minha esposa, não a tua negra. A tua negra recebe, sim, a visita de um urubu. O negrinho ficou chocado, mas reclamou:-Senhor, não é possível, também somos humanos.-Tu já sabes falar, não é? Vais ser barbaramente açoitado para que sirva de exemplo para os outros.Então bateu no negro e botou no tronco. À noite, quando o negro chegou na senzala e justamente no lugar dormia, começou a lamentar a situação e dizendo para os outros: - O senhorzinho não parece ter aquilo que nós temos detrás do peito e que se chama coração. Parece que dentro do peito dele tem uma pedra. Até a cara dele é de pau. Mais do que depressa, o preto praticamente esculturou uma figura, envolvendo em trapos, atravessando uma esteira na porteira da senzala, começou fazendo tudo o que o patrão fazia ao correr do dia dele:-Vai, negro vadio, trabalha, negro é como porco, mata-se um, encontra-se outro.No meio dele tinha um preto que era muito chaleira. Correu à casa-grande e disse: -Senhor, Tião está mangando do senhor, fazendo tudo o que o senhor faz com ‘nóis’ no dia.Ele então veio e disse:-Vou dar-lhe um castigo. Apanhou um bruto chicote, ‘chega’ na porta da senzala ficou apreciando o resto da história do preto. Quando viram o senhor, ajoelharam-se, curvaram-se respeitosamente, pediram piedade:-Senhor, não fui eu, foi Tião. - Tião, como falasse a verdade vai ser perdoado. Todos aqueles que falavam a verdade merecem perdão. Volta ele para a casa-grande onde encontrou a sua esposa. Então ela disse para ele: - Não sois tão ‘bravio’, tão corajoso, então por que deixas que um negro mangue de ti? Ele, chocado com aquilo, no dia seguinte disse a Tião: - Tião, agora você vai fazer o mesmo que fez comigo com a sua sinhá. - Senhor, o senhor tem um coração perverso e a minha sinhazinha tem pior. É fácil dela me mandar matar. - Quem manda aqui sou eu. Escultura. Ele fez a escultura e começou novamente no outro dia. Fazia a mesma coisa. O negro saiu de entre os outros e foi avisar a sua sinhá: - Sinhazinha, Tião agora tá fazendo a mesma coisa com a senhora. Ela levanta-se e diz: - Tu não bateste nele, mas eu vou bater. Entra, então ele apanha ela pela mão e diz: - Não. A cumieira sou eu, você fala depois. Volte, descanse. No outro dia o administrador censurou os dois. Então o negrinho levantou-se do mesmo canto e foi dizer. Acontece que o negro foi justamente o pivô dessa situação. O administrador quis bater, mas não foi possível. Então o patrão veio e disse: - Tião, de hoje em diante tu continua com essa pequena diversão, uma vez que depois do teu trabalho, cansado, tu nada tem o que fazer e nem tem diversão nenhuma. Continua com esse mamulengo. Tião, contente com aquilo, continuou todos os sábados fazer o mamulengo nessa cidade. E daí começou o mamulengo nordestino. Esse conto tem bastante aceitação, e, certamente, essa história foi repetida várias vezes, com mudança de detalhes, mas mantêm a originalidade. Assim sendo, a brincadeira do mamulengo se espalha e encontra espaço em várias cidades do Estado de Pernambuco. [...]. Trechos extraídos da obra Fisionomia e Espírito do Mamulengo (Inacen, 1987), de Hermilo Borga Filho. Veja mais aqui e aqui.

 


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