A arte da fotógrafa
e pioneira fotojornalista estadunidense Eve Arnold
(1912-2012).
DITOS & DESDITOS: A mulher
é um mutante. Não somente porque oscila, em hormônios e humores, mas porque é
um dos poucos seres capazes de transfiguração sem jamais atingir uma forma
definida. Pensamento da jornalista Kika Salvi (Bravo, abril 2007), autora do livro Mulher à moda antiga: um
olhar de holofote sobre os relacionamentos (DVS, 2007), realizando
uma espécie de viagem cheia de aventuras e mostrar que, na essência, a aventura
do percurso pode ser mais encantadora do que o destino final, abordando,
portanto, por meio de um conjunto de crônicas, os relacionamentos de forma
geral, num contexto contemporâneo, moderno, e bem humorado, contando ainda com
uma boa dose de sentimentos. Kika faz uma meticulosa, apaixonada e descarada
especulação sobre o amor e o sexo nestes tempos de individualismo imperativo.
ALGUÉM FALOU: O
evangelho da popularidade alcançou tal ponto nesse mundo de cabeça para baixo,
que qualquer um, poderoso ou renomado, torna-se um bajulador diante da
possibilidade de ser impopular. A internet é um universo paralelo que raramente
se cruza com outras esferas da vida, fora dos seus parâmetros defensivos. Pensamento
do escritor e crítico cultural estadunidense Lee Siegel, autor do livro Against
the machine: being human in the age of the eletrônica mob (Contra a máquina
- sendo humano na era da turba eletrônica - Spiegel & Grau, 2008), que é um
libelo contra a internet e inovações tecnológicas em geral.
SERENA - [...]
Meu nome é Serena Frome (a pronúncia é
Frum) e há quase quarenta anos fui enviada numa missão secreta do Serviço de
Segurança britânico. Eu não voltei em segurança. Um ano e meio depois de entrar
fui despedida, depois de ter caído em desgraça e acabado com a vida do meu
namorado, embora ele certamente tenha tido um pouco a ver com sua própria queda
[...] Mas eu perdi a virgindade no primeiro semestre, varias vezes seguidas,
parecia, já que na época todo mundo adotava um estilo caladão e desajeitado, e
tive uma agradável sucessão de namorados, seis ou sete ou oito ao longo dos
nove semestres, dependendo das definições de carnalidade que você considera. Eu
fiz um punhado de boas amizades entre as mulheres do Newnham. Joguei tenis e li
livros. Totalmente graças a minha mãe, eu estava estudando o assunto errado,
mas não parei de ler. Eu nunca tinha lido muita poesia ou pecas de teatro na
escola, mas acho que os romances davam mais prazer a mim que aos meus amigos da
universidade, que eram obrigados a suar para dar conta de ensaios semanais
sobre Middlemarch ou Feira das vaidades. Eu passava
correndo por esses mesmos livros, jogava conversa fora sobre eles, talvez, se
houvesse alguém por ali que conseguisse tolerar o meu nível básico de discurso,
e ai seguia em frente. Ler não era o meu jeito de pensar em matemática. Mais
que isso (ou será que eu quero dizer menos?), era o meu jeito de não pensar.
[...]. Trechos extraídos da obra Serena
(Cia. das Letras, 2012), do escritor britânico Ian McEwan. Veja
mais aqui.
MEDO - Têm um riso pavoroso. Descem da montanha aos gritos.
Parecem estar bêbedos, mas não estão. Tento correr. Sei que é impossível. O
pior! É o fim do mundo! Estes homens negros e mascarados! o último suplício:
aqueles que resistiram (como se pode morrer ainda mais?) serão mergulhados em
água a ferver. E nem uma única recordação consoladora. Acordem-me deste sono de
suor e morte. Acordem-me antes que adormeça. Poema do escritor, pintor e crítico francês Max
Jacob (1876-1944).
MAMULENGO
- Quem vai passando arrepare, quem já
parou, atenção / Eis que é chegada a hora de ouvir com emoção / História de
amor e guerra / Trazidas lá de uma terra da nossa imaginação / É uma terra sem
fronteiras de nome São Saruê / Que a procura não acha/quem mais olha menos vê /
Que não existe nos livros nem nos mapas / Mas vou mostrar pra vocês – Vila
Mamulengo – OlhoD’Água Alexânia – GO – [...] Existia numa fazenda no interior do Estado de Pernambuco, um senhor de
muitos escravos. Ele era rústico, perverso para seus escravos. Quando um deles
adoecia, mandava matar e ficava tão somente com os escravos que gozavam de
perfeita saúde, porque dizia ele: ‘Escravo doente não dá produção’. E entre
outros existia um preto [...] de nome
Tião. Por ele chegar atrasado um dia no serviço, o seu senhor chamou sua
atenção dizendo: -Por que chegasse tão atrasado? Ele disse: -Senhor, cheguei
atrasado porque Maria, minha mulher recebeu a visita da cegonha. Então o senhor
lhe diz: -Negro imbecil, quem recebe visita da cegonha é a minha esposa, não a
tua negra. A tua negra recebe, sim, a visita de um urubu. O negrinho ficou chocado, mas
reclamou:-Senhor, não é possível, também somos humanos.-Tu já sabes falar, não
é? Vais ser barbaramente açoitado para que sirva de exemplo para os
outros.Então bateu no negro e botou no tronco. À noite, quando o negro chegou
na senzala e justamente no lugar dormia, começou a lamentar a situação e
dizendo para os outros: - O
senhorzinho não parece ter aquilo que nós temos detrás do peito e que se chama
coração. Parece que dentro do peito dele tem uma pedra. Até a cara dele é de
pau. Mais do que depressa, o preto
praticamente esculturou uma figura, envolvendo em trapos, atravessando uma
esteira na porteira da senzala, começou fazendo tudo o que o patrão fazia ao
correr do dia dele:-Vai, negro vadio, trabalha, negro é como porco, mata-se um,
encontra-se outro.No meio dele tinha um preto que era muito chaleira. Correu à casa-grande e disse: -Senhor, Tião
está mangando do senhor, fazendo tudo o que o senhor faz com ‘nóis’ no dia.Ele
então veio e disse:-Vou dar-lhe um castigo. Apanhou um bruto chicote, ‘chega’ na porta da senzala ficou apreciando
o resto da história do preto. Quando viram o senhor, ajoelharam-se, curvaram-se
respeitosamente, pediram piedade:-Senhor, não fui eu, foi Tião. - Tião, como falasse a verdade vai ser
perdoado. Todos aqueles que falavam a verdade merecem perdão. Volta ele para a casa-grande onde encontrou
a sua esposa. Então ela disse para ele: - Não sois tão ‘bravio’, tão corajoso, então por que deixas que um negro
mangue de ti? Ele, chocado com aquilo, no dia seguinte disse a Tião: - Tião, agora você vai fazer o mesmo que fez
comigo com a sua sinhá. - Senhor, o
senhor tem um coração perverso e a minha sinhazinha tem pior. É fácil dela me
mandar matar. - Quem manda aqui sou
eu. Escultura. Ele fez a escultura e
começou novamente no outro dia. Fazia a mesma coisa. O negro saiu de entre os
outros e foi avisar a sua sinhá: - Sinhazinha,
Tião agora tá fazendo a mesma coisa com a senhora. Ela levanta-se e diz: - Tu não bateste nele, mas eu vou bater. Entra,
então ele apanha ela pela mão e diz: - Não. A cumieira sou eu, você fala
depois. Volte, descanse. No outro dia o administrador censurou os dois. Então o
negrinho levantou-se do mesmo canto e foi dizer. Acontece que o negro foi
justamente o pivô dessa situação. O administrador quis bater, mas não foi
possível. Então o patrão veio e disse: - Tião, de hoje em diante tu continua
com essa pequena diversão, uma vez que depois do teu trabalho, cansado, tu nada
tem o que fazer e nem tem diversão nenhuma. Continua com esse mamulengo. Tião,
contente com aquilo, continuou todos os sábados fazer o mamulengo nessa cidade.
E daí começou o mamulengo nordestino. Esse conto tem bastante aceitação, e,
certamente, essa história foi repetida várias vezes, com mudança de detalhes,
mas mantêm a originalidade. Assim sendo, a brincadeira do mamulengo se espalha
e encontra espaço em várias cidades do Estado de Pernambuco. [...]. Trechos
extraídos da obra Fisionomia
e Espírito do Mamulengo (Inacen, 1987), de Hermilo Borga Filho. Veja mais aqui e aqui.