segunda-feira, julho 22, 2024

STELLA NYANZI, NASTASSJA MARTIN, AGUSTINA BAZTERRICA & SEMANA HERMILO

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos álbuns Liszt: Piano Sonata & other works (Hyperion Records, 2015), Bach: The Art of Fugue (Hyperion Records, 2014), Bach: Flute Sonatas (Hyperion Records, 2013), Fauré: Piano Music (Hyperion Records, 2013), Debussy: Solo Piano Music (Hyperion Records, 2012) e Bach: Angela Hewitt plays Bach (Hyperion Records, 2010), da pianista canadense Angela Hewitt. Veja mais aqui.

 

OITO PRAS ONZE.... – De onde venho quase nem sei mesmo. Tudo é tão vertiginoso e qualquer lugar ardia com a cor do fogo: a todo instante a surpresa da primeira vez. Fui até hoje canoa de rio desgarrada, como se correntes fossem emporcalhadas pela loquacidade de indecifráveis apostadores e previsíveis alcaguetes – sorteios e apostas na ordem do dia, chamada dos arautos do horror - como se tudo fosse obra do acaso que não existe. O que estou fazendo aqui quase tão extenuado quanto errático, pegando carona no tempo e a padecer desde que passei a me entender por gente: como todos fui infante, escravo das horas e normas - a escuridão era minha ruína. Todo dia pensava em parar de vez, como se conseguisse; dali a pouco, ingenuamente relutava como quem esquecia das lapadas, como se nada tivesse acontecido, coisa de quem nunca aprendia: todo dia a maldição da estaca zero. E tanto esmerava na curva dos dias, tão imperfeito quanto de quase nem precavido: se tinha de perder a parada, saía fora tão inútil e a levar do zero entre oito a oitenta, batia nos oitocentos e insistia senão aos oito mil, milhões, zilhões, quer fosse negativo ou positivo, o ápice das possibilidades. Ué! Sim, bastava amanhecido já de pé pronto pro que quer que viesse – mesmo redundando de sequer ter saído do lugar inicial. E me reajeitava o quanto podia e não via a hora de vingar o que contaminou e não, o que o calendário devorou, afetos perdidos, perdas irreparáveis, elos partidos, ausências doloridas, vísceras expostas. E me valia de que os mortos não descansavam em paz, apenas estavam livres das insuportáveis dores da vida e porque foram muito antes enterrados vivos. Pra onde vou a cada amanhecer pronto para outra em pleno voo do previdente ao irremediável, do modesto ao excêntrico, entre o assombro e a palidez. Fiz força na fé, ô-lá-lá, malgrado o meio dia, arrebatado pelo que vi demais e de novo porque foi sempre como se fosse pela primeira vez. E de tão comum me dei por felizardo: um mortal diante da onipotência ubíqua e as imposturas da finitude. Onde houver vida ainda existirei. Até mais ver.


Pelo que se diz e nunca dito:

Silvina Ocampo: Quando você escreve, tudo é possível, até o oposto do que você é... Veja mais aqui.

Beatrix Potter: Não podemos ficar em casa a vida toda, devemos nos apresentar ao mundo e devemos encará-lo como uma aventura... Veja mais aqui.

Assia Djebar: Às vezes, tenho medo de que esses momentos frágeis da vida desapareçam. Parece que escrevo contra o apagamento... Veja mais aqui.

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Trabalhe duro em silêncio, deixe o seu sucesso ser o seu barulho... - Pensamento da escritora e jornalista britância Gill Hornby.

 

UM POEMA

Imagem: Acervo ArtLAM.

Quando estou frustrada com o poder do ditador, \ Sento em minha casa e escrevo. \ Quando o futuro do Uganda me enche de pavor, \ Pego minha caneta e escrevo. \ Quando não há soluções fáceis à vista, \ Eu divido os desafios escrevendo. \ Quando o orçamento do mês é pequeno, \ Pego papel e caneta para reescrever. \ Quando minha mente ameaça explodir como dinamite, \ Eu me acalmo escrevendo.

Poema da antropóloga médica, poeta, feminista e ativista ugandense Stella Nyanzi, que foi presa em 2017 por insultos ao presidente de Uganda, exilada na Alemanha. Em 2009, ao recusar o convite para lecionar no programa de doutorado denominado Mamdani PHD Project, seu escritório foi fechado e, num exemplo da prática cultural feminista da África Ocidental, fez um protesto nua contra o seu chefe. Após sua prisão em 2017, ela foi suspensa da Universidade Makerere, recorrendo da decisão junto ao tribunal de apelação que determinou que ela fosse reintegrada, promovida ao nível de pesquisadora com efeito imediato e reembolsado os salários. A universidade recusou-se a acatar a decisão do tribunal e ela entrou com uma ação contra a universidade solicitando reintegração e salários atrasados. Em resposta, em dezembro de 2018, a universidade demitiu-a, juntamente com outros 45 acadêmicos, argumentando que o seu contrato expirou. A partir de então passou a praticar “grosseria radical”, que é uma estratégia tradicional de Uganda de responsabilizar os poderosos por meio de insultos públicos. Em 2017, Nyanzi referiu-se ao Presidente Museveni como “um par de nádegas”. Por conta disso foi presa e detida na Esquadra de Polícia de Kiira sob a acusação de assédio cibernético e comunicação ofensiva. No mesmo ano, os médicos do Hospital Butakiba foram convocados para a realização de um exame de avaliação psiquiátrica para determinar que ela estava louca, como alegou o procurador do governo. No entanto, ela resistiu ao exame e solicitou que seu médico pessoal e pelo menos um membro da família estivessem presentes caso quisessem fazer um exame médico nela. Enfim, foi libertada pagando fiança e detida novamente no ano seguinte. Em 2019 sofreu um aborto espontâneo na prisão, sendo seu julgamento adiado, ocasião em que ela expôs os seios em protesto contra uma sentença. A imprensa internacional a chamou de "uma das mais proeminentes ativistas dos direitos de gênero da África", "uma acadêmica líder no campo emergente dos estudos queer africanos", e uma líder na luta contra "leis repressivas anti-queer " e por "liberdade de expressão". Várias instituições internacionais condenaram sua prisão como uma violação aos direitos humanos e liberdade de expressão. Exilou-se na Alemanha por meio de um programa de escritores, administrado pela PEN Alemanha. Ela é autora das obras No Roses From My Mouth (2020), Don't Come in My Mouth: Poems That Rattled Uganda (2021) e Eulogies of My Mouth Poems For A Uganda envenenada (2022).

 

TERNA É A CARNE - [...] O ser humano é a causa de todos os males deste mundo. Somos nossos próprios vírus. [...] Dar aos filhos o nome de seus pais é despojá-los de uma identidade, lembrando-lhes a quem pertencem [...] Não entendo por que o sorriso de uma pessoa é considerado atraente. Quando alguém sorri, está mostrando seu esqueleto [...]. Trechos extraídos da obra Tender Is the Flesh (Scribner Book Company, 2020), da escritora argentina Agustina Bazterrica, também autora da obra Cadáver exquisito (Darkside, 2022), no qual expressa que: [...] Ele tentou odiar toda a humanidade por ser tão frágil e efêmera, mas não conseguiu continuar porque odiar a todos é o mesmo que odiar ninguém. [...] Ensinar a matar é pior que matar [...]. Entre suas obras ainda constam Matar a la Niña (2012) e Antes del encuentro feroz (2016), bem como autora da frases: Sempre acreditei que na nossa sociedade capitalista e consumista, devoramo-nos uns aos outros.

 

ACREDITE EM ANIMAIS SELVAGENS – [...] Uma coisa eu entendi: o mundo está desabando simultaneamente em todos os lugares, apesar das aparências. O que há em Tvaïan é que vivemos conscientemente nas suas ruínas. [...] Digo que você mesmo não sabe o que sempre te leva a ir mais longe. Talvez eu concorde. Ou talvez esteja no reino do indizível. Ou o intraduzível. [...] Penso em todos aqueles seres que mergulharam nas zonas obscuras e desconhecidas da alteridade e que voltaram, metamorfoseados, capazes de enfrentar “o que vem” de uma forma inusitada, estão agora com o que foi confiado no fundo do mar, no céu, debaixo do lago, na barriga, debaixo dos dentes. [...] Trechos extraídos da obra Croire aux fauves (Verticales, 2019), da antropóloga e ensaísta francesa Nastassja Martin, que em sua obra In the Eye of the Wild (New York Review of Books, 2021) expressa que: [...] Há anos que escrevo sobre fronteiras, sobre a margem, sobre liminaridade, sobre a área fronteiriça, sobre os dois mundos; sobre este lugar tão especial onde é possível encontrar um “outro” poder, onde se corre o risco de se alterar, de onde é difícil voltar atrás. Sempre disse a mim mesmo que não deveríamos cair na armadilha do poder mágico e encantador. O caçador, impregnado dos cheiros de sua presa e depois de vestir suas roupas, modula sua voz para adotar a dela e, ao fazê-lo, entra em seu mundo, mascarado, mas ainda ele mesmo sob a máscara. Aqui está a astúcia, aqui está o perigo. A questão passa a ser: ser capaz de matar para voltar – para si mesmo, para a sua família. Ou: falhar, ser engolido pelo outro e deixar de estar vivo no mundo humano. Escrevi essas coisas no Alasca; Eu os experimentei em Kamchatka [...] Naquela noite escrevi que devemos acreditar nos animais selvagens, nos seus silêncios, na sua contenção; acreditar no estado de alerta, nas paredes brancas e nuas, nos lençóis amarelos deste quarto de hospital; acreditar no afastamento que trabalha o corpo e a alma num não-lugar que tem para si a sua neutralidade e a sua indiferença, a sua transversalidade. O informe torna-se mais claro, toma forma, é redefinido silenciosamente, brutalmente. Enxerto de mesclagem de mistura de reinnerva desinerve. Meu corpo depois do urso depois de suas garras, meu corpo em sangue e sem morte, meu corpo cheio de vida, de filhos e de mãos, meu corpo em forma de mundo aberto onde múltiplos seres se encontram, meu corpo que se repara com eles, sem eles, meu corpo é uma revolução [...]. Ela também é autora das obras Les Âmes sauvages: face à l'Occident, la résistance d’un peuple d’Alaska (La Découverte, 2016) e À l'Est des rêves (La Découverte, 2022).

 

SEMANA HERMILO

Pertenço a uma cultura de resistência e justamente porque a liberdade e a dignidade do homem estão em crise é que utilizo a única arma que tenho – minha ficção, para combater a intolerância sob qualquer aspecto em que se apresente.

Pensamento do advogado, escritor, crítico literário, jornalista, dramaturgo, diretor, teatrólogo e tradutor Hermilo Borba Filho (1917-2017). Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

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Crônica de amor por ela aqui.

 


PATRICIA CHURCHLAND, VÉRONIQUE OVALDÉ, WIDAD BENMOUSSA & PERIFERIAS INDÍGENAS DE GIVA SILVA

  Imagem: Foto AcervoLAM . Ao som do show Transmutando pássaros (2020), da flautista Tayhná Oliveira .   Lua de Maceió ... - Não era ...