Imagem: Acervo ArtLAM.
Ao som Piano Concerto nº 2. Op.
18, do
compositor, pianista e maestro russo Sergei Rachmaninoff (1873-1943), na
interpretação da pianista russa Maya Oganyan & Orchestra del Teatro
La Fenice di Venezia Direttore: Damiano Binetti Registrato il 28 aprile 2024 al
Teatro Malibran di Venezia dalla galleria. Veja mais aqui e aqui.
POEMA ESCRITO NA
PAREDE: AQUELA ERA A HORA... - Outonera inauguramanhã
e tempalaridos. Sabia nada e tudo via escancarada porteira do mundo: aprendia subservivo encurralado e
escorregava na meleca, o estouro da queda: no meu chão todas as razões pra
chorar - a escravidão se perpetuava e o país em chamas: iniquidade sempre foi privilégio,
tudo era tão cruel. E não se contava o que houve, só a fábula cheia de caos e
poluição, degradação, decadência. Persuadia Colleen Hoover: Você
é apenas humano. E como humanos, não podemos esperar arcar com toda a nossa dor...
Sim, demandas
e diásporas, um fio desencapado na travessia. Cá comigo, o que era do outro
lado se estava deste: quem lá estava e me via muitos que não dou conta de
tantos, nem podia trezentos e sessenta graus. E sequer alcançava o que de possível
seria. Melhor Wisława Szymborska: Quando pronuncio a palavra \ Futuro, a primeira
sílaba já pertence ao passado. \ Quando pronuncio a palavra \ Silêncio, \ Eu
destruo isso... Outroutra e o mundo sempre foi mesmo muito injusto: equidade
que me fiz no desequilibrio, total descontrole - o reino da outridade e o
heterogêneo, porque o outro do outro era eu e serei a comungar e viver. As dores
dos outros também sempre foram minhas e fui o tempo; a vida, quase uma viagem
clandestina, voava livre na disposição abissal. E fui o vento e o que poderia
ter sido, derramei meus versos e enlouquecia: duas vezes morri e recolhia as
folhas do silêncio. Não fosse Lauren Kate: Às
vezes, coisas bonitas surgem em nossas vidas do nada. Nem sempre conseguimos
entendê-los, mas temos que confiar neles... Amarei você de todo o coração, em
cada vida, em cada morte... Era ela e eu atravessava
espelhos e tantos baobás
por caminhos insidiosos, as inumeráveis coisas anônimas e os labirintos
fractais, ouropéis e quasicristais, areias outras e
o que não quis por noites verticais. E era ela o entardecer: uma rainha louca, com
o estardalhaço de arrancar suas roupas, nua ave desvelando segredos. E não bastava
o que era da madrugada e a coincidência da estrela parecia remissão: era ela
que voltava com seu perfil grego e a fúria de furacão Beryl, revirando tudo num
plenilúnio rosazul: os fartos seios de prata de Capéi pelo Atol
das Rocas. Ali me ensinou a solaridade e repetia interminavelmente: somos sóis
vivos! E refulgimos por todo invernescuro semeando festestival. Até mais ver.
TRÊS POEMAS
Imagem: Acervo ArtLAM.
A VOZ DE UM PÁSSARO - Não consegui preservar
minha especie \ foi por isso que morri, \ três humanos olham para mim quando
passo \ com o espanto que as coisas mortas têm. \ Hoje, depois da caça,
desapareci, \ Um cachorro passa por mim e leva meu espírito, \ Eu permaneci
calmo, \ Meu espírito será preservado em outra espécie, finalmente.
PALOMANCIA URBANA - Pombos, parem de falar
comigo! \ Pare de me confundir com como você sabe voar! \ e eles vão possuir o
mundo! \ Uma mera migalha não os torna onipotentes, não é mesmo?
VIVA ENTRE AS PESSOAS - Viva entre as pessoas
\ e não atormente \ o pulso vital \ é dado à morte passiva, \ tolerância não é
extrema \ e o corpo cansa \ e a fumaça dos carros \ eles são poeira inimiga \ e
tudo é peido \ e tudo é ar que polui \ e tudo é nulo, \ tudo é blasfêmia \ tudo
é um corpo cercado, \ toda asfixia sobre-humana, \ o tempo todo para tras \ tudo
está vivo, mas de cabeça para baixo, \ e tem uma criança que morre de rir \ e
outro que ri de tontura \ e penso em ficar tonto. \ Mutação de mundo para mundo.
Poemas da poeta uruguaia Cecilia Lage, autora dos livros Verlo Todo Con Ojos Animales (Gran
Vida, 2014) e Llévame al agua
(Astromulo, 2022).
ANCESTRALIDADE – A ancestralidade nos diz que somos seres de amor. Não
há justificativa para o que está acontecendo... Pensamento expresso em uma entrevista (CDM
Notícias, 2019) concedida pela escritora
e professora argentina, Mariela Tulián, que é uma casqui curaca
da comunidade indígena “Tulián”, do povo da nação Comechingón, das Serras de
San Marcos, província de Córdoba. É Vice-Presidente da Coordenação de
Comunicação Audiovisual Indígena da Argentina (CCAIA) e Secretária da Região
Sul do Conselho de Anciãos, Anciãos e Guias Espirituais do Continente. É autora
dos livros Zoncoipacha:
– desde
el corazón del territorio – El legado de Francisco Tulián (Ciccus, 2016) e La
Pequeña Francisca (A Capela, 2020), além de integrar a antologia De la tierra floreciente:
Poesía de Abya Yala
(A Capela, 2020), de Dora Aguavil Aguavil. Na entrevista concedida ao Centro
Argentina para Mídia Independente (2017), ela expressa sobre o conceito de
território: [...] Este conceito faz
parte da minha memória oral e faz parte também de uma convivência com o
território, porque não são só palavras, é ação, é viver num quadro de vida,
onde se entende que o espiritual é muito importante. Todas
as ações que realizamos na defesa do território reafirmam constantemente esse
sentimento profundo, esse amor e esta necessidade de proteger este modo de vida
que é a nossa cultura. Somos filhos da mãe terra. Temos
o tacu, a alfarrobeira, como um dos elementos mais importantes, é o nosso
alimento e é, ao mesmo tempo, um medicamento muito importante, temos até a cor
da alfarrobeira na pele, os nossos músculos ficam fortalecidos por aquela farinha
de alfarroba e Para nós o tacu significa árvore da vida, nessa grande teia da
vida o tacu tem um lugar predominante. [...]. Sobre as mulheres ela explicita: [...] Nossa visão de mundo
apresenta a mulher como um complemento, mas ao mesmo tempo em igualdade de
condições com o que se vê na sociedade atual. Por
exemplo: ancestralmente e atualmente, a mulher pode ocupar qualquer cargo; Na
verdade, sou um casqui curaca da comunidade. E
isso era muito mais comum do que você pensa; O que
aconteceu é que a colônia trouxe o machismo. O
machismo é outro legado da conquista e que está comprovado em diversos
arquivos. Existem muitos caciques, lideranças femininas que foram
muito maltratadas, estigmatizadas, mas ao mesmo tempo permaneceram na história
de diferentes povos indígenas. Posso citar, por
exemplo, Juana Azurduy, ela é um exemplo claro. Há
uma líder, chamam-na de Gaitana, que ficou na memória da Colômbia e da
Venezuela, ela era cacique e era a líder da comunidade quando os espanhóis
chegaram ao território. E como ela existem outros líderes ancestrais que eram
desconhecidos da história, que não chegaram aos nossos ouvidos e esse silêncio
não é uma simples omissão; É um plano para sustentar o machismo, o patriarcado que
não tem justificativa. Em outras cidades, os homens são filhos do sol e as
mulheres da lua; Somos filhos de Inti Puka, do Sol Vermelho do povo
Comechingón, é um Sol que é pai e mãe, construído com o barro da nossa mãe
terra, é um símbolo que une o feminino e o masculino, o grande pai não poderia
ter forma sem o barro da nossa mãe terra, desta forma os homens são filhos do
sol e nós, mulheres, filhas da luz desse sol. Vemos
que atualmente o homem genérico assumiu a posse da mãe terra, da mesma forma
que acredita que pode possuir as mulheres como propriedade privada. O machismo
é uma extensão da ideia de propriedade privada [...].
SEM
FINS LUCRATIVOS: POR QUE A DEMOCRACIA PRECISA DAS HUMANIDADES - [...] Os problemas que a globalização e a automatização criam
para a classe trabalhadora são reais, profundos e aparentemente intratáveis. Em
vez de enfrentarem essas dificuldades e incertezas, as pessoas que sentem o
declínio do seu padrão de vida podem, em vez disso, agarrar-se aos vilões, e
uma fantasia toma forma: se “nós” pudermos de alguma forma mantê-los fora
(construir um muro) ou mantê-los “no seu lugar” ”(em
posições subservientes), “nós” podemos recuperar o nosso orgulho e, para os
homens, a sua masculinidade. O medo leva, então, a
estratégias agressivas de “alteração” em vez de análises úteis. [...] “E o que é “o Ocidente”? Não é
uma entidade geográfica, uma vez que inclui a Austrália e a Polónia e exclui
nações como o Egipto e Marrocos, que estão mais a oeste do que algumas das
nações incluídas. [...] Basicamente,
é um apelo à religião partilhada e à identidade racial partilhada: ao
cristianismo (com alguns judeus incluídos) e à branquitude (uma vez que a
América Latina não parece estar incluída) [...] O medo tende muitas vezes a bloquear a deliberação racional,
envenena a esperança e impede a cooperação construtiva rumo a um futuro melhor.
[...] Os problemas reais são difíceis de resolver e resolvê-los exige muito
tempo de estudo aprofundado e de trabalho cooperativo com vista a um futuro que
nunca deixa de ser incerto. Assim, pode ser muito
fácil transformar esse sentimento de pânico e desamparo em culpabilização e
numa “alteração” de grupos “diferentes”, como os imigrantes, as minorias
raciais e as mulheres. “Eles” tiraram-nos os nossos empregos. Ou,
se não: a elite opulenta roubou-nos o nosso país. [...] Em vez de analisarem seriamente a questão e
ouvirem os argumentos do outro lado, tentando compreender plenamente os vários
aspectos da realidade, tendem a demonizar nada menos de metade do eleitorado
americano, descrevendo esses eleitores como monstros e inimigos de tudo o que é
bom. Como no livro do Apocalipse, estaríamos, segundo eles, no
fim dos tempos, no momento em que alguns justos, ainda de pé, deverão lutar
contra as forças de Satanás. [...]
É fácil que o medo venha antes do pensamento reflexivo. E é
essa debandada que nos leva a agir precipitadamente, causada pela insegurança,
que encaro com grande cepticismo. Esse tipo de medo mina
a fraternidade, envenena a cooperação e nos leva a fazer coisas das quais nos envergonhamos
profundamente mais tarde. [...]
Pensar é difícil; é muito mais fácil temer e culpar. [...] Tendemos a pensar melhor e a nos relacionarmos
de forma mais eficaz quando nos distanciamos do cotidiano, que é onde nossos
medos e desejos mais imediatos provavelmente estarão centrados. [...] Quando
sentimos medo, estamos utilizando uma herança animal comum, não exclusiva dos
primatas ou mesmo dos vertebrados. O medo volta
diretamente para o cérebro reptiliano. [...]. Trechos extraídos da obra The Monarchy of Fear: A Philosopher Looks at Our
Political Crisis (Simon & Schuster, 2018), da
filósofa estadunidense Martha Nussbaum. Veja mais aqui.
BULA
todo dia \ sempre que puder\ de doze em doze horas\ o médico recomendou caminhar\ de oito em oito horas\ tá doze por oito eu acho\ de seis em seis horas\ a rezadeira disse que era olhado\ de homem e de mulher\ de três em três anos\ colocar dois dedos no pulso\ para lembrar que ainda se está vivo.
Poema da poeta e professora Ágnes
Souza, autora dos livros re-cordis (2016) e Pouso (2020), que também
se expressa: [...] Eu comecei a ter um olhar mais
curioso acerca dessa poesia que tem como centro o pequeno, o miúdo, e é o que
eu hoje em dia mais prezo nos meus poemas, esse debruçamento sobre o que passa,
muitas vezes, despercebido, por estar presente o tempo todo, por ser muito
próximo e que, às vezes cega [...] Esse
movimento de descrédito às artes, sem nenhuma intenção de romantizar, acaba
fortalecendo essas poéticas que não deixarão de existir por conta de um plano
político, é como disse Gilberto Gil no documentário Refavela 40, ‘a poesia é
uma substância fraca... vale pouco na construção de vida material, mas vale
muito na construção de vida subjetiva’, eu, como poeta, acredito que o ofício
do poeta também. [...]. Veja mais aqui.
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4º ENCONTRO
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