Imagem: Acervo ArtLAM.
Ao som do concert The Piano
Quintet in f minor op. 34, do compositor alemão Johannes
Brahms (1833-1897), na interpretação da pianista romena Alina Elena
Bercu. Veja mais aqui e aqui.
MAIOR VENTANIA, RAIZ DAS ROSAS - Faz não sei quanto tempo
e ela me dizia: o mato era paraíso, terral & outros teréns. Quando o que era
da cana outra não seria, questão de tempo: na margem do lado de cá, o sal ardia
do suor nos olhos; doutro lado de lá, os enxotados, talqualmente eu. Noutras
margens do infinito, sabe-se lá. Só o que fui, sou e serei das pernas bambas,
coração aos trancos por pedras falsas, pilares e escombros, tudo em dobro, o
coração era dela. E ainda é. Um céu nublado e invento apesar dos furores no
horizonte: não há como ter sossego com a gritaria da cristandade fanática,
paroxismos e estertores, dalém conspurcando exorbitava: o cotidiano é feito de
vacilos e insanidades, a ferida descascada por muros longiquos azuis. Ouço dela
distante Rosamunde Pilcher: As coisas acontecem do jeito que
deveriam. Tudo tem um padrão e uma forma… Nada acontece sem motivo… Nada é impossível… E eu transbordava pelos
farois da noite, esmorecendo perplexidades porque não duraria mais que efêmera insatisfação,
era nela meu abrigo. O que vale é ter estado na pele de outra, inquietações
beiravam o desespero. Afinal era Lilith, força e beleza que se comprazia
e adivinhava meus pensamentos, amálgama abissal. Dizia-me bell hooks: O amor é uma combinação de cuidado, compromisso,
conhecimento, responsabilidade, respeito e confiança... E sua voz soava como
mantra, caminho que não desviava proutro debacle, jamais. Ela mais que felina,
nada lhe escapava, à espreita, quase insone recorrente, nem que eu me livrasse
da noite, para ela ali, era o que valia. Ríamos da pomba enamorada de Lygia,
e nem esperava para recitar uns versos de Felicia Hemans: Venha, eu venho, eu venho \ Você me chamou de comprimento, \ eu venho a
montanha com luz e música: \ você pode rastrear meu passo a terra, \ pelos
ventos que contam sobre o nascimento da violeta, \ pelas primuras-estrelas na
grama sombria, \ Pelas folhas verdes, abrindo como eu passo... Era demais. Um entusiasmo irreconhecivel e ela esgalga pelos
degraus da escada a debruçar-se à janela, minha mão em seu quadril estival - rutilante
estrela no cinturão de Órion. Quantos momentos indefinidos, solapadas de gozo e
amor. De tanto vigiar as estrelas para lá voou e repassava um aceno como se cadente
minguante fosse. De tanto esperar recolhi seus vestígios para revivê-la no meio
da noite de mais um dia que mal começara. Até mais ver.
CORAÇÃO DE PÁSSAROS ALTOS
Imagem: Acervo ArtLAM.
Chega o mais amado e resistido \ Poema sangrento \ Bela
Morte \ A magia enfeitada na primavera \ com seu sonho áspero e teimoso, \ com
seu mastro fechado de cravos \ Chega o mais querido e peregrino, \ mil pétalas
buscam sua guarda entre vidros \ que devastam as cidades \ entre cactos melosos
e chuva suave. \ O fundo do mar se repete \ Os pés do vento rompem sua
crisálida \ O murmúrio entrecortado da água secreta \ pelos recantos verdes de
uma casa \ Corra ao longo da beira de um estuário em chamas \ como se as
palavras estivessem reclamando \ Inutilmente a senhora se esbanja \ num choro
impiedoso e solitário. \ Acho que a febre entre as enchentes \ (suas facas de
sol, suas rosas tristes) \ Poema sangrento \ Bela morte \ Coração de pássaros
altos e feridos...
Poema da poeta argentina María Meleck Vivanco.
O POLICIAL RISONHO – [...] Isso é uma coisa nojenta
que não deveria existir. Não
deveriam existir armas de fogo. O fato de ainda serem fabricados e de todo o tipo de pessoas os terem
guardados nas gavetas ou os carregarem pela rua só mostra que todo o sistema é
pervertido e louco. Algum
bastardo obtém um grande lucro fabricando e vendendo armas, assim como outras
pessoas obtêm um grande lucro em fábricas que produzem narcóticos e pílulas
mortais. Você entendeu? [...]. Trecho extraído da obra The
Laughing Policeman (Vintage, 1992),
da escritora sueca Maj Sjöwall (1935-2020). Veja mais aqui.
FIQUEI EM SILÊNCIO NO MEIO DE UM
SILÊNCIO MORTAL – [...] As coisas não estão indo bem para mim. Meu chef do Charité desaprova
veementemente as estudantes e usou esse meio para demonstrar isso. Cerca de cem homens (nenhuma mulher,
exceto eu) percorreram as enfermarias hoje, e quando estávamos todos reunidos
diante dele para que nossos nomes fossem anotados, ele ligou e nomeou todos os
alunos, exceto eu, e então fechou o livro. Afirmei isso e disse calmamente: "Et moi aussi, monsieur." [E eu, senhor.] Ele se virou para
mim bruscamente e gritou: "Vous, vous n'êtes ni homme ni femme; je ne veux
pas inscrire vôtre nom - Você não é homem nem mulher; Eu não quero escrever seu nome... [...]. Trecho extraído da obra I stood silent in the midst of a dead silence (University of California Press, 2000), da médica,
escritora e mística britânica Anna Kingsford (1846-1888). Veja mais aqui
e aqui.
PROSEANDO COM A CULTURA
Nem todo poeta faz \ versos do jeito q’eu faço!...
Mote glosado em poema extraído da obra Proseando com a cultura
(CriaArt, 2022), do poeta Pica Pau – José Maria Sales, com apresentação
da escritora e professora Eliete Carvalho. Veja mais aqui, aqui, aqui,
aqui e aqui.