segunda-feira, dezembro 12, 2022

MANSFIELD, CHINUA ACHEBE, VICTORIA CAMPS, DANIEL FILIPE, LUÍS GAMA & MULHER DO FREVO

 

Ao som do Violinkonzert (2014), de Strawinsky, na interpretação da violinista moldava-austríaca-suíça Patricia Kopatchinskaja, witch hr-Sinfonieorchester (Frankfurt Radio Symphony Orchestra), dirigent Andrés Orozco-Estrada.

 

TRÍPTICO DQP: - Surpresa de nada... - Amanheceu enevoado e a cidade é um campo minado em que todos celebram as anedotas já sem graça alguma, parece mais que todos se deixaram levar pelas envenenadas obsessões de quatranos agudos no bafejo das ameaças. O meu país rasteja sobre o perigo para vergonha de Deus e furiosas usurpações, como o genocídio indígena e as veementes agressões, o despejo compulsório, porque o terrorismo de Estado aqui vige e quase nem percebo lá longe a condenação dos três irmãos Howeitat por se recusarem a deixar suas terras na Arábia, porque aqui todas as reais forças constitucionalmente protetivas flertam com golpes tramados pelos donos dos latifúndios e nazifacistas neopentec com suas esquisitas missões de arruinar e a estridência das suas cercas soando grosseiras às margens das rodovias. Entre os néscios metidos a filósofos, eis que ressurge do nada Luís Gama cantarolando sua sina: Sou um retumbante Orfeu de carapinha: desprezei a lira porque sou da marimba e do cabaço d’urucungo... Oh! Eu tenho lances doridos em minha vida, que valem mais do que as lendas sentidas da vida amargurada dos mártires... Faço versos, não vate, digo muito disparate. Mas só rendo obediência à virtude, à inteligência... Ele saúda festeiro e apressado a minha nada inédita incompetência de alcançar qualquer felicidade. Ele sabe como eu das tramas secretas para dizimar meu povo já tão dilacerado pela injustiça e todo tipo de fome. Não é só o desgoverno ou o monstro pandêmico: o horror é visível na festa dos desmiolados patriotários, tão incivilizados quanto jactantes: só querem matança e devastação. Não temo que o dia escureça, aqui é noite faz tempo...

 


Palimpsesto: Metafísica não é, vida sim!... – Imagem da pintora e escultora britânica Maggi Hambling. – Sigo e insisto, persigo e a conversa lá fora me diz que estou vivo e entre viventes. Vinte acenos no meio de outras antipatias e eu procurando o gabarito da vida na eudaimonia, quem sabe, como se fosse para dar sorte. Só lampejos e esgares, o cronômetro inexorável joga fora tantos talentos jamais alcançados, resta o silêncio perturbador da indiferença. Alguém me passa os seis chapéus, qual deles? Já tenho os meus na clausura madrugadora, quando Chinua Achebe me diz em sua rouquidão: Ninguém pode me ensinar quem eu sou... Até que os leões tenham seus próprios historiadores, a história da caça sempre glorificará o caçador... Difícil definir o que virá, o presente é uma esfinge e embaralha o passado relegado a terceiro ou quartos planos. Quase nem lembro mais nada, a argila da memória se dissolveu no teorema da incompletude: não sei onde vamos parar... Só sei que ficou tarde demais, sabe-se lá deus por que...

 


Coordenadas líricas, enfim... – Imagem do artista, crítico de arte e professor Vicente Vitoriano. – Lá longe um jato brilhante, o que seria eu não sei. Ah, só depois ficou mais claro: era o AT2022cmc do buraco negro supermassivo e só eu via e o Zwicky Transiet Facility. Quando a poeira baixou não era nada disso: era uma mulher da cor do frevo que pousava do inesperado. Irrompeu com o encanto de sua pele imorredoura realçada pelas vestes soltas estampadas, arrodeada pelos bichos imaginários de Lula Cardoso Ayres e imagens das pinturas míticas rupestres, pedras polidas que rolavam para desenterrar cerâmicas, utensílios e esqueletos da Serra da Capivara. Beirava intensa ventania provocada pelo bico saliente dos seios à mostra na blusinha de alça. Foi então que cruzou os braços e às mãos ao cós, ousou tirá-la enquanto me dizia que nasceu de um solo de Nelson Ferreira e foi gerada ao som de Capiba. Assim de topless fez um simples gesto vinte e quatro vezes por segundo de afeto e flagrei a sua anatomia benfazeja, enquanto endeusado por seu inefável poder de sedução dizia-me Katherine Mansfield: Queria correr, ao invés de caminhar, executar passos de dança descendo e subindo a calçada... ou ficar quieta e rir de nada, simplesmente... Devotado à sua vertigem pecaminosa ali palpável, acompanhava seu movimento de ir duma estrela à outra até me levar na viagem do poema para a Pasárgada de Bandeira, tão desmedida quanto equatorial, mais prevalecia sobre meus trópicos, para me recitar a Invenção do amor de Daniel Filipe: Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e fome de ternura e souberam entender-se sem palavras inúteis Apenas o silêncio A descoberta A estranheza de um sorriso natural e inesperado... Foi assim que me fez suportar a fragilidade humana diante do furor de seu olhar obsceno e suas máscaras confessaram e não disseram rigorosamente nada. Viu-se crucificada em meu sexo e tombou lânguida sobre meus músculos para me dizer que era tempo de migrar mais pro Sul, mas eu dizia que lá havia hostilidades demais para apagar as memórias de tantos gozos. Nela eu sabia que a melhor forma de viver não seria outra senão com a coragem. E foi assim que assumi: sou minhas escolhas e sou feliz razoavelmente. Sempre soube: a vida vale a pena!... Até mais ver.


 

[...] Educar é socializar para que a pessoa acabe sendo um indivíduo autônomo e um fator de sua própria vida [...] Um clima tirânico igualitário reina nas salas de aula. Excelência, esforço e talento já não são muito apreciados. Ser disciplinado significa ter assumido uma certa austeridade consigo mesmo e com os outros. Significa ser educado emocionalmente. A sensação de que as regras devem ser seguidas, gostem ou não, diminuiu consideravelmente. Quando você não aprende a respeitar o superior que impõe as regras, é lógico que ele não merece nenhum tipo de consideração e você acha que é normal e lógico, até divertido e engraçado, transgredi-las. [...].

Trechos extraídos do estudo Acredite na Educação (2008), da professora espanhola Victoria Camps. Veja mais Educação & Livroterapia aqui e aqui.



PATRICIA CHURCHLAND, VÉRONIQUE OVALDÉ, WIDAD BENMOUSSA & PERIFERIAS INDÍGENAS DE GIVA SILVA

  Imagem: Foto AcervoLAM . Ao som do show Transmutando pássaros (2020), da flautista Tayhná Oliveira .   Lua de Maceió ... - Não era ...