Ao som do Violinkonzert (2014), de Strawinsky, na interpretação da violinista moldava-austríaca-suíça Patricia Kopatchinskaja, witch hr-Sinfonieorchester (Frankfurt Radio Symphony Orchestra), dirigent Andrés Orozco-Estrada.
TRÍPTICO DQP:
- Surpresa de nada... - Amanheceu
enevoado e a cidade é um campo minado em que todos celebram as anedotas já sem
graça alguma, parece mais que todos se deixaram levar pelas envenenadas
obsessões de quatranos agudos no bafejo das ameaças. O meu país rasteja sobre o
perigo para vergonha de Deus e furiosas usurpações, como o genocídio indígena e
as veementes agressões, o despejo compulsório, porque o terrorismo de Estado
aqui vige e quase nem percebo lá longe a condenação dos três irmãos Howeitat por
se recusarem a deixar suas terras na Arábia, porque aqui todas as reais forças constitucionalmente
protetivas flertam com golpes tramados pelos donos dos latifúndios e nazifacistas
neopentec com suas esquisitas missões de arruinar e a estridência das suas cercas
soando grosseiras às margens das rodovias. Entre os néscios metidos a filósofos,
eis que ressurge do nada Luís Gama cantarolando
sua sina: Sou
um retumbante Orfeu de carapinha: desprezei a lira porque sou da marimba e do
cabaço d’urucungo... Oh! Eu
tenho lances doridos em minha vida, que valem mais do que as lendas sentidas da
vida amargurada dos mártires... Faço
versos, não vate, digo muito disparate. Mas só rendo obediência à virtude, à
inteligência... Ele saúda festeiro e apressado a minha
nada inédita incompetência de alcançar qualquer felicidade. Ele sabe como eu das
tramas secretas para dizimar meu povo já tão dilacerado pela injustiça e todo
tipo de fome. Não é só o desgoverno ou o monstro pandêmico: o horror é visível
na festa dos desmiolados patriotários, tão incivilizados quanto jactantes: só
querem matança e devastação. Não temo que o dia escureça, aqui é noite faz
tempo...
Palimpsesto:
Metafísica não é, vida sim!... – Imagem da pintora e escultora britânica Maggi Hambling. – Sigo e insisto, persigo e a conversa lá fora me
diz que estou vivo e entre viventes. Vinte acenos no meio de outras antipatias
e eu procurando o gabarito da vida na eudaimonia, quem sabe, como se fosse para dar sorte. Só lampejos e esgares, o cronômetro
inexorável joga fora tantos talentos jamais alcançados, resta o silêncio
perturbador da indiferença. Alguém me passa os seis chapéus, qual deles? Já tenho
os meus na clausura madrugadora, quando Chinua Achebe me diz em sua rouquidão: Ninguém pode me ensinar quem eu sou... Até que os leões
tenham seus próprios historiadores, a história da caça sempre glorificará o
caçador... Difícil definir o que virá, o presente é uma esfinge e embaralha o
passado relegado a terceiro ou quartos planos. Quase nem lembro mais nada, a
argila da memória se dissolveu no teorema da incompletude: não sei onde vamos
parar... Só sei que ficou tarde demais, sabe-se lá deus por que...
Coordenadas
líricas, enfim... – Imagem
do artista, crítico de arte e professor Vicente Vitoriano. – Lá longe um
jato brilhante, o que seria eu não sei. Ah, só depois ficou mais claro: era o AT2022cmc do buraco negro supermassivo e só eu via e o Zwicky Transiet Facility. Quando a poeira baixou não era nada disso: era uma mulher da cor do frevo que pousava do inesperado. Irrompeu
com o encanto de sua pele imorredoura realçada pelas vestes soltas estampadas,
arrodeada pelos bichos imaginários de Lula Cardoso Ayres e imagens das pinturas míticas rupestres, pedras polidas que
rolavam para desenterrar cerâmicas, utensílios e esqueletos da Serra da
Capivara. Beirava intensa ventania provocada pelo bico saliente dos seios à
mostra na blusinha de alça. Foi então que cruzou os braços e às mãos ao cós,
ousou tirá-la enquanto me dizia que nasceu de um solo de Nelson Ferreira e foi gerada ao som de Capiba. Assim de topless fez um simples gesto vinte e quatro vezes
por segundo de afeto e flagrei a sua anatomia benfazeja, enquanto endeusado por
seu inefável poder de sedução dizia-me Katherine Mansfield: Queria correr, ao invés de caminhar, executar passos de
dança descendo e subindo a calçada... ou ficar quieta e rir de nada,
simplesmente... Devotado à sua vertigem
pecaminosa ali palpável, acompanhava seu movimento de ir duma estrela à outra
até me levar na viagem do poema para a Pasárgada
de Bandeira, tão desmedida
quanto equatorial, mais prevalecia sobre meus trópicos, para me recitar a Invenção do amor de Daniel Filipe: Um homem e uma
mulher que tinham olhos e coração e fome de ternura e souberam entender-se sem
palavras inúteis Apenas o silêncio A descoberta A estranheza de um sorriso
natural e inesperado... Foi assim que me fez suportar a fragilidade humana diante do furor de seu olhar
obsceno e suas máscaras confessaram e não disseram rigorosamente nada. Viu-se
crucificada em meu sexo e tombou lânguida sobre meus músculos para me dizer que
era tempo de migrar mais pro Sul, mas eu dizia que lá havia hostilidades demais
para apagar as memórias de tantos gozos. Nela eu sabia que a melhor forma de
viver não seria outra senão com a coragem. E foi assim que assumi: sou minhas
escolhas e sou feliz razoavelmente. Sempre soube: a vida vale a pena!... Até
mais ver.
[...] Educar é socializar para que a pessoa acabe sendo um indivíduo autônomo e
um fator de sua própria vida [...] Um clima tirânico igualitário reina nas
salas de aula. Excelência, esforço e talento já não são muito apreciados. Ser
disciplinado significa ter assumido uma certa austeridade consigo mesmo e com
os outros. Significa ser educado emocionalmente. A sensação de que as regras
devem ser seguidas, gostem ou não, diminuiu consideravelmente. Quando você não
aprende a respeitar o superior que impõe as regras, é lógico que ele não merece
nenhum tipo de consideração e você acha que é normal e lógico, até divertido e
engraçado, transgredi-las. [...].
Trechos extraídos do estudo Acredite
na Educação (2008), da professora
espanhola Victoria Camps. Veja mais Educação & Livroterapia aqui e aqui.