Ao som
de Da Pacem (Harmonia Mundi France,
2006), do compositor estoniano Arvo Pärt,
Estonian Philharmonic Chamber Choir, Paul Hillier With Christopher
Bowers-Broadbent.
TRÍPTICO DQP: - Quandamanhece... - Onde eu
moro uma metade é de manhã; a outra, de tarde. Só que no meio toda noite são
solidões desligadas, o som baixinho: vivo o que posso e me resta de outras
tardamanhãs. Quarentanos passaram e nada pra comemorar. Claro, não tenho onde
cair morto. Ademais, até hoje não fiz nada que prestasse, tudo desperdiçado,
nada não. Fui sempre no agora, apostei nisso e nenhuma liga. O que tenho,
negativo de nada. O que fiz: se juntar tudo não dá uma única porqueira sequer
pra remédio. Assando e comendo. Amanhã, Deus dará. Sempre assim. Nunca fui
coitadinho, sou meu pior verdugo. Se não aprendi é porque me perdi nas linhas
das mãos. Quem mandou, os tantos eus no meio do alter ego. Inútil topar no
caminho com Deucalião que,
acompanhado de Pirra, salvaram a humanidade. Será que valeu a pena, disseram
ter feito apenas a sua parte. Os estúpidos são muitos e se multiplicam aos
borbotões, proliferam como ratos. Restou-me o que dissera Eleanor Porter: Em tudo há
alguma coisa de bom. A questão é descobrir onde está. O que a gente não conhece
é sempre mais atraente do que aquilo que temos... Quem sabe, depois disso,
não me torne exemplar. O que sei mesmo é que quarentanos depois só as memórias e besteiras que rondam desde não sei
quando, tudo vive de manhã...
Quandentardece... Claraluz, caleidoscópio. Entre aspas: já fui menino e Nitolino ainda é. Toda vez que ele
aparece sou outro. Rejuvenesço com ele e só quero me divertir. Acho que a vida
foi feita pra diversão, a gente quando cresce complica tudo. Na verdade ele me
ensina a ser melhor que sou. Quando entra em cena é ele mesmo e o que fui. O menino
cresce, ele não: permanece menino. E eu erro dos ventos, das águas, das
árvores. Às vezes levo a pior. Mas vou como quem pega um mote pra mode logo
glosar. É como ouço Aqui dentro de Nathalia Protazio: Vivemos tempos difíceis pra se manter
acreditando em qualquer coisa... Quando não sou intimado pela alagoana Maria das Dores Sena
e boto a mão na massa pra peleja do repente: o verso é minha deixa e lá
vou eu pelas trinta e duas estrofes, o que me falta fazer mais no meio da
cantoria. E folgo porque chegaram as septilhas
desaforadas da Susana Morais na
peleja deusística com a Mariane Brigio.
Aí levo minha loa pelos cinco mil alto-falantes: o meu grito
é a minha cabala na réstia do Sol. Assim vou pelo mormaço da tarde, pelejando demais, brincadeira não! Fico na minha,
ora, vou lá ter um troço! Quem tiver seus pantins que se ajeite...
Quandanoitece... É muita doidice. Viver no mundo da Lua não, envelopando raios no
gelos das nuvens pelas ilhas de Kerguelen, ou mesmo nas paragens de Ittoqqortoormiit, como seu eu fosse pela enteléquia de Rabelais, cuja rainha
nua dispõe tudo que eu quiser como se eu fosse aquele das façanhas de Apolinaire. Foi lá que vi a memória de
menina de Annie Ernaux: Amo minha vida, gosto de ser
cosmopolita, gostaria de visitar toda a terra e amar tudo...
Sou dotada da vasta memória da vergonha, mais detalhada e implacável do que
qualquer outra, um dom exclusivo da vergonha... O que sei de mesmo é que todos morreram: os que tinham dinheiro no
banco ou dormiam embaixo da ponte; os espoletados da soberba ou quem não tinha nem
conta dos sete palmos de chão; os que se achavam donos das ventas ou os mesmos
que nem sabiam por onde espirrar; os que andavam com um rei na barriga ou os
pelancudos famélicos divagantes... Pois é, quem ainda não foi um dia a vida
leva, não tem outra, memento mori, diálogo da noite... Até mais ver.
Quando as crianças são ensinadas a se relacionar apenas com as pessoas
certas, isso é anti-educativo porque a criança aprende que esta é a maneira de
prosperar na vida. Isso não é educar pessoas ou cidadãos. Com essa formação, é
normal que os pobres sejam deixados de lado, e os pobres não são apenas aqueles
que não têm dinheiro, mas também aqueles que não têm nada para contribuir em
nosso benefício... Os pais devem estar interessados em que seus filhos aprendam, não em passar a qualquer preço. Assim, eles deixarão de ver o professor como um adversário. O que acontece é que o poder político costuma concordar com
os pais porque são muitos eleitores.
Pensamento
da filósofa espanhola Adela Cortina Ortz. Veja mais Educação &
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