CARTA DE DEZEMBRO - A cabeça vira o mundo, os olhos atentos a
todos os lugares: quanto mau humor ao redor. Enquanto isso, o Sol brilha e
sorri, nem nos damos conta. Aqui, ali acolá, os dentes rangem e acumulam tensões,
resmungos, preocupações, nem percebemos que uma criança brinca às gaitadas,
perdemos a inocência. Ao contrário disso, carrancudos, aos pontapés e palavrões
demonstramos nossa fúria pelo que deu errado ou nem isso. Maldizemos da vida,
esmurramos os ventos, basta qualquer contrariedade do que requer o umbigo e o egoísmo,
e nada vale mais a pena, estouvados entre pugnas e estorvos. Quando não é isso,
são as cenas e gritarias do noticiário, ilhados de informações e problemas
globais que sobrecarregam a bagagem mental: feições sombrias nas ruas, violência
e autodestruição vinte e quatro horas por dias, cinco dias por semana, doze
meses por ano. Será mesmo que o mundo está acabando e não dará mais tempo para
sermos felizes nem que seja por um momento, aproveitando já das liquidações relâmpagos
do mercado ou das escusas informações privilegiadas de que amanhã vai tudo rebentar
nas bolsas financeiras e tudo irá pro espaço, remediando já o que não deu para
prevenir e tudo vai desembestado, seja lá como Deus quiser. Tudo muito
lamentável, nem dá tempo para perceber o quanto sofremos, quanto mais para
arrependimento. Por isso mesmo, findamos empanturrados, entupidos, exaustos,
desencorajados, uma vida esburacada e poeirenta que enguiça nossas ideias sem
sabermos lidar com isso, quantas guerras, vexames e discussões, que Deus nos
acuda, afinal. Como tudo acabará ninguém sabe, nada é de repente nem de um dia
para o outro, vem de dias, meses, anos, décadas, séculos, milênios, quanto
vício e simulacro. Em quantas situações nos pegamos irritados, nervosos,
enraivecidos, devotados avarentos: isso lá é vida, ora! A sobrevivência, os
compromissos assumidos, tudo se desajusta, são as decisões que valem a vaidade
e a escravidão, o desequilíbrio, nem poderia ser de outro jeito, senão como é
que seria acaso não tivesse feito na hora certa, era tudo ou nada. E passou,
nem era para tanto. Como é que finda, o corpo aguenta ou estoura. E assim vai
ou racha. Um sorriso apenas e tudo poderia ser bem diferente. De minha parte, não
tenho nada a ver com isso. Como não sou o dono da verdade, sei dos devires,
tudo muda, tudo passa. Tive que fundir os cinco elementos e liberei a energia para
que o fogo queimasse brando dentro de mim. Assim faço para que meu sangue possa
fluir: a água mantém acesa a chama, absorvendo os poderes que são da Terra que
piso e me dá a força para caminhar, do brilho da emanação solar que me guia
aonde vou, das forças aéreas que me enchem o pulmão e me fazem cada vez mais
vivo, das águas que me inspiram e me encanto com a Natureza ao me dizer que
viver vale a pena e sou grato, faço a minha parte, o que me cabe na vida. Diante
de tudo isso e a qualquer momento respiro profundamente, controlo meu coração e
fecho os sentidos: faço um em quatro e retorno ao etéreo para dominar minha
vida e morte, gozo do céu e da serenidade necessária: apenas um sorriso, nada
mais. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS: [...] Shakespeare teve uma irmã; mas não procurem
por ela na vida do poeta escrita por Sir Sidney Lee. Ela morreu jovem — ai de
nós! Não escreveu uma só palavra. Está enterrada onde os ônibus param agora, em
frente ao Elephant and Castle. Pois bem, minha crença é de que essa poetisa que
nunca escreveu uma palavra e foi enterrada numa encruzilhada ainda vive. Ela
vive em vocês e em mim, e em muitas outras mulheres que não estão aqui esta
noite, porque estão lavando a louça e pondo os filhos para dormir. [...] Extraindo sua vida das vidas das
desconhecidas que foram suas precursoras, como antes fez seu irmão, ela
nascerá. Quanto a ela chegar sem essa preparação, sem esse esforço de nossa
parte, sem essa certeza de que, quando nascer novamente, achará possível viver
e escrever sua poesia, isso não podemos esperar, pois seria impossível. Mas
afirmo que ela viria se trabalhássemos por ela, e que trabalhar assim, mesmo na
pobreza e na obscuridade, vale a pena. Trechos extraídos da obra Um teto
todo seu (A Room
of One’s Own, 1929 - Nova Fronteira,
1985), da escritora inglesa Virginia
Woolf (1882-1941). Veja mais aqui e aqui.
O CINEMA
DE WALTER LIMA JÚNIOR
Só me interessa um cinema humanista, da linhagem de Murnau, Sjostrom e
Rosselini, um cinema que revitalize o cinema, essa coisa longe que se perdeu...
Esse cinema supertecnizado, com incríveis efeitos especiais, só serve para
acabar com nossa imaginação. Tanta é a liberdade que não nos sobra nada para
sonhar. No duro, eu acho que cinema é para filmar a natureza e o desejo humano.
Só.
WALTER LIMA JÚNIOR – O cinema do diretor Walter Lima Júnior que é
bacharel em Direito pela UFF e também atuou na direção de diversos
dicumentários para a televisão brasileira. Da sua obra cinematográfica destaco
o drama/fantasia A Ostra
e o Vento (1997), que conta a história de uma jovem que foi criada
sem contato com o mundo, pelo pai viúvo e repressor que é o faroleiro de uma
ilha distante, enquanto ela sufocada pela solidão, desabrochando de menina em
mulher, o Vento se transformará na sua única companhia. (O trecho acima
destacado foi retirado de A Ostra e o Vento revitaliza o novo cinema, de Arnaldo Jabor na Folha de São Paulo, 23
de setembro de 1997). Outro a ser destacado aqui é o premiado filme Brasil Ano 2000 (1969), que conta
a história ocorrida um ano após a Terceira Guerra Mundial, acompanhando-se a
odisseia de uma menina e sua mãe por um Brasil devastado. Também o drama A lira
do delírio (1978), em que os participantes de um bloco de carnaval
se cruzam num cabaré da Lapa carioca, ocasião em que o filho de uma dançarina é
sequestrado e, para descobrir o assassino e as razões do crime, ela conta com a
ajuda de um repórter policial, que ao mesmo tempo também investiga um homicídio
contra um homossexual. Por fim, merece destaque o romance fantasia Ele, o boto (1987), baseado numa
lenda amazônica do boto, que supostamente seduz e engravida mulheres em noite
de lua cheia, quando ele vem à terra e se transforma em humano, para seduzir e
ser amado pelas mulheres e odiado pelos homens. Veja mais aqui.
A ESCULTURA DE PAIGE BRADLEY
Muitas dessas pessoas acreditam
que já não há mais nada a acrescentar a arte de fazer esculturas figurativas
realistas, acham que tudo já foi feito. Segundo eles, a verdadeira arte agora é ser um
"visionário" ao invés de apenas mostrar o talento e
habilidade. Assim, as esculturas
desapareceram de galerias, museus, coleções importantes, feiras de arte
e outros espetáculos. Os poucos de nós
que restaram, não temos mais lugar para expor e nossa voz deixou de ser
ouvida. Muitos escultores passaram a lecionar por falta de oportunidades. Aí parei e pensei que se eu quisesse permanecer na área de belas artes, teria que me
juntar aos contemporâneos e fazer arte contemporânea. Eu sabia que esta
era hora de deixar para trás todas as habilidades refinadas que adquiri ao
longo dos anos, e manter apenas a
confiança no processo de fazer arte. O mundo da arte me dizia que eu tinha que quebrar os meus paradigmas,
a minha base, deixar minhas paredes desmoronar, expor-me completamente, e somente assim eu encontraria a verdadeira
essência do que eu precisava dizer.
PAIGE BRADLEY – A arte da escultora estadunidense Paige Bradley, conhecida por bronzes
figurativos representativos. Ela se tornou popularmente conhecida por seu
conceito de escultura, Expansion, uma obra de bronze e eletricidade. Veja mais
aqui.
INCLUSÃO & DIA INTERNACIONAL DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA
Imagem:
Operários de Tarsila do Amaral.