A ÚLTIMA CARTA PARA FANNY - O mundo está cheio de tantas coisas, os
sonhos são maiores que as dores. O sangrento Jack me persegue desde a infância,
mesmo quando as aventuras davam num débil inválido, enfermiço, era eu um
acendedor de lampiões com o bicho-papão fungando nas sombras dos meus cabelos.
Só me restava a noite solitária com o sopro dos ventos, calafrios e tempestades
terríveis, as lembranças de Cumme e as suas histórias horripilantes. Sempre foi
assim entre a espada heroica e a pena inglória, os mapas e histórias
inventadas, os paladinos marinheiros marchando para salvar a humanidade
indefesa na minha cabeça, me fazendo faroleiro das ondas, tormentas e
naufrágios, a distinguir o que era e não era entre vagabundos e ilibados
senhores da sociedade. Como fui reprovado pelos professores, já sabia que nunca
seria um contador de história respeitável, só um plumitivo que nada mais era
que uma alma perdida com passatempos mirabolantes na ideia. Nunca me vi levantando
paredes para moradia, muito menos um rábula para fazer justiça ou dirimir
desavenças. Mesmo assim, tive de estudar as leis para ter a constatação do
quanto elas são casuísticas e injustas. O ar familiar inexoravelmente puritano sempre
me fora coercitivo demais, um lar insuportável. Restava vagar solitário, errando
por aí a rondar ruas, paragens, maravilhas por ermos e descobertas súbitas. Os
sonhos acalentados abriram o caminho para a liberdade, naveguei os sete mares e
encontrei a ilha do tesouro no coração da eleita amada que insistia em se não
se mostrar, escondendo seu jeito moleca e cabelos escuros cacheados ao vento,
artista de pintar e escrever em revistas suas próprias criações. Mesmo ausente
e distante ela me encorajou e me inspirou a seguir seus passos, atravessei o
mundo por todos continentes e oceanos, por trens morosos e que não chegavam
nunca em paradeiro algum. Findei fraco e sem força, quase uma procura em vão, sem
um tostão no bolso, uma poça de sangue e inconsciente no topo da montanha. Quando
eu precisei ela estava ali e era a Fanny da minha paixão, a remissão de tudo, a
redenção de minha alma atribulada. Fui muito feliz com a nossa lua de mel na
mina abandonada, inesquecível. Guardei minha voz por vários dias e cada momento
vivido, nenhuma palavra, a salvação na escrita. Refiz minha viagem interior e
depois retomei o caminho com uma Beraba nas Cévennes, pelas novas noites da
Arábia, o Silverado Champz, as fábulas dos homens alegres, a maré vazante e os
entretenimentos das noites. Eu me encontrei a mim mesmo na ilha do tesouro,
onde desvendei os mistérios e a emoção de raptado. Entre tantas outras insones,
uma noite má de gemidos e pesadelo intranquilo, o médico se fez monstro que me
levou por sanatórios, mares, tufões e perigo, ao convívio de freiras e de
leprosos desgraçados. Estou só agora, como sempre estive, aventureiro narrador,
diante da viagem sem regresso: a coragem é o pilar de todas as virtudes. Ao que
me cabe, pelo menos a calmaria nos arrecifes, a alegria à sota-vento, a mente
tranquila a barlavento. Escrevo o meu réquiem para a minha última morada no
alto da colina que dá para o Pacífico: é ali que quero ficar só com este vasto
e estrelado céu, porque fui feliz e assim eu vou, marinheiro que vai partir com
um verso, feito caçador dos montes que segue para a mata infinita. Esse é o meu
desejo no
topo do Monte Vaea. © Luiz Alberto Machado. Direitos
reservados. Veja mais abaixo & aqui.
DITOS & DESDITOS: [...] Uma
das características mais surpreendentes da vida na Amazônia de hoje é a
ausência de diferenciação regional. Ao longo de todos os rios principais e de
alguns tributários menores, o povo come a mesma comida, veste roupas
semelhantes, vive no mesmo tipo de casa e participa das mesmas crenças e
aspirações. Tendo perdido a capacidade de satisfazer suas necessidades com os
recursos da floresta, é obrigado a comprar não somente panos, potes e panelas,
facas e espingardas, mas, também, muitos gêneros de subsistência básicos, tais
como açúcar, sal, arroz, feijão e café. O pagamento deve ser feito segundo a
procura do mercado exportador e não em termos do que a área poderia melhor
produzir. As principais atividades são limitadas, por conseguinte, à coleta da
borracha, frutas e castanhas, à pesca, à caça em busca de pele (especialmente
de onça, jacaré e anta), à agricultura e à criação de gado. A distância em que
se encontram os mercados, a alta dos preços provocada pela intermediação e uma
organização comercial que impede o vendedor de procurar o melhor preço, todos
esses são fatores que contribuem para restringir o lucro do produtor. Doenças,
azares, mau tempo e outras circunstâncias atenuantes reduzem, muitas vezes, a
produtividade do homem, deixando-a abaixo do mínimo necessário para suprir as
necessidades da família. Diante disso, é levado a conseguir crédito com o
comerciante local e, uma vez dado esse passo, torna-se escravo do sistema, sem
qualquer esperança concreta de dele sair. Impossibilitado de conseguir os
alimentos adequados e sem dispor de tempo para pescar ou cultivar um roçado,
ele e seus filhos tendem a sofrer de carências alimentares, o que diminui sua
resistência para os outros tipos de doença. O habitat sofreu uma degradação na
mesma ordem. Uma superexploração da terra em torno das grandes concentrações
provocou uma acentuada e provavelmente irreversível deterioração do solo e da
vegetação, causando a extinção local de muitas espécies de aves e outros
animais. A superexploração e outros distúrbios reduziram ainda a incrível
densidade, anteriormente existente, de tartarugas, jacarés, aves aquáticas e
outras modalidades de vida aquática a simples remanescentes que buscam
esconderijos em lugares distantes e inacessíveis. Os caprichos dos compradores
vindos de todas as partes do mundo, que querem animais de estimação exóticos,
penas espetaculares, adornos estranhos ou comidas fora do comum, incentivam a
dilapidação das espécies, dos grandes animais e mesmo dos insetos. Na medida em
que aumenta a escassez, os preços sobem e os esforços para atender a procura
têm que ser intensificados. Até recentemente, o pequeno tamanho da população
aculturada e o alto custo do transporte mantiveram os danos ecológicos
confinados à várzea e às margens dos tributários principais. Às vastas regiões
do interior, que permaneceram despovoadas ou que têm somente remanescentes de
grupos indígenas, pouco ou nenhum dano foi causado. [...]. Trecho extraído
da obra Amazônia: a ilusão de um paraíso (Civilização Brasileira, 1977), da arqueóloga estadunidense Betty
Meggers (1921-2012), especializada em cultura pré-colombiana e que
pesquisou a Bacia Amazônica e que no seu estudo La Amazonía en vísperas del contacto europeo: perspectivas
etnohistóricas, ecológicas y antropológicas (Instituto de Estudios Peruanos,
1997), expressou que: [...] Na América do
Sul, as modernas divisões políticas correspondem mais de perto com as zonas ecológicas.
O Brasil é principalmente floresta; a Argentina principalmente campo; o Chile
principalmente costa do Pacífico; Colômbia e Venezuela são zona intermediária.
Essa diferença é significativa. [...] Os
acidentes da história são responsáveis por estas fronteiras modernas, mas se
compreendermos seu significado ecológico, seremos capazes de lidar mais
adequadamente com os problemas que eles suscitam. [...].
A POESIA
DE MARIANNE MOORE
POEMA - Eu também a abomino: há coisas mais importantes do que todo esse
desatino. / Lendo-a, todavia, com total desdém, é possível que se presuma / ali,
afinal, um lugar para o genuíno. / Olhos dilatados, frio / nas mãos, arrepio, /
nos cabelos, essas coisas não são importantes porque uma / interpretação
altissonante as pode moldar, mas porque são / úteis. Quando elas se tornam tão
derivativas a ponto de ficarem ininteligíveis, / o mesmo vale para todos nós, a
gente / não sente / o que não entende; morcego de ponta- / cabeça à busca de
alguma / janta, tranco de elefantes, pinote de potranca, lobo sem descanso à
caça, o indefectível crítico a torcer / a pele como um cavalo com pulgas, o fã
de beisebol, o estatístico, / nem é lícito / discriminar “os documentos
comerciais e os / livros escolares”, todos esses fenômenos são importantes. Com
uma distinção, / porém; quando enaltecidos por semipoetas, o resultado não é
poesia, / nem até que os nossos poetas possam ser / “literalistas da / imaginação”
– desistam da / insolência e da trivialidade e possam oferecer / para inspeção,
“jardins imaginários com sapos reais”, chegaremos a obtê-la. Nesse ínterim, se
você demandar, por uma via, / a matéria bruta da poesia em / toda a sua bruteza
e, / … por outra via, o que é / genuíno, então você se interessa por poesia.
SILÊNCIO
- Meu pai costumava dizer: / “As pessoas
superiores nunca fazem visitas prolongadas”, / têm de a campa de Longfellow / ou
as flores de vidro de Harvard. / Autossuficientes como o gato – / que,
pendendo-lhe da boca a cauda do rato / como um atilho bamboleante, / leva a
presa para a intimidade – / por vezes apreciam a solitude / e podem ser
privadas do discurso / pelo discurso que as deliciara. / Os sentimentos mais
profundos manifestam-se sempre / em silêncio; / em silêncio não, mas de novo
comedido. / Tão pouco era insincero quando dizia: / “faça de minha casa a sua
hospedaria”. / Hospedarias não são residências.
O QUE SÃO OS ANOS? –
O que é nossa
inocência, / nossa culpa? Frágeis, somos, / vulneráveis. E de onde vem a / coragem:
a pergunta sem resposta, / a resoluta dúvida, — / muda chamando, surda ouvindo
— que / no infortúnio, na morte mesmo, / encoraja outras ainda / e em sua
derrota anima / a alma a ser forte? Compraz-se / e com perspicácia vê / quem a
mortalidade abrace / e no confinamento contra si / mesmo se volte, assim / como
o mar que no abismo intenta ser, / livre mas, incapaz de ser, / no ato de
capitular / encontra seu perdurar. / Quem no sentimento espera / assim age. O
próprio pássaro, / que ao cantar se engrandece, acera / o corpo aprumado.
Embora cativo, / seu poderoso trino / diz: o contentamento é humilde; / quão
puro é o regozijo. / Isto é mortalidade, / isto é eternidade.
MARIANNE MOORE – Extraídos
da obra Poemas (Companhia das Letras, 1991), da premiada escritora,
editora e professora modernista estadunidense Marianne Moore
(1887-1972). Veja mais aqui & aqui.
A ARTE DE HANNAH YATA
A arte da artista japonesa Hannah Faith Yata, que graduou-se em Pintura pela
Universidade da Geórgia, em 2012, e estudou feminismo, psicologia e arte,
atuando na defesa do meio ambiente e seus efeitos sobre a psique o mundo dos
vivos, entrelaçando os paralelos entre o inconsciente e a luta do ambiente
natural. Veja mais aqui.
A OBRA DE ROBERT LOUIS STEVENSON
Sob o céu largo e estrelado, / Cavar a cova e me deixe
mentir. / Ainda bem que eu vivi e morri de bom grado, / E eu me deitei com
vontade. / Este é o versículo que você escreve para mim: / Aqui ele jaz onde
desejava estar; / Lar é o marinheiro, lar do mar, / E o caçador em casa da
colina.
ROBERT LOUIS STEVENSON –
Réquiem
do escritor humanista escocês Robert Louis Stevenson
(1850-1894), autor de obras clássicas como A Ilha do Tesouro (1884), O médico e
o monstro – O caso
estranho do Dr. Jekyll e Sr. Hyde (1886), As aventuras de David Balfour, Raptado
(1884), O jardim poético da infância (1885), No vazio da onda (1894), Uma
viagem interior (1878), Os homens alegres e outros contos e fábulas (1887) e
Entretenimento das noites nas ilhas (1894), algumas da quais li durante minha
adolescência. O seu grande amor foi a escritora de revistas estadunidenses, Fanny (Frances Matilda Van de
Grift Osbourne Stevenson - 1840-1914), por quem ele atravessou o Oceano
Atlântico e os Estados Unidos em busca da felicidade, tornando-se ela a
defensora da obra do autor. Veja mais aqui & aqui.
&
O poeta e a poesia de Walter Benjamim, O inferno de Patrícia Melo, a poesia de Iracema Macedo, a Balança de Têmis, a música de Sandie Shaw & Julia
Bond, Auto da feira de Maria Dias de Luís da Câmara Cascudo, a arte da atriz Marie Dorval, o cinema de José
Roberto Torero, a arte de Ísis Nefelibata e o poemiuderótico Queima aqui.
PS: Férias do blog com retorno previsto para 13/01/2020.
Boas Festas & Feliz Ano Novo paratodos! Beijabrações!!!!!!