É BOM QUE SEJA ASSIM... – Imagem: Autoretrato/Le Someil de Caliban, do pintor e
artista gráfico francês Odilon Redon
(1840-1916). – Tanto fui e até nem sei onde, talvez lugar algum, nem tão longe
de outras tantas voltas a refazerem meu infindável sisifismo de nenhum porto
seguro, do fruto pra raiz e vice-versa. Resta-me nada mais que o próprio chão
movediço em que me perco com as passadas embaraçadas às minhas próprias
sombras. Delas, lições para aprender a cada dia. Ao longo da minha vida
arranquei todas as máscaras, uma a uma deposta diante do espelho, qual Caliban
enfrentando a própria feiúra, a aceitação. Já não as tenho noutra descoberta:
sou muitos e inconciliáveis, sobrevivente de mim mesmo, uma única face
mergulhada nas minhas profundezas cavadas com as unhas da devassa e vasculhadas
até me exaurir diante das tantas camadas superpostas e inexploradas. Persigo
com marcha na batida de tambores diferentes por errâncias cristalizadas, a
saber de nenhum lugar devido, nem seguro de nada. É bom que seja assim, ao ar
livre, o indesejável fertiliza minha ascensão e sou grato dentro do que posso e
tenho, a compreensão. Ao depor o orgulho inflado, nenhuma indignação soou
escândalo entre as tantas rugas do que fiz e tenho feito, se tristalegre,
paladino ou malfeitor. O peso da culpa não me dizia mais nada, porque enfrentei
os medos e fui íntegro na minha desintegração. Dei asas à intuição e nem quis
saber de mais nada, nada mais estreito ou contraído, nenhuma expectativa, apenas
esvaziado por tantas falhas, quantas rejeições, de mim mesmo inaceitável, não-reconhecido,
parecia-me só, como se os fracassos profusos houvessem levado uma parcela substancial
do que sou. Mas não, era o caos primevo e os profundos gemidos pela pugna do eu
mesmo com outros eus, entre o doloroso e o inevitável, desencaixando moldes,
inquieto com a minha carne fisgada nalguma coisa que não sabia nem nunca
consegui ver dos laços familiares ou dos afetos perdidos. Não havia o que
vencer, nem como. Todos se superavam, nocauteando uns aos outros, migalhas de
mim. Qual supremacia, nenhuma. Sentia-me por entre entulhos que emergiam do
solo com pedras envoltas em lamas e detritos, ali coisas que aprendi de mim,
instruções para remanescer num guia deveras de excitante aventura: conhecer a
mim mesmo. Se muitos, quão controverso, assumi paradoxal. Hoje sei de nada, nem
quero saber, resta-me lá e cá, ali ou acolá, e só viver. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do compositor japonês Shigeru Umebayashi: In the Mood for Love, Lovers & Main Theme ; da
harpista e compositora estadunidense Dorothy
Ashby (1930-1986): Concierto de Aranjuez, Django/Misty & The Rubaiyat; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog
& nos 35 Anos de Arte
Cidadã. Para conferir é só ligar o
som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Se a carne é falsidade assim como seus sofrimentos, o espírito é falsidade
assim como seus milagres [...]. Pensamento extraído da obra Políticas da escrita (34, 1995), do
filósofo e professor francês Jacques Rancière. Veja mais aqui.
REFLEXÃO - [...] Uma montanha,
somente pela sensação de grandeza física que nos faz experimentar, inculca-nos
um sentimento de sublime, mas não podemos dizer que experimentamos um efeito
semelhante com a contemplação da própria Colombíada. Mesmo as revistas
trimestrais não sentem nada [...] Se
admitir que esforço constante produziu uma epopeia, admiremos, pois o esforço
(se é que existe nisso alguma coisa admirável), mas certamente não a epopeia
por causa do esforço [...]. Trechos extraídos da obra Contes – essais, poèmes (Laffont, 1989), do escritor
norte-americano Edgar Allan Poe (1809-1840). Veja mais aqui.
JANELA SOBRE O TEMPO – Em Cajamarca, janeiro é tempo de tecer. Em
fevereiro aparecem as flores delicadas e as faixas coloridas. Os rios ecoam, há
carnaval. Em março ocorre a parição das vacas e das batatas. Em abril, tempo de
silêncio, crescem os grãos do milho. Em maio, é tempo de colheita. Nos secos
dias de junho, a terra nova é preparada. Há festa em julho, e há casamentos, e
os abrolhos do Diabo aparecem nos sulcos. Agosto, céu vermelho, é tempo de
ventos e de pestes. Com a lua madura, não a lua verde, semeia-se em setembro.
Outubro suplica a Deus que solte as chuvas. Em novembro, os mortos mandam. Em
dezembro, a vida é celebrada. Extraído da obra As palavras andantes (L&PM, 2007), do jornalista e escritor
uruguaio Eduardo Galeano (1940-2015). Veja mais aqui.
CALIBAN – [...] Não tenhas
medo; a ilha está cheia de ruídos, / Sons, doces melodias, que deleitam sem
ferir. / Por vezes sons agudos de mil instrumentos / Zumbem aos meus ouvidos;
outras vezes são vozes / Que me fazem adormecer mesmo quando desperto / Após um
prolongado sono. E então, em sonhos, / Parece-me que as nuvens se abrem
mostrando riquezas / Prestes a cair sobre mim, e, quando acordo, / Desespero
por adormecer de novo. [...]. Trecho
extraído da peça teatral A tempestade
(L&PM, 2002), do poeta, dramaturgo e ator inglês William Shakespeare
(1564-1616), na qual Caliban é considerado um escravo selvagem e deformado,
tratado com desdém e alvo de chacota. Veja mais aqui.
A ARTE DE MÁRIO CRAVO NETO
A arte do
fotógrafo, escultor e desenhista Mario Cravo Neto (1947-2009). Veja mais
aqui.
&
O vexame no xambrego, a
literatura infantil de Monteiro Lobato,
o pensamento de Marilena Chauí
& a arte de Márcia Haydée aqui.
&
&
A paixonite do besouro doido inventando moda, a música
de Noel Rosa & João Bosco, a literatura de Bram Stocker, a arte de Juan Yanes & Mario Cravo Neto aqui.