A GENTE NÃO SABE O QUE DIZ, NEM SABE O QUE QUER – Não é
verão: Sol quente de tinir! Sol quente de
rachar o chão! A insolação chega deixava a paisagem esturricada com tudo se
movendo no céu azul de nenhuma nuvem, provocando fleuma pelo mormaço. O sapo
Aderbal que não era sonso nem nada, estava de pernas pro ar à beira do Jereré,
esperando que dele brotasse laminha que fosse, ah, nada, estava era sequinho, e
ele se abanando esbaforido pelo suor, de quase morrer de inanição. Ah, isso não
pode continuar assim. E tomou providência aprumando a gravata borboleta e o
cinturão, futucando um e outro pruma reunião emergencial. Quando viu que
ninguém levava a sério sua convocação, tornou a chamar na grande cada um do seu
rol de amizade. Primeiro foi o compadre Asdrubal que chegou curioso: Que é que
há, compadre? Nessa hora, Nallah apareceu invocada: Que alvoroço é esse, hem?
Quando Aderbal foi abrindo a boca, Nallah deu-lhe um cascudo e perguntou pro
Asdrubal: Como vai, compadre? Vou bem, comadre. Qual a novidade? Num sei,
comadre, tô aqui a chamado do compadre Aderbal. Que é que estais aprontando,
hem, presepeiro duma figa? Como ela falou alto pro marido, chamou atenção e logo
foi juntando o Kid Malvadeza, Popó, o Lobizonzo, o Olho-de-ximbra, afora
vizinhos doutras paragens que aproximaram curiosos para o espremido dela no
folgado. Oba, hoje vai ter espetáculo de graça! Vai mesmo! Só quero ver o circo
pegar fogo! Eu aposto na Nallah, e você? Quem é doido de apostar no Aderbal,
hoje ele não escapa. E as apostas cresciam, enquanto Aderbal queria se
explicar: Ôpa, atenção todos! Atenção, por favor! Só quando Nallah deu uma
patada daquelas atômicas nas pedreiras que todos pararam assustados: É agora –
disseram em uníssono, óóóóóóóóóóóóó! Atenção todos, vejam só: não é verão e que
coisa é essa da gente passar mais de seis anos sol a pino, hem? Todos de boca aberta:
óóóóóóóóó! Temos de fazer alguma coisa, senão vamos ser assados vivos! Óóóóóóó!
A gente vai ter que ter um lero com o São Pedro prele abrir as portas do céu e
arriar uma chuvinha pra gente se refrescar, num é não? Óóóóóóóó! Acho que o
velhinho deve está cochilando e se esqueceu da gente aqui, nesse forno do
inferno! Óóóóóóóó! Vamos preparar uma comissão pra gente ir lá reivindicar
nossos direitos. Assim formaram a comitiva e foram até o céu ter com São Pedro.
O alvoroço da chegada assustou o velhinho que cochilava: Sumpêdo! Sumpêdo! Que foi,
que foi? Sumpêdo, o sinhô s’isqueceu da gente! Como assim? Faz mais de seis
anos que num chove. Como pode? Ô Sumpêdo! Ói pra gente, dê um jeito na terra rachada
de Sol, mande uma chuvinha, vá! Lá a gente só tem verão e isso de ano a ano,
num chove desde seis anos atrás! O santo disse: Tudo a seu tempo, chuva só no
inverno. Por favor, Sumpêdo, veja aí nos seus registros. O santo pacientemente levantou-se
com dificuldade, foi com a maior má vontade até a sala do tempo e admirou-se: Eita,
dessa vez o cochilo passou do ponto, realmente havia me esquecido! Ah,
desculpem, meus filhos, podem ir, logo logo vou mandar uma chuvinha para
minorar seus sofrimentos. Chuvinha? Ah, é modo de dizer! Tá certo, santo. E se
despediram, retornando cada qual pro seu habitat. Também não é inverno: De repente, chuva, chuva, chuva, chuva. No começo, todo mundo
feliz. Lá se vai um dia, chuva; dois, e tome chuva; três dias, maior
tempestade; uma semana, parece mais um dilúvio; um mês, um ano, tudo
esborrando, chuva, chuva, chuva. Do jeito que vai, morre tudo com o bucho cheio
d’água! Chuva de danar a paciência! Chuva
de sapo pedir aos céus clemência! Eita! Lá se reúnem de novo a comissão e,
a muito custo chegam ao céu: Sumpêdo, mô fio, quer matar a gente afogado é?
Não! Vai lá conferir: eu só mandei chuva pruns dias. Ah, santo, já faz mais de
ano que é só chuva e chuva! Vixe, cochilei de novo, foi? Ajuda gente, Sumpêdo. E
foi e mexeu, nada. Daqui a pouco ele volta coçando o cocuruto: Péssima notícia,
Mãe Natura endoideceu! Como é que pode? Pois é. O que foi que houve? O bicho
homem está alardeando que a Mãe Natura quer acabar com a gente, que precisamos
dar um jeito nela. Como é que pode? Ah, já sei, a culpa é do bicho homem, esse
só faz matar a gente, explorar a terra, sacrificar a vida. O que é que a gente
faz? Quem pode contra o bicho homem? Eles estão matando a gente, a Terra e eles
mesmos, o que a gente vai fazer de mesmo, hem? Quem pode com o bicho homem? Mãe Natura endoideceu e se ela que é Mãe,
que é Sábia, que é Única, a cabeça perdeu... quanto mais eu, quanto mais eu! PS:
texto baseado no poema Nordeste, do
poeta, jornalista, economista e folclorista Jayme Griz (1900-1981). © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais
aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do cantor, violonista e compositor João Gilberto: 50 Anos de Bossa Nova ao vivo, Voz & Violão e Live In
Tokyo; da artista performática, músico e escritora inglesa Cosey Fanni Tutti: Time to tell, Ritual awakening & Licking the juice; &
muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Os
outros não estão aqui para nos servir ou para serem bem-sucedidos com as perdas
e as más barganhas que você sofreu; eles estão neste mundo para descobrirem seu
caminho da melhor maneira que puderem. As expectativas irrealistas que você
tiver sobre o comportamento das outras pessoas, as farão sentir-se usadas e
tratadas como objetos sem sentimento nem direitos próprios. [...]. Trecho
extraído da obra Linguagem dos
sentimentos (Summus, 1982), do psiquiatra, escritor e empresário
estadunidense David Viscott
(1938-1996).
ARTE & VERDADE - [...] Tenho
plena confiança que conseguirei cumprir meu dever de escritor em todas as
circunstâncias, e até mesmo do túmulo com mais sucesso e de maneira mais
irrefutável do que em vida. Ninguém pode impedir a marcha da verdade, e para
defendê-la eu estou pronto a aceitar até mesmo a morte. Mas será possível que
as repetidas lições não acabarão por ensinar-nos que não podemos deter a pena
do escritor durante toda a sua vida? [...]. Extraído da obra Soljenitsin: a luta contra o silêncio
(Artenova, 1973) de Zhores Medvedev, sobre o escritor, dramaturgo e historiador
russo Alexander Soljenítsin
(1918-2008). Veja mais aqui.
ÓPERA DOS FANTOCHES - [...] A
primeira vez, o homem falava pouco, mas era muito delicado. Só diz uma coisa,
se eu sabia de um hotel para aonde a gente pudesse ir. Eu digo que não sei,
quando sabia. O que eu conheço fica longe daqui, diz ele. Tanto faz, digo.
Vamos de táxi. Muito bom, há muito tempo não ando de táxi. No quarto ele se
revela falante, quer saber da minha vida. Eu conto, aumentando, dramática. Ele
deve ter ficado com pena de mim. Por que eu me humilhei, quando não tinha
necessidade? Às vezes tenho vontade terrível de me humilhar, de ser abjeta.
Então acontece: ele tira do bolso a carteira, produz uma nota. Não quero
aceitar. Não sou prostituta, digo. Ele insiste, simpático. O inverno está
apertando, é para comprar um casaco de lã para a menina, diz ele depois de eu
ter dito que tinha uma filha. [...]. A
segunda vez, pior. De chapéu na cabeça, ele diz qual é o seu preço? Dê quanto
quiser, digo. Ele tira uma nota graúda da carteira. Assim eu fico sabendo
quanto valho. Ou seria generosidade dele, por causa da história que contei?
[...] O perigo da vida que eu estava
levando era se um dia descobrissem tudo. [...]. Trechos extraídos da obra Ópera dos fantoches (Francisco Alves,1994),
do escritor, advogado e jornalista Autran Dourado
(1926-2012). Veja mais aqui.
BELEZA - Sou mais bela, ó
mortais! Que um sonho de granito, / e meu seio, onde cada um geme de dor, / foi
feito para o poeta inspirar um amor / semelhante à matéria, isto é, mudo e
infinito. / Reino no azul como uma esfinge singular; / meu coração é neve e ao
mesmo tempo arminho; / odeio o que se move e faz o desalinho, / e não sei o que
é rir, nem sei o que é chorar. / Os poetas, ante as minhas grandes atitudes, /
que aos monumentos mais altivos emprestei, / consumirão o ser nos estudos mais
rudes; / pois para esses servis amantes reservei / um puro espelho em que é
mais bela a realidade: / meu olhar, largo olhar de eterna claridade. Poema do escritor, tradutor, crítico de arte e poeta francês,
Charles Baudelaire (1821 - 1867). Veja mais aqui.
GRITOS E SUSSURROS
O DIÁRIO DE AGNES – Entre
outras coisas quero cobrir o rosto com as mãos e nunca mais retirá-las. Que
posso fazer com esta solidão? Os longos dias, as noites silenciosas e
insones. Que posso fazer com todo este
tempo que irrompe sobre mim? Então prefiro penetrar em meu desespero e deixá-lo
queimar-me. Pois tenho reparado que se tento evitá-lo ou mantê-lo do lado de
fora, as coisas tornam-se apenas mais difíceis. É melhor abrir-se, receber
aquilo que castiga ou faz mal. Não cochilar ou desviar-se como eu fazia antes.
Quando escrevo sobre a solidão, sou, aliás, injusta. Anna é minha amiga e
camarada. E eu creio que a sua solidão é pior do que a minha. Eu ainda posso
consolar-me com a pintura, a música e os livros. Anna não tem nada. por vezes,
tento falar com ela dela mesma. Mas ela fica tímida e se tranca. [...].
Trecho extraído da obra Gritos e
sussurros (Nórdica, 1977), do dramaturgo e cineasta sueco Ingmar Bergman
(1918-2007), lançado no cinema em 1972, contando a história de Agnes que lentamente
morre de câncer, mas suas irmãs estão tão profundamente imersas em suas
próprias dores psíquicas que não podem oferecer-lhe o apoio de que ela precisa.
Maria está devastada com a culpa do suicídio do marido, causada pela descoberta
de seu caso extraconjugal. A autodestrutiva e suicida Karin
vê sua irmã com repulsa. Apenas Anna, a empregada profundamente religiosa que
perdeu o filho jovem, parece ser capaz de oferecer a Agnes consolo e empatia.
Veja mais aqui.
&
Da cana sou alma doce & fel,
a literatura de Jack
London, Ligas camponesas de Fernando
Antônio Azevedo & Trabalhadores nos canaviais de Lúcio Vasconcellos de Verçoza
aqui.