PERNAS PRA QUE TE QUERO – Imagem: Peasants dancing (1911), da pintora do
cubo-futurismo russo, Natalia Goncharova
(1881-1962) - Zé João e João Zé, irmãos de ferro e fogo até dizer basta, um
pelo outro nos apertos, tragédias e estripulias, do teste da goma ao cavalo
mago, coisa de não haver quem apartasse aquela união de fuleragem, banguelas e
trapaças. Um dia, por causa de um desentendimento por coisa de pouca monta, as
suas respectivas consortes, entraram em rota de colisão. Isso é coisa que se
faça? Ah, mas ou você dá jeito na sua quenga, ou o negócio vai agarrar o pencó
de findar num mata-burro! Como é que é? Tais pensando o quê, hem, amarelo
fi’duma égua? Isso mermo, ou dá jeito na sua marmota, ou a coisa empena pra sua
banda! Danou-se! Os dois quase emendaram os bigodes ali mesmo, de riscarem faca
no chão, bufarem, fazerem careta de todo tipo e se amaldiçoarem mutuamente. Coisa
com cara de bronca das brabas, de entrar bruguelo, periquito, papagaio, guenzo,
sapos, parentes e simpatizantes na roda. É que as comadres acharam de atiçar as
diferenças na base do deboche, por conta disso o que era de berilo, caçola,
caçarola, bisquís e penico, serviram de armas de guerra por dias, semanas,
meses, de findarem intrigadas figadais, duma não aguentar ver o focinho da outra
sem largar desaforos. Não fosse a intervenção de terceiros, a coisa já tinha
findado em tragédia daquelas sem fim, de não escapar no quarteirão ninguém
livre duma sova. Bastou uma jogar uma tigela na outra, errando e acertando um
dos irmãos, do negócio ficar feio em clima de temporal dos brabos. Resultado,
os inseparáveis tornaram-se inimigos de juras e ameaças na maior das rixas. Quando
não era um querendo arrancar os testículos do outro, o arranca-rabo ia ineivado
subindo a serra com tabefes, rasteiras, pernadas e enfiadas de quase um matar o
outro e os dois mortinhos da silva. Findou o quarteto diante do delegado,
botando ordem nas desavenças. Uns aos outros acusando de safadeza, malquerença,
mexerico e fingimento, de não mais se suportarem nem de longe. Isso sem contar
a truculência de puxada de cabelo, unhada, chute e outros coices menos lesivos,
até se verem enjaulados com acusações recíprocas. Foi preciso os policiais separar
a arenga e aprisioná-los em celas distantes. Com o interrogatório individual o
que se ouviu de asneira não dava pra levar nada a sério. O delegado, de
propósito, trocou os casais e esperou pra ver a presepada. Deu-se um pandemônio,
não havia jeito de solucionar a encrenca daqueles casais. Foi aí que a
autoridade policial teve uma ideia e mandou chamar os dois marmanjos para passar
tudo a limpo. Não deu certo. Depois de cuspirem injuriados tudo de raiva do
acusado, o chefe da delegacia mandou que os dois resolvessem de jeito que fosse
aquelas diferenças. Não deu outra: atracaram-se aos empurrões, dentadas,
puxavanques e cusparadas, dos dois findarem vítimas de nocaute. Pronto. Dali mais
uns dias, os dois se recuperando, um ao lado do outro sob alta vigilância, dum
precisar do desafeto para se levantar e outras necessidades mais íntimas. Longe
das esposas, deram-se bem, até serem liberados, um abraçado no outro. Só não
esperavam a vingança das inimigas que, agora unidas, saíram prontas para
dizimá-los. Deram um carreirão de umas léguas a mais, até pararem mortos de
cansados. Olharam um pro outro: E agora? Oxe, quem quer mais aquelas trepeças,
Deus me livre de voltar a vê-las! Nem mortas! Fugaram do matrimônio e caíram na
gandaia, até se verem metidos em camisa de onze varas com as suas novas
namoradas. Parece mesmo que esses dois não têm mesmo jeito, sobrando, apenas, a
reciprocidade dos dois bem mais íntima que antes, nada mais. Tem coisa nesse
meio, dizem, insinuam. E o que é que tem? A vida é deles, destá. © Luiz Alberto Machado.
Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do cantor, compositor, cronista e
músico Zeca Baleiro: Lado Z ao vivo, Líricas & Por onde andará Stephen
Fry; da cantora, compositora e multi-instrumentista britânica Lianne La Havas: Live Casino de Paris, Live at AfroPunk & iTunes
Festival; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA –[...] o indivíduo – como sujeito dotado de
consciência e vontade – deve superar a condição de suporte ou efeito passivo de
uma estrutura social para integrar-se livre e conscientemente na comunidade e desenvolver,
mais do que nunca, sua responsabilidade social e, com isso, a sua própria
natureza moral. [...] Pensamento do filósofo, professor e escritor
espanhol Adolfo Sánchez Vázquez
(1915-2011). Veja mais aqui.
CASAS QUE EMBURRECEM – [...]
Cada ambiente é um estímulo para a
inteligência. (É difícil ser inteligente num elevador. No elevador só uma coisa
a fazer: apertar um botão.... E pensei que há casas onde a inteligência pode
florescer. Não adianta ser planejada por arquiteto, rica, decorada por
profissionais, cheia de objetos de arte. Se a decoração se aprende em escola,
pergunto se existe, no currículo, uma matéria com o título “Decoração de
emburrecer – Decoração para provocar a inteligência”... Essa pergunta não é
ociosa. Casas que emburrecem tornam as pessoas chatas. Criam o tédio. Imagino
que muitos conflitos conjugais e separações se devem ao fato de que a casa,
finamente decorada, emburrece os moradores. Lá os objetos não podem ser
tocados. Tudo tem que estar em ordem, um lugar para cada coisa, cada coisa em
seu lugara. Orgulho da dona da casa, casa em ordem perfeita. [...] casas que são um tédio: lugar para dormir,
tomar banho, comer, ver televisão. Se é isso que é a casa, então, depois de
dormir, tomar banho, comer e ver televisão não há mais o que fazer na casa, e o
remédio é sair de gaiola tão chata e ir para outros lugares onde as coisas
interessantes podem ser encontradas. Sugiro aos psicopedagogos que, ao lidarem
com uma criança supostamente burrinha, investiguem a casa em que ela vive. O
quarto mais fascinante do sobradão colonial do meu avô era o quarto do mistério,
de entrada proibida, onde eram guardadas, numa desordem total, quinquilharias e
inutilidades acumuladas durante um século. Ali a imaginação da gente corria
solta. Já a sala de visitas, linda e decorada, era uma chatura. A criançada
nunca ficava lá. Na sala de visitas a única coisa que me fascinava eram os
vidros coloridos importados, lisos, através dos quais a luz do sol se filtrava.
Na minha experiência, a inteligência começa nas mãos. As crianças não se
satisfazem com o ver: elas querem pegar, virar, manipular, desmontar, montar.
Um amante se satisfaria com o ato de ver o corpo da amada? Por que, então, a
inteligência iria se satisfazer com o ato de ver as coisas? A função dos olhos
é mostrar, para as mãos, o caminho das coisas a serem mexidas. Acho que uma
casa deve estar cheia de objetos para serem mexidos. A casa, ela mesma, é para
ser mexida. [...]. Trecho da crônica extraída da obra As melhores crônicas (Papirus, 2010), do
psicanalista, educador, teólogo e escritor Rubem Alves (1933-2014). Veja mais aqui.
A MELHOR OPÇÃO - Todos começaram a dizer que o ouro é a
melhor opção de investimento. Fernão Soropita deixou-se convencer e, não tendo
recursos bastantes para investir na Bolsa de Zurique, mandou fazer uma
dentadura de ouro maciço. Substituir a dentadura convencional por outro,
precisa e ridícula, valeu-lhe aborrecimentos. O protético não queria aceitar a
encomenda; mesmo se esforçando por executá-la com perfeição, o resultado foi
insatisfatório. O aparelho não adeira à boca. Seu peso era demasiado. A cada
correção diminuía o valor em ouro. E o ouro subindo de cotação no mercado
internacional. O pior é que Fernão passou a ter medo de todos que se
aproximavam dele. O receio de ser assaltado não o abandonava. Deixou de sorrir
e até de abrir a boca. Na calçada a moça lhe perguntou onde ficava a Rua
Gonçalves Dias. Respondeu inadvertidamente, e a moça ficou fascinada pelo
brilho do ouro ao sol. Daí resultou uma relação amorosa, mas Fernão não foi
feliz. A jovem apaixonara-se pela dentadura e não por ele. Mal se tornaram
íntimos, arrancou-lhe a dentadura enquanto ele dormia, e desapareceu com ela.
Conto extraído da obra Contos plausíveis
(Record, 2006), do poeta, contista e cronista Carlos
Drummond de Andrade (1902-1987). Veja mais aqui.
MARIANA – Está chovendo sobre o mundo, Mariana. / Todas as portas se fecharam; /
Todas as luzes se apagaram / todas as vidas se abismaram. / Está chovendo sobre
o mundo. / Estou só, sem destino e sem abrigo. / Vejo a noite descer, cada vez
mais negra, sobre a minha cabeça. / Sinto a água correr, cada vez mais fria, ao
longo do meu corpo. / Como está chovendo sobre o mundo! / Onde estás? Onde
estás, Mariana? / Quero te ver, quero te achar, quero te conhecer, / quero quês
estejas perto de mim, Mariana, / quando a luz surgir de novo, quando amanhecer
/ e o primeiro sol nascer / sobre o dilúvio. Poema extraído da obra Poesias completas (Civilização
Brasileira, 1971), do poeta, dramaturgo, engenheiro civil, desenhista,
professor e editor Joaquim Cardozo (1897-1978). Veja mais aqui.
A ARTE DE NATALIA GONCHAROVA
A arte da
pintora do cubo-futurismo russo, Natalia
Goncharova (1881-1962)
&
Uivos
das horas minguantes, a dança de Allison DeBona, Teatro Kabuki & a arte de Thomas W. Schaller
aqui.