QUADRILHA DAS PAIXÕES MAIS INTENSAS – Imagem:
A quadrilha, xilogravura de J. Miguel - As hostilidades pairavam tenebrosas
nas imediações porque o pai da noiva prenha estava injuriado, arrancando os
cabelos da venta e da barba, virado na gota serena e cagando raios. Tudo isso,
justamente, por causa de um lazarento dum cabra muito do folgado e medroso que descabaçou
a jovem donzela, morrendo de medo dele e, quando do comprovado embuchamento, se
escafedera para lugar incerto e não sabido. Como o irmão do ultrajado era o
sargento que fazia a vez de delegado na província de Alagoinhanduba, logo botou
o destacamento de prontidão à caça do fugitivo. Nessa hora tudo estava fora dos
conformes, o padre nervoso não parava de olhar para o relógio e a mundiça toda
em volta estava em polvorosa. A qualquer momento a espoleta da desgraça podia
ser acionada e não havia como medir as consequências. Por graça divina, eis que
no maior agitado aponta o batalhão em marcha arretada no oitão da casa, abrindo
espaço entre o povaréu e trazendo o salafrário pendurado pelos colhões. –
Pronto! Agora pode começar o casório, seu padre! E ligeiro que ainda quero dar
uma pisa nesse safado! -, gritou o sargento dando início à solenidade matrimonial.
Todo mundo a postos, casal, padrinhos e familiares, começou o teitei que não
durou mais de quinze minutos, encerrando logo após o sim dos noivos. Festa entre
os convivas. Logo o que parecia malsinado foi transformado num foguetório que comeu
no centro esvoaçando as bandeirolas e incendiando os esqueletos ao som da
sanfona, zabumba e triângulo, no maior trupe de pé-de-serra dando o tom dos
festejos. O cantor logo começou: - Vamos organizar a quadrilha! Nessa hora as
moças casamenteiras ajeitaram o busto, espremeram as carnes e empinaram os
peitos, deitando olhares manhosos e safadinhos pros seus preferidos. Os rapazes
serelepes se encheram empáfias e mesuras, ajeitando a gola e a fivela, pisando
forte no salto da bota e castigando nos esssseesssss, largando prosa mole
carregada de galanteios pra cima delas. Logo as piscadelas acenderam os
risinhos das sonsas, fascinando os mancebos agora encorajados a uma intimidade
vigiada e envolvida pelo eflúvio do idílio no ar. Os afetos à flor pele, toques
inadvertidos e mãos bobas pra lá e pra cá, tornando todos os casais reféns das
raias das paixões. Lábios, suspiros, latências, simpatias, preferências e
estreitamentos, mão na mão, outra na cintura, passos ensaiando movimentos embalando
os corações apaixonados e tudo além da festa fazem o congraçamento do amor. E
os casais enamorados logo se juntam no meio do terreiro e os paqueradores
aproveitam do momento pra catar suas damas e firmar namoro sério. Logo fazem
filas e lá se vai todo mundo no balancê. – En avant tour! – grita o cantor e
todo mundo responde: Alavantu! Anarriê. Returner! Os seus lugares. Cavalheiros
cumprimentam as damas. As damas cumprimentam os cavalheiros. Trocar de lado,
trocar de novo, aos seus lugares. Passeio, trocar de dama, damas trocam de
cavalheiro, olha o túnel, não pode ir pras moitas, nem pras capoeiras, aos seus
lugares. Seu delegado tem dois casais que se desviaram no meio do caminho,
estão chambregando na chã do roçado! Dancê. Caminho da roça, olha a cobra, é
mentira! Aos seus lugares. Caracol, desviar, fazer a grande roda, damas à
esquerda, cavalheiros à direita, coroar as damas, coroar cavalheiros, duas
rodas, reformar a grande roda, aos seus lugares, dancê. A despedida. É hora de
arrodear a mesa e provar da canjica, pamonha, angu, arroz doce, bolo de milho,
milho cozido, quentão, pipoca, cuscuz, cocada, rolete de cana, pé-de-moleque. Eita,
como é bom namorar de barriga cheia. Bucho cheio atrapalha safadear. A fogueira
queima para comemorar a fartura da safra, muitos pedidos pra São João e São
Pedro. As vitalinas se arranjam com Santo Antonio pra arrumar casamento, se
ajoelham, fazem promessas e se aprontam pra hora da simpatia: enterre uma faca
virgem numa bananeira pra saber logo o nome do noivo que virá como príncipe
encantado. A noite vai adentro na madrugada, no outro dia os noivos nem viram
direito o que é lua de mel. A vida volta ao normal, o inverno vai aguar a terra
e a botada da cana na primavera trará outra safra feliz. E assim caminha o
canavial. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
Imagem: nanquins da série Erótica,
do arquiteto e pintor
brasileiro Roberto Burle Marx
(1909-1994). Veja mais aqui.
Curtindo o álbum Chamada (1975), da Orquestra Armorial, sob a regência do violinista,
compositor e regente Cussy
de Almeida (1936-2010).
Veja mais aqui.
PESQUISA
O livro Vaqueiros e cantadores (1939 - Itatiaia/EdUsp, 1984), do
historiador, antropólogo, advogado e jornalista Luís da Câmara Cascudo (1898-1986). Veja mais aqui.
LEITURA
O
romance Terra de Caruaru (Civilização
Brasileira, 1977), de escritor e jornalista José Condé (1917-1971), trata dos conflitos gerados pela transição
do mundo rural, tradicional e violento, para a cidade, a qual todos esperavam
progresso. Veja mais aqui.
PENSAMENTO DO DIA:
Eu me criei no sertão
E quase não tive escola
Mas aprendi a cantar
Dentro de toda bitola
Sem sair do meu terreiro
Nunca me faltou dinheiro
Cantando nesta viola
Setilha, ou verso de sete pés, do poeta
cantador e repentista pernambucano Serrador
- Manoel Leopoldino de Mendonça, nascido em meados do séc. XIX, em Bom Conselho
(PE), onde faleceu em 1915. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
IMAGEM DO DIA
Cartaz do espetáculo O Casamento de Maria Feia,
comédia de Rutinaldo Miranda Batista
Junior, encenada pela Cia de Teatro Na Arte a Verdade, com direção de Rod
Pereira, contando a história dos irmãos Zé das Baratas e Matilde que cruzam com
Lamparina, primo de Lampião, que procura um cabra macho para casar sua filha, a
Maria Feia.
Veja mais sobre Anna Akhmátova, João Guimarães
Rosa, Rozana Lanzelotte, Giambattista Vico, João Silvério Trevisan, Vilmar
Lopes, Eliseo d'Angelo Visconti,
Luiz de Barros, Dercy Gonçalves, Roberto
Santos, Walter Carvalho & Moacir
aqui.
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
Imagem: Desejo, do xilogravurista Vermelho.
CANTARAU:
VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Imagem: Bandinha de pífano, xilogravura de Severino Borges.
Recital
Musical Tataritaritatá.