E SE NADA ACONTECESSE, NADA VALERIA... – (Imagem:
O escaravelho sagrado, da artista plástica,
escritora e ilustradora Madalena Tavares ) - Sempre estive
só e vou só: voo sobre milênios de injustiças, os sonhos nas alturas além das
latitudes possíveis, além das longitudes mensuradas, com minhas asas pelos
trocentos mundos da delícia, fascínio e infinutude: nada pelos sentidos, só
pela compreensão. Sou andarilho e vou descalço. É inverno ao redor, o Sol é
pleno, nenhuma nuvem sobre meu céu. Aprendi com os fracassos e me são valiosos
porque passei a viver nas sombras, disso entendo. E como não quero nem tenho
coroas de louros, vou ruminando pela ascensão e declínio de tudo, porque fui de
tudo a tudo até ser-me bem logrado, e ao meu próprio ver, adivinhando meios de
saída. Tornei-me forte com meus tropeços e quedas, a cautela aprimorada,
quitado comigo mesmo. Peso tudo, tolero quase nada com meus contravenenos. Se
não tenho louros nem riquezas, pouco importa, sou das grandes tarefas,
inglórias sim e até. Sigo nas ruas como quem árvores resiste no asfalto e mesmo
que o tempo imponha seu negrume, eu me alimento da luz pelos poros de todos os
suores. Cada esquina uma emboscada e não desmereço do inopinado, sou mais que
vigilante dos tapumes luminosos chamando atenção pro inútil conforto, nem menosprezo
de todo as coisas vãs. Presto atenção a tudo porque reaprendi de tudo, faço de
mim o que for desafio, longe de toda inteireza, muito menos certeza. Sou da dúvida
o essencial: faço-me natural como a semente pra raiz, corrente pro rio, vento
pro ar. Aprendi a não olhar com os olhos, mas com a sabença do íntimo das
coisas; a não tocar com as mãos, mas com o que sou de mim mais de dentro; a não
ouvir com os ouvidos, mas com a compreensão que tenha de tudo e todas as coisas;
a não cheirar com o olfato ou degustar com o paladar, mas o que exala do invisível
por trás de toda manifestação e que pulsa por todas as dimensões. Se eu não
tivesse um outro olhar seria suduzido pelo momento do fútil e fugaz, vou sempre
altivo e cego mouco por cantos de sereias no oferecimento aplacador do caminho
com suas falsas tentações. Vou exilado da moral dos parvos, na contramão dos
ideais dos que nasceram póstumos e no mise-em-scène
dos ídolos dessa venerada humanidade virtuosa do perecível, do aliciante e do
capcioso, reduzida à civilização ocidental com suas promessas não cumpridas e mentiras
ideológicas com que se acredita por verdadeiro, da qual sou estrangeiro e
jamais tomei parte do pacto da segregação e da regressão do conluio dos
fanáticos e dos ditos redentores da pátria que se amoldam apenas ao compatível,
admissível e permitido. Se o que perdi me fez falta, digo que não, pois sequer
tive quanto possuía algo fora de mim e da poeira das coisas. Não julgo nada, não
posso, nem devo, sou o trâmite e, em sendo, nada vale tudo e a recíproca é
obvia e idêntica ao que foi do será. Sou dos meus cabelos soltos ao vento em
desalinho pelo chão que piso e não sei onde estou, nem preciso saber: livre da
cilada das horas, das cruzetas daqui e dali ou do perigo dos abismos. Se não
soubesse sobrepujar os limites e a vacância falsária de toda gritaria com seus
arroubos sedutores e escuros, eu não teria chão sequer para pisar no planeta. Se
desse ouvidos a todos os doutos e profetas desse tempo e que se dizem senhores
do certo e da razão, não teria vivido um mínimo que fosse da mais real sensação
de vida além do que se compra, do que se tem por posse ou do que se pode ganhar
por preços de exploração e acumulação. Sou simplesmente ser, nada acima ou
abaixo, compreendo tudo. O que fiz e faço é apenas viver como a flor que brota
cumprindo sua mística missão de tornar a vida real. Sigo adiante e vou só. ©
Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
Imagem: a arte do pintor italiano Bruno
Di Maio.
Curtindo o álbum Mukaiama Women Composers (BV Hasst Records, 1994), da pianista
japonesa Tomoko Mukaiyama, combinando performances de música
com arquitetura, escultura e roupas, interpretando obras de Adriana Hölszky, Vanessa
Lann, Galina Ustvolskaya, Sofia Gubaidulina e Meredith Monk.
PESQUISA
Las gladulas: nuestros guardianes invisibles (AMORC,
1965), de M. W. Kapp M.D., tratando
sobre a divina alquimia, situação e ações das glândulas endócrinas, tipos
endócrinos de personalidades, método para desenvolvimento das glândulas e
exemplos das inibições e expansões do sistema glandular. Veja mais aqui.
LEITURA
Agá (Civilização Brasileira, 1974), romance do escritor, romancista, dramaturgo, advogado, jornalista e crítico
literário Hermilo Borba Filho
(1917-1976). Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
PENSAMENTO DO DIA: “A CIÊNCIA CASA-SE À ARTE E A FILOSOFIA BEIJA ESSA
PERFEITA UNIÃO”
[...] Os
homens, não são nada mais do que caminhos para alimento, aumentadores de
imundície e enchedores de privadas... nada mais no mundo é realizado através
deles e não têm nenhuma virtude... certamente, ninguém se oporá a que a
Natureza deseja extinguir a raça humana como uma coisa inútil. Precisamos
separar esses grandes agrupamentos de gente que vive amontoada, como bandos de
cabras, enchendo o ar de mau cheiro, espalhando as sementes da peste e da
morte. [...] O que pensais, homens,
de vossa própria espécie? Não vos envergonhais de vossa estupidez? É um ato
infinitamente atroz tirar a vida de qualquer criatura. A alma não quer que a
raiva e a malícia destruam a vida. Sempre temos esperanças no futuro, mas o
futuro nos reserva somente uma certeza: a morte de toda esperança. A arte do
homem não é completamente igual à tarefa de pintar a crueldade do homem. Não
existe talento perfeito sem grande sofrimento. [...]
Trecho de uma série de fábulas amargas e
brilhantes escritas do polímata italiano Leonardo da Vinci
(1452-1519), censurando asperamente a mais vergonhosa e
mais lamentável das criaturas vivas: o homem. Ele desprezava a miserável raça
humana e, no entanto, estava sempre ansioso para ajuda-la a sair da miséria. Veja
mais aqui , aqui e aqui.
IMAGEM DO DIA
Imagens: Cartaz & cena do espetáculo de
dança Sobre um Paroquiano (2007), da Compassos Cia de Danças, inspirado no
texto Um Paroquiano Inevitável, de Hermilo Borba Filho.
Veja mais sobre Desnorteio & Wilson Monteiro, Jürgen Habermas, Gilberto Mendonças Teles,
Ana de Castro Osório, Joseph-Marie Vien, Maria Bethânia, Arlete Salles, David
Lynch, Isabella Rosselini &
Bartolomeu Ammanati aqui.
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
Eve (1929), xilogravura do tipógrafo, escultor, ilustrador, gravurista e
designer gráfico inglês Eric Gill (1882-1940).
CANTARAU:
VAMOS APRUMAR A CONVERSA
O calor do abraço, do
xilogravurista Perron.
Recital
Musical Tataritaritatá.