LUGOME, SUA FAMILIA, SEU INFORTÚNIO -
(Imagem: Happy Family, da pintora
australiana nascida em Hong Kong, Sofan
Chan) – Alguns anos atrás apareceu pelas bandas de Alagoinhanduba, um certo
cidadão que atendia pela graça de Lugome. Este senhor pretendia alugar imóveis
para residência e negócio, com o fito de ali se estabelecer. Poucos dias depois
adquiriu uma casa pro seu lar e alugou uma loja, na qual passou a atuar no ramo
de farmácia. Poucos dias mais, o empreendimento fora igaugurado e logo se
conheceu sua esposa e filhos, que eram seus funcionários. Por sinal, uma bela
esposa e uma formosíssima filha adolescente. Por se tratar de gente boa praça,
logo apareceram os fregueses e, com eles, convites para Maçonaria, Lions,
Rotary, Legião da Boa Vontade, tornando-se ao cabo de poucos meses depois,
paraninfo de turmas escolares e figura carimbada nos mais diversos eventos e
efemérides dali. Durante a semana ele se dividia no atendimento da clientela no
expediente laboral e, à noite, ao convívio caseiro quando não havia reuniões
regulares da loja maçônica, sempre as segundas, e dos clubes de serviço,
entidades religiosas e outras instituições das quais fazia parte, nos demais
dias. No sábado o expediente se estendia até alta noite, quando fechava o
estabelecimento e rumava para o restaurante com familiares. Como não tinham ali
parentes, amigos ou aderentes, no domingo saíam para passear pela redondeza, conhecendo
as paragens da região: praias, balneários, locais pitorescos. Lugome sempre
fora um sujeito de casa para o trabalho. Aliás, ele e sua esposa Editilda, eram
tidos como o casal padrão, sempre junto dos filhos Júnior e a mais que graciosa
Dilinha. Diga-se de passagem, eram pessoas simpáticas, bem vistosas,
destacando-se a beleza de mãe e filha, juntas pareciam mais irmãs. Não havia
quem não passasse um rabo de olho de admiração para elas quando iam ou vinham
nas calçadas. A mãe, diplomada em Pedagogia, tornara-se, também professora em
escolas particulares e, depois de prestar concurso, ministrava aulas em escolas
públicas. Os filhos estavam no curso secundário da melhor escola particular
dali, andavam sempre juntos, poucas amizades e conversas com a população. O pai
por ser comerciante era o porta-voz e o mais enturmado, enquanto a mãe se
reduzia às relações com outras professoras, pais e alunos. Viviam na deles e só
entre eles, nunca se sabendo de compadrios e amizades íntimas. Mais de dez anos,
quase quinze por certo, já tidos como da sociedade local, de repente, fizeram
as malas e arribaram da noite pro dia de domingo pra segunda, sem despedidas
nem acenos. O que houvera? Ano passado topei com ele em um aeroporto do sul do
país. Esperávamos a aeronave juntos, embora com destinos diversos: ele ficaria
na primeira escala do voo dali pro sudeste e eu seguiria adiante até o
nordeste. Enquanto aguardávamos o embarque, trocamos conversa, até que ele me
confessou com face lívida e triste, o motivo de sua saída intempestiva de
Alagoinhanduba. Você não sabe, rapaz – disse-me com tom lacrimoso bastante consternado
-, fui vítima de uma situação para lá de constrangedora. Seguia num passeio
domingueiro, numa manhanzinha em família, quando fulano (disse-me o nome, não
me recordo, filho de um certo barão fazendeiro Rudenilio Brasilão que eu já
ouvira falar), pediu-me para parar meu carro e quando o fiz, ele e os capangas
da fazenda, uns doze ao todo, nos renderam, eu e minha família, escoltando-nos
para um matagal perto de uma mata da bica de Xareta, em Japarandubas. Lá
amarraram a mim e a meu filho, aprisionaram minha esposa e, se dizendo vingador
da negativa da minha filha em aceitar-lhe o namoro, esbravejou já que ela não
seria dele, não seria de mais ninguém. Furiosamente a estuprou violentamente na
minha frente e aos gritos: - Vou desmoralizar você e todos da sua família,
peste desgraçada. E abusou com torturas e penetrações anal, vaginal, oral,
afora utilização de instrumentos pontiagudos e cilíndricos, canos de revolveres
e espingardas enfiadas nas intimidades dela. Depois de satisfeito, exigiu que
cada um dos capazes fizesse o mesmo com ela, enquanto ele e outros dois
estupravam minha esposa, aos meus olhos e aos de meu filho, com a mesma sandice
torturante. Presenciamos tudo, uma orgia de horas, sem poder gritar, armas
engatilhadas na minha cabeça e na de meu filho, minha filha e esposa sofrendo
com a selvageria sexual dos brutamontes. Quando as duas desmaiaram
completamente ensanguentadas e nuas, eles se voltaram para mim e meu filho e
nos espancaram até cairmos desacordados. Quando voltei à consciência, estava
completamente cheio de dores por todas as partes do corpo, minha mulher e filha
desfalecidas e meu filho desmaiado. Esforcei-me em carregá-los todos para o meu
automóvel completamente danificado pela destruidora ação deles, e não sei como
consegui chegar ao hospital, sermos medicados e receber alta quase de
madrugada. Ao sair da emergência hospitalar não poderia fazer nada, a não ser
juntar tudo que podíamos num caminhão que aluguei, carregando ali todos os
móveis e estoque da farmácia para nunca mais voltar àquele lugar, nem vê a cara
de mais ninguém dali. Minha mulher e filhas ainda hoje, tantos anos passados,
ainda não se recuperaram por completo daquela trágica situação. Eu mesmo já não
sei de mim nem de nada, aquela cena me persegue todos os dias e noites sem me
deixar dormir. Vivo insone e conchilo a base de tranquilizantes. Só lhe contei
tudo porque a gente não vai se vê nunca mais. Passe bem e até. Nem consegui
dizer nada depois do relato, vez que ele se levantou bruscamente e rumou pro
embarque. Tentei me restabelecer e seguir, já que íamos no mesmo voo. E como a
aeronave estava cheia, não consegui localizá-lo nas poltronas para oferecer-lhe
minha solidariedade. Resolvi deixá-lo em paz e fiquei com aquele relato
repassando na minha cabeça. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
mais aqui.
Imagem: a arte Digital
papercuts do premiado designer gráfico e ilustrador estoniano Eiko Ojala.
Curtindo o álbum From Where I Sit
(Independent, 2006), da compositora, professora, instrumentista multimídia
& performática estadunidense Gina Biver.
PESQUISA
Fundamentos de história do direito (Del Rey, 2008),
organizada pelo professor e doutor em Direito, Antonio Carlos Wolkmer, tratando
sobre o direito nas sociedades primitivas, na antiguidade, na Idade Média, na
modernidade e na atualidade. Veja mais aqui e aqui.
LEITURA
Poesia
erótica em tradução
(Companhia das Letras, 2006), organizada pelo poeta, ensaísta, jornalista e tradutor José Paulo Paes (1926-1988), reunindo
dos poetas gregos aos surrealistas, como Catulo, Ovídio, Aretino, Goethe,
Baudelaire, Verlaine, Rimbaud, Apollinaire, Neruda & Joyce Mansour, entre
outros. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
PENSAMENTO DO DIA:
[...] Em ambiente em que a corrupção predomina dificilmente se prospera um
projeto para beneficiar os cidadãos, pois suas ações se perdem e se diluem na
desesperança. De nada adiante uma sociedade organizada ajudar na canalização de
esforços e recursos para projetos sociais, culturais ou de desenvolvimento de
uma cidade, se as autoridades municipais, responsáveis por esses projetos, se
dedicam ao desvio do dinheiro público.
Trecho recolhido da obra O combate à corrupção nas prefeituras do
Brasil (Ateliê, 2003), organizado por Antoninho Marmo Trevisan, Antonio
Chizzotti, João Alberto Ianhez, José Chizzotti e Josmar Verillo.Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
IMAGEM DO DIA
Sou da laia do mar de Aracaju,
Eu sou azul nas raias de lá, sou Atalaia Velha. (LAM)
Aracaju, da fotógrafa Luiza
Machado.
Veja mais sobre Brincarte do Nitolino, Norbert Elias, Alexander Pushkin, Jean-Luc
Lagarce, Luis Fernando Veríssimo, Paul Gauguin, Eduardo Camenietzki, Luiza
Curvo & Flávia Alessandra aqui.
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Arte de Rudson Costa.
Recital
Musical Tataritaritatá