A SOLIDÃO DE ADALGISA – Tributo para Adalgisa
Nery (1905-1980) – Aquela menina de Laranjeiras brincava nos meus olhos
infantis. Órfã de mãe, não simpatizava com a madrasta e foi logo interna no
colégio de freiras, onde adquiriu o apelido de subversiva, sendo mais tarde expulsa.
Na adolescência me preteriu pela primeira vez: casou-se e mais de uma década
depois a vejo intelectual sofisticada numa vida trepidante, viagens e conflitos
conjugais. Dos sete filhos, apenas dois sobreviveram. Para mim sempre fora a
Berenice de A imaginária, aquela que enviuvou para se tornar economiária e,
logo depois, os seus Poemas vieram público quando estava no Itamaraty. Pela
segunda vez me preteriu e seguiu pela vida movimentada da diplomacia e artistas
no México. Tornou-se logo embaixatriz plenipotenciária, com a Ordem da Águia
Asteca pelas conferências sobre Juana Inés de la Cruz. Com a nova separação
renegou sua obra, tornando-se jornalista altiva e caindo de cabeça na política
socialista. Foi cassada pela ditadura militar, doou tudo aos filhos e viu-se
pobre e desamparada, sem ter onde morar. Vi-lhe na Neblina, seu afeto e
lealdade, internada voluntariamente numa casa de repouso para idosos, em
Jacarepaguá. Em sua reclusão tornou-se A imaginária dos meus sonhos, por seus
Mundos Oscilantes de Mulher Ausente. Quem era Og, não sabia, só de seus Cantos
da Angústia e As Fronteiras da Quarta Dimensão. O seu Retrato sem Retoque,
contava 22 menos 1, a Erosão da vida, e ela se foi para nunca mais. Veja mais
aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
DITOS & DESDITOS - O sinal mais certo de
sabedoria é a alegria... A melhor coisa do mundo é saber pertencer a si mesmo...
Pensamento do jurista, filósofo, escritor e humanista francês Michel
Eyquem de Montaigne (1533-1592), que nos seus Ensaios (Orbis, 1984),
expressou que: Ninguém está livre de dizer asneiras: o mal consiste em dizê-las
com pompa... Isto não se aplica a mim, que digo as minhas tolices tão
naturalmente como as penso... Veja mais aqui e aqui.
ALGUÉM FALOU: Hoje, não
tenho nenhuma obrigação, como cidadã, de ter coragem. No século XIX, manter a
honra implicava em manter a coragem. Era melhor exagerá-la a estar ausente... É
um mundo violento e ao mesmo tempo essa violência era uma virtude necessária.
Hoje, considera-se desnecessária, porque na modernidade a afronta é vingada
pela lógica das instituições. Não é vingança, mas Justiça...
Pensamento da escritora e crítica literária argentina Beatriz Sarlo.
Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
DIÁRIO DA CURA – [...] A falta de boas maneiras é o sinal
de um herói.
[...] Estamos num período de tal individualismo que já não se fala de
discípulos; fala-se de ladrões. [....] Dentro
de duas semanas, apesar destas notas, não acreditarei mais no que estou
vivenciando agora. É preciso deixar um rastro desta
viagem que a memória esquece. É preciso, quando isso for
impossível, escrever ou desenhar sem responder às solicitações românticas da
dor, sem gostar do sofrimento como a música, amarrando uma caneta no pé se for
preciso, ajudando os médicos que nada podem aprender com a preguiça
[...]. Trechos extraídos
da obra Opium: The Diary of His
Cure (Peter Owen,
2001), do escritor, cineasta, dramaturgo,
desenhista e ator surrealista francês, Jean Cocteau (1889-1963), que na obra Les
Mariés de la Tour Eiffel (Nouvelle Revue Française, 1924) expressa: [...] Que uniforme posso usar para esconder meu coração pesado?
É muito pesado. Isso sempre aparecerá. [...] Uma
vez que estes mistérios me ultrapassam, fingimos ser os seus organizadores.
[...]. Veja mais aqui e aqui.
TRILOGIA DE BECKETT – MOLLOY: [...] Não espere ser caçado para se
esconder, esse sempre foi meu lema. [...] Sim, houve momentos em que esqueci não apenas quem eu
era, mas também o que eu era, esqueci de ser. [...] Se há
uma pergunta que temo e para a qual nunca fui capaz de inventar uma resposta
satisfatória, é a pergunta: o que estou fazendo? [...] Pois em mim sempre
existiram dois tolos, entre outros, um que não pede nada melhor do que ficar
onde está e o outro imagina que a vida poderia ser um pouco menos horrível um
pouco mais adiante. [...] Não querer dizer, não
saber o que quer dizer, não ser capaz de dizer o que pensa que quer dizer, e
nunca parar de dizer, ou quase nunca, é isso que deve ter em mente, mesmo em o calor da composição. [...] É
tão bom saber para onde você está indo, nos estágios iniciais. Quase te livra do desejo de ir para
lá. [...]
Quando um homem numa floresta pensa que está avançando em linha reta, na
verdade ele está andando em círculo, eu fiz o meu melhor para andar em círculo,
na esperança de andar em linha reta. [...] Pois não
saber nada não é nada, não querer saber nada da mesma forma, mas estar além de
saber qualquer coisa, saber que você está além de saber qualquer coisa, é aí
que a paz entra na alma do buscador indiferente. [...]
Essa é uma das muitas razões pelas quais evito falar tanto quanto possível. Pois eu sempre digo muito ou pouco,
o que é uma coisa terrível para um homem com uma paixão pela verdade como a
minha.
[...]. Trechos extraídos da obra Molloy (Biblioteca Azul, 2013), do
dramaturgo e escritor irlandês Samuel Beckett (1906-1989). Na obra Malone
Dies (Grove Pr, 1978), expressa que: [...] Nada é mais real do que nada. [...] Faço
uma pausa para registrar que me sinto em uma forma extraordinária. Delírio talvez. [...] Mas
eu sei o que é a escuridão, ela se acumula, engrossa e de repente explode e
afoga tudo. [...] digamos, antes de prosseguir, que
não perdôo ninguém. desejo a todos uma vida atroz no
fogo do inferno gelado e nas execráveis gerações que virão. [...] Palavras
e imagens correm em minha cabeça, perseguindo, voando, colidindo, fundindo-se,
indefinidamente. Mas além desse tumulto há uma grande
calma e uma grande indiferença, que nunca mais será perturbado por nada. [...]. Já na obra The Unnamable (Faber & Faber, 2010), expressa: [...] Você deve continuar. Eu não posso continuar. Eu continuarei. [...] Sim,
na minha vida, já que devemos chamá-la assim, houve três coisas, a incapacidade
de falar, a incapacidade de ficar em silêncio e a solidão, foi disso que tive
que aproveitar ao máximo. [...] Infelizmente tenho
medo, como sempre, de continuar. Pois continuar significa sair daqui,
significa encontrar-me, perder-me, desaparecer e começar de novo, primeiro um
estranho, depois, pouco a pouco, o mesmo de sempre, num outro lugar, onde direi
que sempre estive, do qual nada saberei, sendo incapaz de ver,
mover-me, pensar, falar, mas do qual pouco a pouco, apesar destas deficiências,
começarei a saber alguma coisa, apenas o suficiente para que se torne o mesmo
lugar de sempre, o mesmo que parece feito para mim e
não me quer, que parece que quero e não quero, faça a sua escolha, que me
vomita ou me engole, nunca saberei, que talvez seja apenas o interior do meu crânio distante onde antes eu
vagava, agora estou imóvel, perdido pela pequenez, ou encostado nas paredes,
com a cabeça, as mãos, os pés, as costas, e sempre murmurando minhas velhas
histórias, minha velha história, como se fosse o primeira vez. [...] Sou
todas essas palavras, todos esses estranhos, esse pó de palavras, sem chão para
se estabelecerem, sem céu para se dispersarem, reunindo-se para dizer, fugindo
um do outro para dizer, que eu sou eles, todos eles, aqueles que se fundem, os que se separam, os
que nunca se encontram, e nada mais, sim, outra coisa, que sou algo bem
diferente, uma coisa bem diferente, uma coisa sem palavras num lugar vazio, um
lugar fechado, seco, frio e negro, onde nada se mexe, nada fala, e que
eu ouço, e que procuro, como uma fera enjaulada nascida de feras enjauladas
nascida de feras enjauladas nascida de feras enjauladas nascida em uma jaula e
morta em uma jaula, nascida e depois morta, nascida em uma gaiola e depois morto em uma
gaiola, em uma palavra como uma fera, em uma de suas palavras, como uma fera, e
que eu procuro, como uma fera, com minhas poucas forças, uma fera, sem nada de
seu resta apenas o medo e a fúria, não,
a fúria passou, nada além do medo, nada de tudo o que lhe é devido a não ser o
medo centuplicado, o medo da sua sombra, não, cego de nascença, do som então,
se quiser, teremos isso, é preciso ter alguma coisa, é
uma pena, mas aí está, medo do som, medo dos sons, dos sons das feras, dos sons
dos homens, dos sons do dia e dos sons da noite, chega, medo dos sons tudo sons, mais ou menos, mais ou menos
medo, todos os sons, só há um, contínuo, dia e noite, o que é, são passos indo
e vindo, são vozes falando por um momento, são corpos tateando em sua direção,
é o ar , são as coisas, é o ar entre as
coisas, basta, que eu procuro, gosto, não, não gosto, como eu, do meu jeito, o
que estou dizendo, à minha maneira, que procuro, o que faço Eu procuro agora, o que é, deve ser
isso, só pode ser isso, o que é, o que pode ser, o que pode ser, o que eu
procuro, não, o que eu ouço, eu ouço, agora vem de volta para mim, eles dizem que eu
procuro o que ouço, eu os ouço, agora volta para mim, o que pode ser, e de onde
pode vir, já que tudo está em silêncio aqui, e as paredes são grossas, e como eu consigo, sem sentir uma
orelha em mim, ou uma cabeça, ou um corpo, ou uma alma, como eu consigo, fazer
o que, como eu consigo, não está claro, querido, você diz que não está claro,
alguma coisa é querer deixar claro, vou buscar, o
que está querendo, deixar tudo claro, estou sempre buscando alguma coisa, é
cansativo no final, e é só o começo. [...]. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
DOIS POEMAS - DE TEMPOS EM TEMPOS - A minha mãe
gosta de ir a este café com lâmpadas sóbrias, pedir biscoitos de baunilha, beba
sem pressa duas xícaras de chá preto como em um ato cerimonial. Eu a trouxe
aqui, então, entregando minha tarde laboriosa a esse gesto filial. Através das
enormes janelas vemos a vida pressionando lá fora enquanto falamos sobre dias
passados E o ambiente morno do lugar sugere que a felicidade não passa disso.
De repente, como se recuperasse palavras de um sonho ela diz: “É uma pena que
tudo tenha um fim”. Ela diz isso com um leve sorriso, porque ela sabe que ser
solene não combina com a tarde. (Minha mãe já tem setenta e quatro anos e ela
já foi linda.) No fundo das xícaras o chá pinta seus signos. Eu não sei o que
dizer. Olhamos a avenida, os rostos borrados dos transeuntes, as árvores que
ficam em silêncio. A noite
está caindo. UM ANTIGO CONTO - Os funcionários do hotel já conhecem a rotina:
uma mulher chegando ao amanhecer ou numa tarde de domingo - sem bagagem
distraído ainda humilhado fazendo um balanço. Chove no quarto dela, está sempre
chovendo. E ela não traz nada com ela: nenhum guarda-chuva nem mesmo uma escova
de dentes sem lâminas de barbear, sem Xanax. Os funcionários do hotel não ouvem
os ecos vindos daquela sala: uma fogueira, uma canção amarga voltando à sua
própria origem. Alguém está nos contando uma história antiga— alguém está
chorando e rezando receber um par de asas. Poemas da poeta e dramaturga colombiana Piedad
Bonnett.