Música é tudo o que se ouve com a intenção de ouvir
música.
A arte do compositor italiano Luciano
Berio (1915-2003), do vanguardismo da música e do domínio da
música experimental, utilizando a voz como instrumento principal, utilizando-se
de grandes corais, solistas e até distorções eletrônicas e técnicas de canto,
com assovios, diálogos e estalos com a língua e lábios.
O AMOR DE DEMETER - Era ela a deusa da
primavera e de todas as estações, aquela do Catálogo de Mulheres de Hesíodo que
eu vi passar entre as páginas. Lá estava ela, diante de mim, enlutada que
escondera numa gruta para que a terra se tornasse estéril. Havia saído do banho
no rio Ládon, o qual carregou em suas águas todas as mágoas para que
retornasse ao Olimpo. No meio do caminho ela me viu e com sua generosidade se
aproximou e procurou saber o que se passava comigo. Eu sofria de fome e
doenças, pois os grãos não germinavam, o arado quebrado, o gado morria e eu
desgraçado. Com seu jeito terno ouviu-me atentamente e resolveu ajudar,
ensinando-me a arte de cultivar a terra, semeá-la,
colher seus frutos e fazer o pão para que não mais padecesse. Ali ficou ao meu
lado pelos nove dias de setembro e ali aprendi a evolução de tudo e dos outros,
a sucessão das estações e a marcha do Sol. Puxou-me aos seus domínios e legífera,
com seu vestido amarelo dos trigos maduros aos pés, aboletou-se ao seu trono ornado
de tochas e expondo uma coroa de papoulas e espigadas. Uma serpente percorria seu
corpo sobre as vestes e pele, enquanto uma espiga e o narciso eram tocados pela
grou. Segurava em uma das mãos uma foice e na outra um punhado de papoulas. Perguntou
o que eu queria e sua tez rosada, olhos lânguidos, louros cabelos aos ombros,
seios opulentos, mostrou-me um sorriso. Logo ela mudou de tom e confessou arrependida
por haver sofrido a vida toda enquanto fertilizava os solos e cobria de grãos e
ervas todos os campos da terra. Uma lagrimou rolou da sua face ao narrar que
foi violentada por seus irmãos, atacada por outros e que sofria da solidão de
nunca ter sido amada. Olhou-me profundamente e me chamou de Iasion. Não entendi
e ela repetiu o nome chamando-me para mais perto. Obedeci. Diante da sua
esplêndida expressão, levantou-se e beijou meus lábios. Agarrou-se a mim qual
amante viúva e me fez sua remissão. Dos beijos às libações de vinho doce para
me iniciar nos mistérios de Hierofanto de Dôneo, o chefe dos Lampadoros, e
Hierocérie dos arautos sagrados e assistente da Lua, até ter-me qual arconte-rei.
E nos beijamos nus por lençóis de nuvens e ventos, e fez-se égua e eu amei a
deusa das searas, inventora das leis e me fez seu garanhão alado por
constelações e confins, finalmente amou de verdade e amava e era amada
por dias e noites eternas. Depois do bilionésimo amanhecer, ela levantou-se nua
e me encheu de presentes. Deu-me tudo, até um
carro puxado por dois dragões, a foice, a maçã, os grãos e a cornucópia. Levou-me
para todas as suas festas, as Demetrias, as Eleusinas, as Cereálias e as
Temosforia, pelos campos dourados de sua amável divinização em ser amante
devassa e inteira só para mim. © Luiz Alberto
Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e, depois, aqui e aqui.
DITOS & DESDITOS - Um livro
nunca é uma obra-prima: torna-se uma. A história é um romance que aconteceu; o
romance é a história que poderia ter acontecido. Há homens, há uma mulher.
Pensamento do escritor francês Edmond de
Goucourt (1822-1896).
ALGUÉM FALOU: Devemos
ler, mas também devemos pensar. Conheço pessoas que leem e leem, mas a quem
talvez valesse o mesmo passar manteiga no pão. O esforço que empregam a leitura
é o mesmo que homens melhores empregam ao levar o copo à boca. Pensamento
do novelista britânico Arnold Bennett
(1867-1931).
A RALÉ BRASILEIRA - [...] Mudam-se os jogos
da dominação, que pressupõe desconhecimento sistemático da realidade sob a aparência
de conhecimento, mas se preserva o mesmo sucesso ao se travestir do espírito
(quantitativo) da época. É isso que explica que a forma como a sociedade
brasileira percebe, hoje em dia, seus problemas sociais e políticos seja “colonizada”
por uma visão “economicista” e redutoramente quantitativa da realidade social.
O economicismo é, na realidade, o subproduto de um tipo de liberalismo
triunfalista hoje dominante em todo o planeta (isso se mantém, apesar da
recente crise, já que a articulação de uma contraideologia nunca é automática),
o qual tende a reduzir todos os problemas sociais e políticos à lógica da
acumulação econômica. Como historicamente entre nós se gestou entre os anos de
1930 e 1970 um tipo amesquinhado e pretensamente crítico de liberalismo que se
consolidou como visão hegemônica do país desde os anos de 1970 e 1980 até hoje
em dia, a união desses dois contextos, internacional e nacional, no sentido de
uma síntese conservadora, fez com que a elaboração consequente e convincente de
uma visão alternativa se tornasse especialmente difícil. [...] Como todo conflito social é dramatizado
nessa falsa oposição entre mercado divinizado e Estado demonizado, os reais
conflitos sociais que causam dor, sofrimento e humilhação cotidiana para
dezenas de milhões de brasileiros são tornados literalmente invisíveis. É essa
invisibilidade da sociedade e de seus conflitos — que é o principal produto do
tipo de ciência social conservadora que se tornou dominante entre nós nas
universidades, na grande imprensa e no debate público — que permite um tipo de economicismo,
que, de tão hegemônico, transformou-se na única linguagem social compreensível
por todos. É esse contexto desolador que explica que, mesmo nos setores não
identificados com a manutenção indefinida dos privilégios de mercado de alguns
poucos, nossos graves problemas sociais e políticos sejam todos
superficialmente percebidos e amesquinhados a questões de “gestão de recursos”.
Com isso, cria-se a falsa impressão de que conhecemos os nossos problemas
sociais e que o que falta é apenas uma “gerência” eficiente — a crença
fundamental de toda visão tecnocrática do mundo — quando, na verdade, sequer se
sabe do que se está falando. [...] É a
herança imaterial, mesmo nesses casos de frações de classes em que a riqueza
material é o fundamento de todo privilégio, na verdade, que vai permitir casamentos
vantajosos, amizades duradouras e acesso a relações sociais privilegiadas que
irão permitir a reprodução ampliada do próprio capital material. Na classe
média a cegueira da visão redutoramente economicista do mundo é ainda mais
visível. Essa classe social, ao contrário da classe alta, se reproduz pela
transmissão afetiva, invisível, imperceptível porque cotidiana e dentro do
universo privado da casa, das precondições que irão permitir aos filhos dessa
classe competir, com chances de sucesso, na aquisição e reprodução de capital
cultural. O filho ou filha da classe média se acostuma, desde tenra idade, a
ver o pai lendo jornal, a mãe lendo um romance, o tio falando inglês fluente, o
irmão mais velho que ensina os segredos do computador brincando com jogos. [...] Para se compreender porque existem classes
positivamente privilegiadas, por um lado, e classes negativamente
privilegiadas, por outro, é necessário se perceber, portanto, como os “capitais
impessoais” que constituem toda hierarquia social e permitem a reprodução da
sociedade moderna, o capital cultural e o capital econômico, são também
diferencialmente apropriados. O capital cultural, sob a forma de conhecimento
técnico e escolar, é fundamental para a reprodução tanto do mercado quanto do
Estado modernos. É essa circunstância que torna as “classes médias”, que se
constituem histórica e precisamente pela apropriação diferencial do capital
cultural, em uma das classes dominantes desse tipo de sociedade. A classe alta
se caracteriza pela apropriação, em grande parte pela herança de sangue, de
capital econômico, ainda que alguma porção de capital cultural esteja sempre
presente. [...]. Trechos extraídos da obra A ralé brasileira: quem é e como vive (EdUFMG, 2009), do sociólogo Jessé Freire de Souza, que trata de uma classe de pessoas que não
pertencem às classes alta e média, formando o grupo de excluídos e expressões
como: A ralé é a grande questão
esquecida. O Brasil não tem 500 problemas, mas um grande problema, que é essa
desigualdade abissal do qual decorre mais de mil problemas. A primeira parte da obra trata sobre o mito brasileiro e
encobrimento da desigualdade, a construção do mito da brasilidade, o senso
comum e justificação da desigualdade para formação de uma ciência conservadora,
a tese do patrimonialismo, a demonização do Estado corrupto, a divinização do
mercado como reino da virtude e os limites do politicamente correto. A segunda
parte trata do Brasil além do mito e os conflitos, trazendo outros
colaboradores como Maria Teresa Carneiro, Emerson Rocha, Emanuelle Silva,
Roberto Torres, Tábata Berg, Patrícia Mattos, Fabrício Maciel, André Grillo,
Lorena Freiras, Lara Luna, Priscila Coutinho, entre outros, tratando de temas
como as mulheres da ralé, o fundo do buraco, a miséria do amor dos pobres, a
dor e o estigma da puta pobre, os homens da relé, o crente e o delinquente, o
trabalho que indignifica o homem, a má-fé institucional, a instituição do
fracasso, a má-fé da saúde pública e da justiça, o racismo, a naturalização da
ralé e a má-fé da sociedade, contando com posfácio sobre o método da pesquisa e
anexos, de José Alcides Figueiredo Santos sobre posição de classes destituídas
e os números dos destituídos no Brasil.
O REI AMARELO - [...] Em uma manhã no
início de maio, eu estava parado diante do cofre de aço em meu quarto, experimentando
o diadema de ouro e joias. Os diamantes reluziram como fogo quando me virei para
o espelho, e o ouro batido, pesado, queimava como um halo em torno da minha
cabeça. Eu me lembrei do grito agonizante de Camilla e das palavras horríveis
ecoando pelas ruas sombrias de Carcosa. Eram as últimas linhas do primeiro ato,
e não ousei pensar no que viria a seguir. Não ousei, nem sob o sol de
primavera, em meu próprio quarto, cercado de objetos familiares, tranquilizado
pelo movimento da rua e pelas vozes dos criados no corredor lá fora. Pois
aquelas palavras envenenadas tinham escorrido lentamente para o meu coração,
como o suor da morte escorre para o lençol de uma cama e é absorvido. [...]. As leis que proibiam o suicídio e puniam
qualquer tentativa de autodestruição foram abolidas. O governo achou apropriado
reconhecer o direito do homem de acabar com uma existência que pode ser
insuportável devido ao sofrimento físico ou desespero mental. Acreditamos que a
comunidade será beneficiada pela remoção dessas pessoas de seu convívio. Desde
a aprovação desta lei, o número de suicídios nos Estados Unidos não aumentou.
Agora que o governo resolveu criar Câmaras Letais em todas as cidades, das
maiores aos menores vilarejos do país, resta ver se esse tipo de criatura
humana, de cujas fileiras desalentadas diariamente surgem vítimas da
autodestruição, aceitará o alívio que elas fornecerão. [...] Os livros são o clorofórmio abençoado da mente. [...]. Trechos
extraídos da obra O rei amarelo (Estampa, 2001), do escritor e ilustrador
estadunidense Robert Chambers
(1865-1933).
Amor
Quando
duas pessoas fazem amor
Não
estão apenas fazendo amor
Estão
dando corda ao relógio do mundo
VERÃO
No
capinzal o meu cabelo cresce.
Pende,
polpa madura, o labirinto no fruto
Todo o
calor te diz: "amadurece Mais, ainda mais e tomba"!
Eu não
espero
Vento
nenhum que te derrube,
Eu quero
que tombes,
Doce e
morna, por ti mesma,
Onde
mais sejas desejada e apetecida...
Vem!
Faremos
Da
verdura acre
E doce
polpa
Manjar
que as reses lamberão
E virão
farejar os animais noturnos
Antes de
que nos sorva, lentamente o chão...
A CRIAÇÃO DA XOXOTA
Por ocasião do centenário do grande poeta
gaúcho, versos de puro lirismo!
Sete bons homens de fino saber
Criaram a xoxota, como pode se ver:
Chegando na frente, veio um açougueiro.
Com faca afiada deu talho certeiro
Um bom marceneiro, com dedicação.
Fez furo no centro com malho e formão
Em terceiro o alfaiate, capaz e moderno.
Forrou com veludo o lado interno
Um bom caçador, chegando na hora.
Forrou com raposa, a parte de fora.
Em quinto chegou, sagaz pescador.
Esfregando um peixe, deu-lhe o odor.
Em sexto, o bom padre da igreja daqui.
Benzeu-a dizendo: 'É só pra xixi!'.
Por fim o marujo, zarolho e perneta.
Chupou-a, fodeu-a e chamou-a...
Buceta!
MÁRIO QUINTANA – Poeta gaucho teve seu primeiro livro publicado em 1940, A Rua dos Cataventos. Em 1943, começa a publicar o Do Caderno H, espaço diário na Revista Província de São Pedro. Canções, seu segundo livro de poemas, é lançado em 1946 pela Editora Globo. O livro traz ilustrações de Noêmia. Lança, em 1948, Sapato Florido, poesia e prosa, também editado pela Globo. Nesse mesmo ano é publicado O Batalhão de Letras, pela mesma editora. Seu quinto livro, O Aprendiz de Feiticeiro, versos, de 1950, é uma modesta plaquete que, no entanto, obtém grande repercussão nos meios literários. Foi publicado pela Editora Fronteira, de Porto Alegre. Em 1951 é publicado, pela Editora Globo, o livro Espelho Mágico, uma coleção de quartetos, que trazia na orelha comentários de Monteiro Lobato. Com seu ingresso no Correio do Povo, em 1953, reinicia a publicação de sua coluna diária Do Caderno H (até 1967). Publica, também, Inéditos e Esparsos, pela Editora Cadernos de Extremo Sul - Alegrete (RS). Em 1962, sob o título Poesias, reúne em um só volume seus livros A Rua dos Cataventos, Canções, Sapato Florido, espelho Mágico e O Aprendiz de Feiticeiro, tendo a primeira edição, pela Globo, sido patrocinada pela Secretaria de Educação e Cultura do Rio Grande do Sul. Com 60 poemas inéditos, organizada por Rubem Braga e Paulo Mendes Campos, é publicada sua Antologia Poética, em 1966, pela Editora do Autor - Rio de Janeiro. Lançada para comemorar seus 60 anos, em 25 de agosto o poeta é saudado na Academia Brasileira de Letras por Augusto Meyer e Manuel Bandeira. Info: Karl Leite Natal, RN.Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
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Fecamepa & a escravaria toda, Monteiro Lobato, Cruz e Sousa, Milton
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CRÔNICA DE AMOR POR ELA - LITERÓTICA
CANTARAU:
VAMOS APRUMAR A CONVERSA
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