SOMBRAS DO CHÃO NO CÉU DE MACEIÓ – Era
1994 e eu já sabia então dos vazamentos invisibilizadores do Vergel do Lago,
Pontal, Prado, Trapiche da Barra, emporcalhando a Mundaú com a sombra dos
fantasmas do sal-gema. As dores emergiam da Motonáutica desconhecendo quem mais
houvesse além dos passeios suntuosos das lanchas e barcos dos endinheirados.
Havia quem sonambulasse pelas ruas dos bairros ameaçados, sem que se noticiasse
qualquer dano ou avaria: tudo era devidamente escondido sob a Lei e os
interesses escusos compradores das instituições protetivas. Enquanto os estrépitos
da festa do progresso e do desenvolvimento há décadas, os cloretos de potássio,
magnésio e sódio tomavam os olhos e manchavam-no para a cegueira salinizada
expandida por Mutange e Bebedouro, Bom Parto e Pinheiros, Farol e adjacências, sob
minas ocultas da soda cáustica homicida com os seus trofeus de procelanas
anunciando o que nunca dirá do que será o aquífero de Marituba, o abastecimento
d’água e as vidas que sucumbirão ao que jamais se possa prever. Quem sabe como
Maceió sobreviverá, só quem viver sob a iminência do desastre anunciado. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui,
aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e
aqui.
DITOS & DESDITOS - Todos os negros, mesmo que
minimamente conscientes, os negros que alguma vez experimentaram a cruzada do
poder tecnológico da Europa na vanguarda de uma missão civilizadora, têm
profundos sentimentos de inferioridade e lamentam amargamente o facto de a
Revolução Industrial não ter começado de forma agradável em Daomé ou em Dakar. Nada se consegue ocultando este fato. Tenho visto colonos brancos em
África que juraram que nunca se sentariam à mesa com aqueles “negros
fedorentos” sentando-se muito felizes com membros de tribos seminus quando um
país alcançasse a independência. É o contexto de poder que muda o comportamento e transmuta a antipatia em
simpatia. Afinal,
se chegarmos a esse ponto, realmente não existe nem Ogum nem Jesus! Existem apenas formas mistificadas
de nossa consciência. Pensamento do escritor sul-africano Lewis Nkosi (1936-2010).
ALGUÉM FALOU: As mulheres não podem continuar a
ser uma massa inerte junto à actividade social masculina, mas sim aspirar a
partilhar obrigações e direitos com os homens; Numa palavra, quer tornar-se a
criatura consciente e digna, chamada a colaborar e a preparar um futuro feliz...
Uma das coisas que preferencialmente deveria chamar a atenção da sociedade,
pela sua grande importância e necessidade, é a cultura e a educação das
mulheres, da qual depende a civilização e o progresso dos povos. Lidar com a educação das mulheres é
lidar com a regeneração e o progresso da humanidade... Pensamento da jornalista,
escritora e ativista espanhola Carmen de Burgos y Seguí (também
conhecida pelos pseudônimos Colombine, Gabriel Luna, Perico el de los Palotes, Raquel,
Honorine e Marianela).
DEZESSETE ANOS - [...] dez anos depois, no dia em que
finalmente aprender, ouvirei, não julgarei, aprovarei, ficarei feliz em saber,
ficarei tranquilo, não terei mais medo, terei o direito reclamar, ser de má fé,
ouvir a dor da minha mãe, da minha avó, retrucar para elas, Raya e Macha
escolheram a vida, fizeram bem, sejam como elas, esqueçam a vergonha e a culpa.[...] o dia em que finalmente vou aprender, vou ouvir, não vou
julgar, vou aprovar, ficarei feliz em saber, serei tranquilizado, não terei
mais medo, terei o direito de reclamar, de estar de má fé, de ouvir a dor de
minha mãe, minha avó, de retorná-los, Raya e Macha os escolherem. [...] Não lamente porque você está sozinho, aproveite o café
quente, o humor do filme que você vai ver, ler, e se você é capaz de
escrevê-lo, escrever cartas, escrever poemas, se você pode livros, não pense
sobre o que você não tem. [...] Ela
me diz que ser judeu é assustador. [...] O que é
judeu em mim? [...] - Estou com medo. Receio que o tempo todo isso
aconteça com meus filhos, eu não sou um crente, mas todas as noites eu adormeço
orando, sem piedade nada lhes acontece. Se alguma coisa acontecesse com eles,
eu morreria. 65-66 (em inglês) [...] Não é o terror da maioria das mães,
independentemente de sua religião, suas origens, o passado de seus
antepassados? [...] A noite, antes de adormecer,
se ela não estiver muito cansada, ela vem me beijar na minha cama de infância.
Não é possível reivindicar mais, uma acarícia onde um beijo, amor, porque no
mundo de Helen o amor está enterrado para sempre. "É o caso de lá. [...].
Trechos extraídos da obra La réparation ( J'AI LU, 2013), da escritora,
jornalista e cineasta francesa Colombe Schneck.
NOUTRO LUGAR, NÃO AQUI – Noutro
lugar, não aqui, uma mulher poderia trocar \ algo entre o belo e lugar nenhum,
de regresso ali\ e aqui, poderia fazer progressos na sua\ agitada vida, mas eu
tentei imaginar um mar que não\ sangrasse, um olhar de rapariga cheio como um
verso, uma mulher\ a envelhecer e sem chorar nunca ao som de um rádio a sibilar\
o homicídio de um rapaz negro. \ Tentei que a minha garganta\gorjeasse como a
de uma ave. Escutei o duro\ bisbilhotar de raça que habita esta estrada. Mesmo
nisto\ tentei murmurar lama e plumas e sentar-me tranquilamente\ nesta folhagem
de ossos e chuva. Mastiguei algumas\ folhas votivas aqui, o seu sabor já a
desencantar\ as minhas mães. Tentei escrever isto calmamente\ mesmo quando as
linhas ardem até ao fim. Acabei por aprender\ algo simples. Cada frase
imaginada ou\ sonhada salta como uma pulsação com história e toma\ partido. O
que eu digo em qualquer língua é dito com perfeito\ conhecimento da pele, em
embriaguez e pranto,\ dito como uma mulher sem fósforos e mecha, não em\ palavras
e em palavras e em palavras decoradas,\ contadas em segredo e sem ser em
segredo, e escuta, não\ se extingue nem desaparece e é abundante e impiedoso e
ama. Poema da escritora, documentarista e professora canadense Dionne Brand.