segunda-feira, julho 28, 2025

CLARE LESLIE HALL, FRANTZ FANON, MARJORIE AGOSÍN & CABOCLINHO PERNAMBUCANO.

 

 Imagem: Acervo ArtLAM.

Ao som dos álbuns Vermes (2016), Ano (2018), Fibs (2019), Solavancos por minuto: 18 estudos para Dodgems (2021) e Nuc (2023), da compositora escocesa Anna Meredith (Anna Howard Meredith).

 

Rapsódia pícara tirada dum livro... - Zé Bunito não nasceu: foi achado. Como assim? Toda vez que a viúva beata Zodófila atravessava a esquina da matriz, um papagaio gritava: É ela! E um guenzo seguia seus passos, depois outro, uma matilha de vira-latas perseguida por preás, caçotes, cassacos, marrecos, saguis, lagartixas, tatus, marrãs, borboletas, cabritos, novilhos, zig-zig, até um urubu-da-asa-quebrada e um casal de cascavel se engalfinhando. Diziam as más línguas: Ela tá no cio! Aquela viuvinha sem filhos, aos 22 anos, quando deu fé do falatório, virou-se pra enxotá-los e o espanto foi dela: um bebê engatinhava imundo balançando a torneirinha como se perguntasse: Por que parou? Ela: Xô pra lá! Vixi, sai-te! Foi tangendo a bicharada pra pegar o bebê nos braços e seguiu pra casa: Coisa mais linda, meu Deus! Deu-lhe banho, manha, nome e maternidade: Bonito! Catou os piolhos, tirou os grudes do couro, desencardiu sua pele, avivou seus faces, comprou roupas decentes prele mijá-las e ganhar a alcunha de menino mijão. Era o xodó da casa. Com o tempo o colocou em pé e botou a falar, escrever e se expressar. Deu trabalho e ela não escondia seu regozijo, a sua exacerbada afeição cegava-a de não ter noção do come-come devorando tudo, muito menos percebera que seu jardim se tornara um zoológico, com amontoada fauna, até curiosos. Mas nem ligou: ele era a menina dos seus olhos. O bruguelo tinha mania de falar com os bichos e plantas: Será lelé? Dele cuidou, dengou e, aos 10 anos, ele botou as manguinhas de fora juntando todo tipo de cacareco e agarrado num coco às umbigadas. O que é isso? Redobrou os cuidados e manhas. Aos 11 queimou o púbis esfregando-se no cano de escape do fusquinha. Menino! Aos 12 foi pego aos carinhos achegados numa cadela. Pelo amor de Deus! Aos 13 flagrado fungando o cangote da empregada-babá. Ao invés de puni-lo pelas presepadas inesgotáveis, preferiu despachar a serviçal pra nunca mais. Tome jeito! Relevava, só injuriada ao vê-lo na micção com toda marra pelos cantos da casa. Será que não aprende? Ruborizada sapecava: adolescente imprestável! Admoestações levaram-no pra cama dela, tomando jeito de gente. Tudo ia bem até ele cair num marasmo entediante de só sair dele ao se alvoroçar com presença da indomável Lampioa pelas redondezas. Endoidou o cabeção de quase morrer duma paixonite braba. Perdeu o sono, o apetite, quase o juízo de vez e arrumou as trouxas a ganhar o mundo no encalço da destemida. Diante dela declarou-se, tornou-se capacho e apanhava todo dia: canário do bom. Um dia lá, ela arretou-se, chamou na grande e deu-lhe um chute na bunda de deixá-lo troncho ao deus dará. E agora? Sem ter pra onde ir, deu-se a volta do filho pródigo e sem avisar. Todo empulhado foi recebido aos bregues detratores mais cabeludos, a maior catilinária: todos os seus podres passados a limpo e fedendo brabo. Mas a complacência materna conteve os arroubos passionais: estava comovida com os trapos dele. Aí, tudo se dissipou. Viu-se a salvo da situação. Isso até o momento em que bateram à porta. Era Lampioa: Cadê aquele cabra safado? Zodófila, benzódeus, teve um troço e caiu morta na hora. Resumo da ópera: nem a cangaceira brava, nem nada – a família da finada expulsou-o, pro olho da rua! Voltou pra orfandade, batendo cabeça, tombando na penúria. Reatou-se consigo e foi pro trampo, às próprias custas. Fazia disso e daquilo, para errar feio perante uma cigana glutona: Alto lá! Qual era? Faca de dois gumes. Acuado, rendeu-se. Ela sorriu toda solícita e aos agrados, dele mergulhar na proboscídea de quase perder o fôlego numa congestão. Empanturrou-se de ficar com o bucho estropiado. Segurava a barriga enquanto o anódino era ministrado. Nada de curar. Soltou um peido e saiu feito louco com o boga às labaredas. Escafedeu-se, até ver-se uma semana depois aliviando-se com os fundilhos chiando dentro da água, atolado num rio raso embaixo da ponte. Saiu lasso absolvido, só não previa um estampido: Ploft! Tudo de novo, foi a praga! Sufocado pela catinga: Quase me mata! Foi checar as fezes assassinas: eram pedras preciosas! Vixe! Conferiu aquela revelação: um golpe de sorte! Tô cagando ouro! Logo viu pérolas, diamantes, topázios, rubis, esmeraldas, todas vivas e se arrastando, fugiam dele. Oxe! Seguiu as pistas e deu num ninho delas: Tô rico! Nessa hora deu um vento demolidor e o diabo veio cobrar a conta: Como é que é? Ah, não. Usou da malandragem, cuspiu e se borrou todo. Deu azo, pintou e bordou de deixar o malquisto caduco depois da trapaça. Escapou carregando o quanto pode na fuga, não aguentou o peso dos brilhantes que incharam esmagando-o. Depois de muito se arrastar exaurido, já imaginava o seu sudário com os sonhos recorrentes. Delirava e encontrou Deus. No primeiro dia a zombaria da tabica: Vamos prestar contas? Ele pegou o beco pela direita e, no segundo dia, deu-se o reencontro com a enciclopédia de pecados – começando pela infâmia adolescente num rosário de sandices pecaminosas. Apontou prum lado e saiu pelo outro esgueirando-se na carreira. No terceiro dia: Adianta fugir não. Aí abriu-se um buraco no chão e socou-se dentro, saindo não se sabe onde. No quarto dia: Vai pra onde? De novo, peraí! No quinto: Quer me enrolar é? Eita, esqueci ali. No sexto: Vai tapiar com mais o quê? Vixe! No sétimo descansou, era o seu escarmento: perdia tudo, quebrando o que tocasse e se viu na pele do Akaki de Gógol e da filha de Hébuterne. Finou reduzido às páginas dum livro esquecido numa prateleira de biblioteca longínqua. Muitos anos depois, eis que um leitor apareceu para lê-lo, oportunamente escapuliu e foi reviver as coisas como estavam. Arrojou-se rastejante por tudo quanto era canto apurando o noticiário: guerras, assaltos, atropelamentos, afundaram um navio da Marinha, derrubaram um teco-teco da Aeronáutica, roubaram as armas dum batalhão do Exército. Êpa! Como é que é? Oxente. E antes de qualquer infortúnio imprevisível pra sua banda, logrou forjar a própria morte definitivamente, às páginas do livro, ao esquecimento e a murmurar: Vale a pena não: o mundo continua o mesmo de sempre, mudou nada. Até mais ver.

 

Ann Brashares: Para escrever uma história, eu acho que você realmente tem que se abrir para o mundo... Como escritor, você vive em tal isolamento. É difícil imaginar que seu livro tenha uma vida além de você... Veja mais aqui, aqui, aqui & aqui.

Isabel Allende: Você pode contar as verdades mais profundas com as mentiras da ficção... Escrever é como fazer amor. Não se preocupe com o orgasmo, concentre-se apenas no processo... Veja mais aqui, aqui & aqui.

Lolita Pille: A monstruosidade virou padrão de beleza... Veja mais aquí.

 

DOIS POEMAS

Imagem: Acervo ArtLAM.

ELA DESEJAVA SER UMA ILHA - Ansiava por ser uma ilha, \ Ela amava a loucura desenfreada deles, as ilhas, \ Ela ansiava por chegar a uma ilha que, talvez, não fosse uma ilha. \ Despoje-se dos amores ruinosos e pedregosos \ Ela desejava ser uma ilha \ Só habitar a cintura do mar \ E não sair ou voltar \ Para ser apenas uma ilha \ A Ilha da Noite \ A Ilha do Amingau \ Ilhas.

SETE PEDRAS - Hoje eu peguei \ Sete pedras \ assemelhar-se a aves e órfãos \ na areia morta. \ Eu olhei para eles \ Como se fossem ofertas \ de tempos incomuns, \ Como se fossem \ sete viajantes ameaçados de extinção. \ Como uma feiticeira, eu me aproximei \ e muito gentilmente \ Umedeça-os a umedeçam \ contra a minha bochecha. \ Eu queria \ Para ser sete pedras \ Dentro da minha pele, \ ser, por um instante, muito redondo e suave \ Então alguém me pegaria \ e fazer fendas nos meus lados \ com a voz úmida do vento. \ Eu queria \ Você para me pegar, \ para me beijar, \ Então eu poderia ser uma pedra de rio \ na sua boca do estuário. \ Eu guardo as sete pedras \ - No meu bolso. \ Eles fazem um monte \ em minha mão \ E em minhas histórias \de ausências, \ Um som de musgo.

Poemas da premiada escritora chilena Marjorie Agosín (1955- 2025), autora das obras Conchali (Senda Nueva de Edições, 1980), Brujas Y Algo Más: Bruxas e Outras Coisas (Latin American Literary Review Press, 1984), Violeta Parra: santa de pura greda: un estudio de su obra poética (Planeta, 1988), La Felicidad (Editorial Quarto Propio, 1991), Sargazo (White Pine Press, 1993), La Alfareras (Editorial Quarto Próprio, 1994), Tapeçarias de esperança, fios de amor (University of New Mexico Press, 1996), O Olhar de uma Mulher: Artistas Mulheres Latino-Americanas (White Pine Press, 1998), O alfabeto em minhas mãos: uma vida de escritor (Rutgers University Press, 2000), Sempre de outro lugar: memórias do meu pai judeu chileno (Feminist Press, 2000), Mulheres, gênero e direitos humanos: uma perspectiva global (Rutgers University Press, 2001), Segredos na Areia: As Jovens de Juárez (White Pine Press, 2006), La Luz del Deseo (Swan Isle Press, 2010) e  Eu vivi em Butterfly Hill (Simon & Schuster, 2014).

 

PAÍS QUEBRADO – [...] Esta é uma história de amor com muitos começos. Recuso-me a pensar em como ela vai terminar. [...] Sinto meu rosto corar de raiva. Dia após dia, os homens são admirados por suas proezas sexuais, pelas "conquistas" gravadas em suas cabeceiras de cama. Já as mulheres, que ousam fazer o mesmo, são ridicularizadas, e, na maioria das vezes, são outras mulheres que distribuem o escárnio. [...] Você tem que se enganar pensando que já é aquilo que quer se tornar. [...] Esta é uma história de amor e é, de longe, melhor do que qualquer uma que já sonhei. Se me permitem um desejo, apenas um, é este: desejo que a nossa história tenha um final feliz. [...]. Trechos da obra Broken Country (Simon & Schuster, 2025), da escritora e jornalista inglesa Clare Leslie Hall.

 

ESCRITOS POLÍTICOS - [...] O racismo é uma praga na humanidade [...] O racismo não é um todo, mas o elemento mais visível, o mais cotidiano, para dizer o mínimo, às vezes, o mais grosseiro de uma dada estrutura. [...] As classes e as castas, o campesinato, o patronato, a classe operária, rejeitam o fardo. Estas contradições, estas lutas, repercutem-se naturalmente no Parlamento. Não só há um conflito entre partidos, como a crise é tal, que todos os partidos estão divididos, cindidos em clãs, segundo os jogos de interesses. É daqui que nascem as crises ministeriais, a causa da instabilidade governamental. [...] Colocar-se-ão os mesmos problemas: um esforço de guerra cada vez maior; uma hemorragia financeira cada vez mais dramática; conflitos sociais mais agudos e, no exterior, um isolamento mais completo. [...]. Trechos da obra Escritos Políticos (Boitempo, 2021), do psiquiatra e filósofo antilhano Frantz Fanon (Frantz Omar Fanon – Ibrahim Frantz Fanon – 1925-1961), que na sua obra Pele negra, máscaras brancas (EdUFBA, 2008), ele expressou que: [...] O que isso significa para mim, senão um desalojamento, uma extirpação, uma hemorragia que coagulava sangue negro sobre todo o meu corpo? No entanto, eu não queria ser esta reconsideração, esta esquematização. Queria simplesmente ser um homem entre outros homens. Gostaria de ter chegado puro e jovem em um mundo nosso, ajudando a edificá-lo conjuntamente [...] Meu corpo era devolvido desancado, desconjuntado, demolido, todo enlutado, naquele dia branco de inverno. O preto é um animal, o preto é ruim, o preto é malvado, o preto é feio; olhe, um preto! Faz frio, o preto treme, o preto treme porque sente frio, o menino treme porque tem medo do preto, o preto treme de frio, um frio que morde os ossos, o menino bonito treme porque pensa que o preto treme de raiva, o menino branco se joga nos braços da mãe: mamãe, o preto vai me comer! [...]. Já no seu volume Écrits sur l’aliénation et la liberté (La Découverte, 2015), também expressa que: Falar uma língua é assumir um mundo, uma cultura... No Mundo pelo qual viajo, estou me criando infinitamente. Os oprimidos sempre acreditarão no pior sobre si mesmos. Quando nos revoltamos, não é por uma cultura específica. Nos revoltamos simplesmente porque, por muitas razões, não conseguimos mais respirar. Cada geração deve, a partir da relativa obscuridade, descobrir a sua missão, cumpri-la ou traí-la... A violência é o homem recriando a si mesmo... Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

 

CABOCLINHO PERNAMBUCANO

O vídeo-documentário Caboclinho (Fundarpe/Iphan/Associação Respeita Januário, 2017), direção, roteiro, fotografia e edição Felipe Peres Calheiros, trata do registro audiovisual realizado entre 2011 e 2013, durante pesquisas de campo para a composição do Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC), retratando o universo da manifestação cultural que representada por meio da dança, música e religiosidade, a cultura indígena do Brasil. Originado a partir das reminiscências do Toré e da Jurema Sagrada, reelaboradas juntamente com outras influências culturais, reconhecido em 2016 como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. Conta com depoimentos de Severino Amaro Gomes (presidente da Tribo Tupi Guarani), José Alfaiate (presidente do Caboclinhos 7 Flexas do Recife), Zuleide Alves da Silva (presidente do Caboclinhos Oxossi Pena Branca), Hilton Souza Falcão (vice-presidente do Caboclinhos Kapinawá) e Nelson Cândido Ferreira (presidente do Caboclinhos 7 Flexas de Goiana). Veja mais aqui, aqui & aqui.

 

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