VIAGEM DE VOLTA
- Imagem da série Morpheus, da escritora, pintora e ilustradora Tatiana Móes. - Quantas vezes por janeiros
que se pareciam férias no Zimbábue e pensei em quem espera a condução pra onde
vai com dinheiro contado no bolso, só pra fugir do tédio e
participar do movimento que ninguém sabe aonde e ler os letreiros nas marquises,
os anúncios, rabiscos, pichações, os recados indecifráveis entre motores
raivosos com seus pousos e decolagens, turbulências e trepidações, o mundo e o
universo aos catabis na fantasia de fevereiro e nem sabia das paradas do trajeto,
casas e casas, nenhum lar e escalas, embarques e desembarques para que o
cenário voe depressa por sonhos que nascem do nada, só entretenimento. Quantos
foram e nem voltaram, passagens sem destino, bagagens perdidas em Burundi como
se o carnaval das árvores das queimadas, os céus esfumaçados e a vida dos
mortos insepultos no cordão dos famélicos até o ponto do enguiço com o golpe do
martelo inesperado na cabeça que endoida quantas cores, transeuntes,
gente que apenas vive, tantos em marcha à ré e não sabem quão novas e mesmas são de tão imperceptíveis, como se a popa ditasse a direção e a proa só passeio, outras revisitas, reencontros
não sabidos e a sensação mais vã de quem vai com todos em sentido contrário do
que imagino ser o caminho exato ou líquido e certo, sei lá. Não dá pra entender, devo estar perdido no que
penso por engates e reboques que a outros dão o prenúncio dos maremotos e
enchentes por março das águas e o que deixei de ver por distração na camisa de
Sol, atalhos perdidos, talhos que doem no abril das nênias e os afetos descartáveis
por quintais devastados, leirões destruídos, pomares incendiados, mórbidas
existências com seus sinistros sorrisos e alaridos nas travessias desmoronadas
e escorregadias pelas britas dos armazéns da memória que se dissolvem nos plexos
das desídias, amplexos da traição na língua dos efluentes para famintos do
Haiti e as sílabas do Congo nas bandeiras apócrifas, estandartes dos
interesses, a procissão de pedintes e camelôs nas indústrias das ruínas com todos
os maios das ladainhas do apocalipse da Libéria e as molas inseguras com seus
depósitos de abismos da Eritreia e nos descampados da razão do Niger, entradas confusas
entre antenas e pararraios de Malawi, tudo é tão dolorido quanto sofrível, quem dera fosse diferente. As fogueiras de junho estão acesas, são patíbulos das vaidades e reputações de Madagascar, sou eu no meu Brasil de tantos brasis e
eu crucificado nas placas indicativas e sinalizações do reino do impreciso,
interditos, superstições, interstícios e tripas torcidas nos templos do
paroxismo com as rezas das blasfêmias, ecos do passado sempresente, catequeses
e delírios perenes, caduquices por pinhões e palmeiras e favelas do Afeganistão e as malsinações
invernosas de julho pro aziago agosto que parecem Mali, porque sei quase não há
mais galope à beira-mar, quase tudo devastado pela erosão do tempo que parou em
Togo e a primavera nos dentes de setembro em Guiné, com as porteiras de morros
intransponíveis, serragens, pedreiras, trilhas desfeitas pelo matagal, sabores
que reportam coisa alguma de nada, ferro-velho, lixões, acessos proibidos, perigo
de propriedade privada da Etiópia com as emancipadas crianças sexagenárias de
outubro em Moçambique e quase também não há mais como levantar vanguardas defuntas
pelos disparos de Natal. São chuvas de bombas ácidas de Ano Novo às vésperas
dos túmulos de novembro, quando enterram-se as horas de dezembro com a implosão
dos espaços e o ruir dos tempos nas sucatas recicladas e tudo é coisificado no
reaproveitamento do câncer vivificado na reificação dos simulacros e outras ilusões pelos estuários das imundícies e nas fontes dos lodaçais e charcos das cloacas,
ah, o inferno de Dante nas misérias de Huxley, difícil é voltar e a cidade é um
deserto. © Luiz Alberto Machado.
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DITOS & DESDITOS:
Convidaram-me a falar sobre a educação em face da guerra. Eis aí um
grave problema. Antes de mais nada, os dois termos parecem repelir-se. Uma educação
ideal importaria na eliminação da guerra como meio de solução do choque de
interesses entre os homens. Uma guerra total, por sua vez, importaria no fim do
trabalho educativo do homem. Entretanto, paradoxalmente, vemos que educação e
guerra também se conciliam e que há mesmo, elaborada pelos regimes fascistas,
uma “educação para a guerra”, monstruosa e implacável, como também, por outro
lado, a guerra introduz nos sistemas normais de educação câmbios violentos e
profundos. Dessa educação
para a guerra seria pouco todo o mal que se dissesse. A criança submetida a um
treinamento moral e psicológico para o ódio é, sem dúvida, o mais triste
exemplar humano. E é com o coração encharcado de horror e piedade que pensamos
nesse menino alemão, nascido de 1933, para cá, e destinado a aprender uma
gramática, uma filosofia, uma poesia, uma arte preconceituosas, agressivas e
totalitárias. Mas já que essa educação existe e produz os seus frutos cruéis,
força é enfrentá-la, neutralizá-la, anulá-la. Não por uma contra-educação igualmente tendenciosa e dirigida. Mas sim
por uma educação natural, a pura e desinteressada educação do espírito,
destinada a formar homens de boa vontade e calma coragem, não autômatos ou
possessos. A guerra que o facismo espalhou pelo mundo impõe-nos, assim, uma
tarefa: a de restaurar a educação nos princípios básicos de que se haja
afastado; e de cultivá-la na parte em que se haja mantido fiel a esses princípios.
Ao lado dos problemas militares, econômicos e políticos que dizem respeito à
organização e à movimentação da guerra, devemos cuidar de estabelecer normas
educativas que importem na saúde moral e mental da criança e do jovem. E é
voltando às letras clássicas, às boas e esquecidas humanidades [...] restituiu ao nosso currículo secundário, e
temperando-as com gosto da pesquisa e o sentimento da vida moderna; é mantendo
a tradição do espírito com as ferocidades do mito racial e político, é, em suma
“cultivando o nosso jardim”, como queria o mestre francês, que prepararemos
gerações mais felizes e menos susceptíveis da embriaguez pela guerra, mas
realmente dispostas a fazer essa guerra quando periclitem os valores humanos. Cultivemos
o nosso jardim, e que esse jardim seja espaçoso e nele caibam todas as espécies
dignas de ser contempladas, como todos os encantos que se dirigem ao melhor da
nossa sensibilidade e de nossa inteligência. Não deixemos que o animal feroz do
nazismo invada esse horto sereno. Eis aí, em linguagem figurada, mas que pode
ser facilmente transcrita para termos reais, o dever que incumbe hoje
primacialmente ao educador. Mesmo não pegando em armas ele pode trazer uma
contribuição inestimável à luta que todos os países livres hoje desenvolvem
contra os países de rapina e destruição. Que o educador prepare homens livres,
e a liberdade reinará no mundo.
A educação em face da guerra, do poeta, contista
e cronista Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), extraído da obra Drummond, testemunho da experiência humana
(Abravídeo, 2011), de João Camilo Penna. Veja mais aqui.
A ARTE DE TATIANA MÓES
A arte da escritora, pintora e ilustradora Tatiana Móes.
AGENDA:
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A sexta é o dia!, Hermann Hesse, Rubem
Braga, Lewis Carroll, Tomas Tranströmer, Carlo
Mollino, Os pecados capitais de Fernando Fernández-Savater, Ninon de Lenclos,
Camocim de São Félix, Turíbio Santos, Magda Tagliaferro,
Álvaro Henrique & Anna Stella Schic aqui.
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Professora Hilda, Osho – Bhagwan Shree Rajneesh, Mircea Eliade, Roland
Barthes, Cyril Mann, Pelópidas Soares, Bhasílio Santtos, Rio Formoso, Paulo Moura, Eugénia Melo e Castro, Pat Metheny & Tomoko Mukaiyama aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
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de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja
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