SEGUIR ADIANTE –
Quantos segredos no meu exílio noites a fio madrugada adentro e as
lembranças povoam o menino travesso na beira do rio que me deu a vida e o aprendizado
de empinar papagaios, galinha d’água na corrente, a terra batida ao solado dos
pés, trelas e folgas aos quatro ventos. Quantas vezes não fui ao brinquedo para
saber que outros nem tinham como brincar, e brincávamos todos aos pulos e
arengas, apostas e desafios, o que parecia nunca mais acabar. Quantas vezes não
me atrepei em muros e galhos seguros à cata das intimidades femininas com suas
vestes sumárias a cobrir seus corpos seminus, areando panelas, lavando roupas,
tomando banho, nada mais radiante que a exposição de coxas e seios, a findar em
carreiras na hora do flagra. Quantas vezes a pedalar pelas ruas enfrentando
surpresas juvenis por catombos ou empurrões de corpo, mãos esquentadas na
calçada e arranhões arrancando samboques aos joelhos, a fuga dos latidos e a
pressa de ir pra casa me livrar de reprimendas e castigos. Tantas não foram
sob o céu nublado de nuvens carregadas inaugurando a temporada no inferno e o
vento úmido anunciando a invernada que me faria doravante sobrevivente das
horas mais periclitantes. Quantos segredos guardados na cidade que gemia aos
golpes da tirania, com todos os arroubos da violência e na violação dos
direitos, tiros e lâminas entre os dentes que rangem outros temores e a minha
morada mais parecia um navio que ia a pique, quilha partida, para que eu e
muitos procurassem salvação à deriva no mar aberto de todas as adversidades. A
cidade antes minha cada vez mais estranha e eu estrangeiro ao desalento pelo sufoco
de mercenários déspotas esquentados pelo álcool sobre os submissos antepassados
e nenhum gesto esboçado, a tomar de mim e de todos o que era de todos a sumir
na festança invisível. Era ali que aprendia indignação com as invectivas das
víboras com seus pretextos obsequiosos de tramar travessia a pregar zis peças e
minha gente embotada levando corda para farsantes truculentos e nada mais era
que um deserto das miragens coloridas. Não me podia dar de ombros e reduzir-me
ao silênci0, nem queria, nem me fazia alheio a tudo com olhos túmidos e tímidos
salvando as nesgas de sonho entre mãos e abraços, e por quimeras que julgava a
hora certa e passavam incólumes pro desapontamento, outras vezes vinham
incendiando os ânimos para serem jamais. Tantos segredos esquecidos na memória e
os anos se passaram acumulando o arrastado e aprendia às duras penas a lição
que não devia. E aprendi de verdade o temperamento ameno pelas bênçãos de Deus
e mil vezes abençoado na perseverança por duros labores, não podia me acomodar
e nenhuma queixa nos lábios quando tudo saía errado e até algumas vezes dava
certo quase nenhuma, assobiando de contentamento por ter que enfrentar sempre e
a cada dia com bonomia entre mutirões na inexprimível satisfação de ter o peito
aberto paratodos que sequer sabem dos segredos da alvorada e a se valerem da
vida após o crepúsculo. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS:
[...] A Natureza exige
variedade para homens. [...] As mulheres sabem disso instintivamente. Por
que elas compravam tantas roupas diferentes, nos velhos tempos? Para enganar os
homens levando-os a pensar que eram várias mulheres diferentes. Uma nova a cada
dia. [...] pararei de reclamar,
aceitarei meu destino. Eu me sacrificarei. Eu me arrependerei. Abdicarei.
Renunciarei. [...] Quero continuar
vivendo de qualquer forma que seja. Renuncio a meu corpo voluntariamente para
submetê-lo ao uso de outros. Eles podem fazer o que quiserem comigo. Sou
abjeta. Sinto, pela primeira vez, o verdadeiro poder deles. [...]
Trechos da obra O conto
da Aia (Rocco, 2017), da premiadíssima escritora e crítica
literária canadense Margaret Atwood. Veja
mais aqui.
A ARTE DE DAVID WALKER
A arte do artista britânico David Walker.
AGENDA:
&
A música é dela, Hermilo Borba Filho, Oswald
de Andrade, Alfred Whitehead, Michel Foucault, Irmãos Grimm, Aglaura Catão, Eliane
Elias, Terra Chapman & São Joaquim do Monte aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje curta na Rádio
Tataritaritatá a
música da pianista, compositora, artista e diretora japonesa Tomoko
Mukaiyama: Japanese
Erótica, Sonatas de Sofia Gubaidulina, Inner Peace de Vanessa Lan & Op
Oerol & muito mais nos mais de 2 milhões
& 900 mil acessos ao blog & nos 35 Anos
de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja
mais aqui e aqui.