segunda-feira, novembro 05, 2018

ANDRÉ BRETON, BRUNA RAFAELLA, MANU CHAO, ÁLBUM DE ONTENS & CULTURA NEGRA


O ÁLBUM DOS ONTENS - Imagem da série Arqueologias do presente (2009), da artista visual, produtora cultural e pesquisadora Bruna Rafaella. - Lá foi um dia, aquele instante perdido enquanto memória nas molduras inesquecíveis, paisagens de não mais e fragmentos figurativos de ilustrações das reminiscências, tudo suspenso nas paredes ou pregados nas páginas plastificadas do pretérito, como trens que vinham com todas as notícias e alvoroços, montaria de léguas, rangido de rodas na passagem dos bois, os goles do presente com as cinzas invisíveis de nem sei onde, com seus tetos desabados, vãos em ruínas, rachaduras, destroços, pedaços de chão que nunca pisei, cenários que nunca vi, caminhos que nunca passei, fisionomias que jamais conheci de bisavós no flerte, afetos tímidos de outra época de ontem distante que diziam do namoro e das núpcias, filhos e netos, quantos noivados desfeitos, cônjuges separados, viúvas sem vínculos por fotos desbotadas, álbuns amarelados, cadernos encardidos com parentescos que jamais reconheci, famílias de vento e de ouvir dizer, os que são porque nunca tive. Eram os avós de relembranças com tataravós que nunca soube e nem poses tinham, só o que inventei na cabeça como poderiam ter sido. Os pais que me falavam e outras dos tios, disso e daquilo, a efígie sem perfil, a face do desconhecido, o que sabiam dos antecessores sequer dos antes deles sepultados avoengos sem nenhum instante para vê-los e que me tinham por neto e em duas vezes mais asas para voar, reinava incólume. Meus filhos não deram continuidade e me perguntavam daqueles da infância, dos que sobreviveram à minha adolescência e conto das recordações dos que foram caros, o paparicado, a manha, o dengo, o que eu sabotava ou mantinha por primazia, sem me deixar mentir, pelo menos ali, o que olvidava ou nem revelava dos jardins das praças, do pé de goiaba lá no quintal, do arruado que virou matagal, do que era sítio e findou canavial terreiro adentro, do que era do bem e não mais por favor, os da ousadia e ficaram pra trás, os da covardia e seus reinos algozes, os mansos das feras escondidas e os que se denunciavam por si compadres de juras e pactos, padrinhos de conveniência, interditos, falácias, hipocrisia, pusilanimidade, coisas que o tempo devora e a gente quase nem se dá conta de gente de prato e colher ou do portão pra fora, os que privavam da escuridão e do medo, os que já não falam por serem jamais, os dos abraços pra virada das costas, os dos olás e que vão até já, os que nem chegaram de tão tarde, os que se diziam achegados de tão estranhos quanto os da rua que quase nem se via; os de cumprimentos e até logo, os que nem os olhos ergueram para me perceber, os da fadiga de horas a fio e os insuportáveis cantiga de grilo; os que passaram de janeiro a dezembro, os que não resistiram sequer ao verão, os que fizeram apenas um outono, os que se marcaram no inverno tenebroso e duradouro, os que roubaram a primavera, de quem tinha e os de nada, do que foi pra não mais, do que é sem ter sido e de quantos ficaram entre os que já foram; os sem laços e os que seguiram e se perderam, os que ficaram para serem injuriados, os que serviam para mangação, os descartados, os que colhiam antipatias, os que se aproveitavam das horas e os que sequer eu sabia de tão longe, parentescos de afeto, primos de vigésimo grau, compadrio de coração, gente de outros tão próximos ou do outro lado das avenças, quantos sobrenomes, gente que nem existe mais, árvore genealógica imprecisa. São retratos erodidos por olhos de décadas e séculos, risos de festa e solidão. Coisas que nem dá pra irrigar de tanto desdém, nem rejuvenesce, nem ressuscita. Ali o passado ficou, datas de calendário perdido no meu coração. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

DITOS & DESDITOS:
[...] Sempre desejei incrivelmente encontrar à noite, num bosque, uma mulher bela e nua, ou antes, já que um desejo assim, uma vez expresso, perde o sentido, lamento incrivelmente não tê-la encontrado. Supor um encontro desses não é tão delirante, afinal de contas: seria possível. Parece-me que tudo iria deter-se de repente, ah! E eu não estaria escrevendo o que escrevo. Adoro essa situação em que eu provavelmente teria, mais que em todas, faltado com a presença de espírito. Não teria nem mesmo, creio, a ideia de fugir (os que riem desta última frase são porcos). Num fim de tarde, no ano passado, nas galerias ao lado do Eletric-Palace, uma mulher nua, que só deve ter precisado se desfazer de um casaco, andava de um extremo ao outro, muito branca. Já era perturbador. Longe, no entanto, de ser muito fora do comum, pois aquele canto do Eletric era um lugar de depravação sem maior interesse. Mas, para mim, descer verdadeiramente o bas-fond do espírito, lá onde já não importa que a noite caia e se levante (então é o dia?), é volta à Rue Fontaine, ao Théatre des Deux-Masques, que pouco depois se transformou num cabaré. Enfrentando meu pouco gosto pelo palco, fui lá no passado, na convicção de que a peça que estava em cartaz não poderia ser má, tanto a crítica se mostrava escarniçada contra ela, a ponto de pedir sua interdição. Entre as piores do gênero Grand-Guignol, que constituíam o grosso do repertório da sala, esta pareceria gravemente deslocada: o que, convenhamos, recomenda. [...] Acrescentarei apenas que o papel era desempenhado pela mais admirável e sem dívida a única atriz daquele tempo, a quem vi representar no Deux-Masques em várias outras peças, em que não estava menos bela, mas de quem, talvez para minha grande vergonha, no entanto, nunca mais ouvi falar: Blanche Deval. [...].
Trecho extraído da obra Nadja (Cosac Naify, 2007), do escritor francês André Breton (1886-1966). Veja mais aqui, aqui e aqui.

A ARTE DE BRUNA RAFAELLA
A arte da artista visual, produtora cultural e pesquisadora Bruna Rafaella.

AGENDA:
Semana de Ciência, Tecnologia, Arte & Cultura Negra do GEPAR – 19 a 23/11, UTC – Centro de Educação da UFPE – Recife – PE & muiro mais na Agenda aqui.
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Álbum de fotografias aqui.
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Poesia Vital Absoluta, Herbert de Souza – Betinho, Henry Miller, Abelhas Cupira, Alzira Rufino, Hermeto Pascoal, Jocy Oliveira, Laurie Anderson, Orquestra Armorial & Quinteto Armorial aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje curta na Rádio Tataritaritatá a música do músico francês Manu Chao: Estacion México, Live Moscou, Cladestino & La Radiolina & muito mais nos mais de 2 milhões & 800 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui.
 

CHRISTINA VASSILEVA, KATHERINE JOHNSON, MARTÍN-BARÓ, JOÃO CABRAL & MATA SUL INDÍGENA

    Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som dos álbuns Mistérios do Rio Lento (The Voice of Lyrics, 1998), Santiago de Murcia: a portrait (Frame,...