O
APERTO QUE VIROU VEXAME TRÁGICO
- O Doro teve um final de semana amundiçado: começou na sexta de tarde e, sem
pregar o olho e direto que só cantiga de grilo, findou na madrugada do domingo
pra segunda. Uma farra que durou três dias encarreados, parecendo mais que o
mundo ia se acabar. Quando acordou, uma dor de barriga estuporava o seu dia. Foi
pro vaso sanitário e ficou só se contorcendo. Não acontecia nada. Empanzinado,
passou o dia sem fome e com a sensação de que as tripas iam estourar. Entourido
ficou da segunda pra terça, da terça pra quarta e da quarta pra quinta, quando
o amigo Marquito Ladeira resolveu levá-lo ao médico: as tripas estavam de
greve, fecharam as portas do cu. No exame constatou-se que o bucho do rapaz
mais parecia um bombo de tão inchado. Prescreveu, então, exames de toda
natureza para conferir no amiudado o que se passava com o sujeito. Aproveitando
o ensejo, perguntou então ao doutor se havia um meio de conferir a próstata sem
que tivesse que levar uma dedada no furico para não ferir sua homência, vez que
o que temia era o comentário sarcástico da mundiça toda. Como havia de fazer
uma ultrasonografia da pança toda, acrescentou-se então uma delas pra dar uma
conferida na sua solicitação. Assim, armado das requisições médicas foi até ao
laboratório e, devido intervenções do amigo que mantinha relações íntimas com
uma das funcionárias da instituição laboratorial, conseguiu na valsa todos os
exames, desde que chegasse às 6 horas da manhã pra começar a bateria toda,
tendo, ainda, que tomar um comprimido e dormir, mantendo-se em jejum desde então,
até o final de tudo. Assim fez. De noite não comeu nada porque se achava
entupido, tomou o cachete recomendado que logo fez a sua barriga remexer na
maior careta, deitou-se com o estômago em vias de explosão e, depois de passar
a noite entre a cama e o vaso sanitário, ficou se acabando pelo fundo feito
panela. Sem pregra o olho, antes das 5 horas da madrugada, já estava na porta
esperando a ficha de atendimento. Lá ficou ele à espera segurando a pança que
se encontrava em estado bastante adiantado, parecendo mais uma gestante que ia
dar a luz ali mesmo: - Será que tô buchudo prenho de bosta? Ele se segurava
como podia, nada de soltar um pum que o ânus se ardia dele passar momentos de
maior vexame. Quando saía um borborigmo desavisado, ele tremia todo do cu arder
por horas, a ponto de enlouquecê-lo. Às 6 estava impaciente rezando pra que as
quebras do reto não rebentasse de vez com as flatulências desavisadas e ele se lascasse
completamente cagado depois de um peido de nada. Às 7 estava em tempo de
arrancar os cabelos, uma mão na frente e outra atrás, aos pinotes para evitar o
maior meladeiro. Às 8 ele ficou que nem saci pererê, se segurando numa perna só.
Às 9 já não ageuntava mais e em tempo de atacar e matar o primeiro que lhe
aparecesse na frente e, pra se controlar começou a contar até 10, passou para
20 e às 10 horas já passava dos 4 mil e tantos, e ele doido de atirar pedra e
nada de fazer exame algum. Só às 10 e meia, quase resignado com o frande
pegando fogo, o juízo diminuindo, o mundo rodando, foi que receberam o material
do sumário de urina e do parasitológico de fezes, encaminhando-o pra tirar
sangue. Quase desmaia com a picada da seringa na retirada do material – Moça,
quase estrago tudo! Encaminharam-no para os exames da ultrasonografia. Na fila
de espera voltou a contagem, já passava dos 800 quando foi chamado numa sala em
que teve que deitar na maca, levantar a camisa para passarem um gel na sua
gravidez e depois um aparelho que lhe percorria toda extensão do bucho que
aparecia no monitor mais parecendo o céu carregado de nuvens: os gases tomavam
conta. Quando foi dada uma encarcada melhor para ver no visor melhor a sua
situação, um peidinho escapuliu e ele quase teve um troço e botava tudo a
perder. Àquela altura, qualquer póim de nada poderia virar uma verdadeira tragédia.
– Doutora, se a sinhora acochar mais um tiquinho, eu cago tudo por aqui. Sisuda
de nenhuma parcimônia, a examinadora se fez de mouca e manteve as encarcadas
cada vez mais agudas, enfiando o bregueço lá nele, dele não se aguentar e a
merda comeu centro: tudo mijado e cagado. O expediente foi suspenso: - Que foi
que houve? O cabra mijou-se e cagou-se todo! Dali ele correu pro banheiro, mais
de meia hora botando pelo oiti-goroba todos os seus bofes. Foi uma caganeira
inclemente dele se sentir já se desmanchando. Tiveram que sair todos das
imediações porque a fedentina estava além das possibilidades de qualquer um. A catinga
mais parecia lixão de tão fedorento. – Isso não é gente! A situação dele era
braba. Já passava da 1 da tarde quando ele saiu do aparelho sanitário, lívido e
de tão leve se sentia invisível, quando recebeu a recomendação de que devia
tomar vários copos d’água para encher a bexiga pro exame de próstata. Era assim:
virava um copo d’água e corria pro banheiro. Quase 2 e meia, agora
sobrecarregado de água, foi pro tal do exame: - Pelamordedeus não vá cagar e
mijar tudo de novo -, gritou logo a enfermeira que o encaminhava pra sala do
exame. Mas não deu outra: na primeira pressão do aparelho em cima do ventre do
rapaz, ele avisou logo: - Outra infincada dessa, aguento não. Com a cara fechada,
a examinadora pagou pra ver: - Segura o cu, mô fio! -, e enfiou o treco lá no
rapaz, dele repetir a dose, desta feita, acabando de vez com o expediente do
dia. Putaquepariu, uma desgraceira. Não escapou nada, tudo na maior melecada:
bosta pra todo lado. Agora, só na outra. E ele: - Eu avisei! E vamos aprumar a
conversa & tataritaritatá! ©
Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui e aqui.
Imagem: a arte do pintor irlandês William
Mulready (1786 - 1863).
Curtindo as músicas e composições do álbum O ano do cavalo magro (2015), do cantor,
compositor e músico Asaph Eleutério –
Ninguém, que trabalha com projetos em responsabilidade social, terceiro
setor, cultura e educação para jovens e adultos em parceria com a Universidade
Federal do Paraná (UFPR) e Elo Apoio Social e Ambiental.
PESQUISA:
Na reflexão cartesiana, o espírito pensa e sente (por estar ligado ao
corpo) na medida em que é um “Eu” racionalmente consciente de si mesmo. Sentir
é, no limite, pensar. Entronizada, a razão deve sempre transparecer na
representação e no sujeito. Este últrimo termo deve ser entendido como um
“suporte” ou um “sustentáculo”, isto é, uma identidade capaz de sustentar ou
servir de fundamento para a mudança: ainda que mudem as qualidades acidentais,
o sujeito permanece idêntico a si mesmo. Com Descartes, o “Eu” do “Eu penso”
garante a subjetividade do sujeito, logo, a subjetividade da consciência,
afirmando a identidade pessoal.
Trecho
da obra As estratégias sensíveis: afeto,
mídia e política (Vozes, 2006), do jornalista, sociólogo, professor e
tradutor Muniz Sodré, tratando sobre
a importância crescente dos
afetos na cultura contemporânea, oferecendo novas possibilidades para a
compreensão da realidade virtual na sociedade contemporânea, das transformações
da política e das formas emergentes de socialidade. Veja mais aqui.
LEITURA
Os infinitos céus fitam seu rosto / absoluto e cego / e a brisa agora
beija a sua boca / que nunca mais hás-de beijar ninguém. / Tem as duas mãos côncavas
ainda / de possessão de impulso de promessa. / Dos seus ombros desprende-se uma
espera / que dividida na tarde se dispersa. / E a luz, as horas, as colinas /
inclinam-se a chorar sobre o seu rosto / proque ele foi jogado e foi perdido /
e no céu passam aves repentinas.
Poema O soldado morto, extraído do livro Antologia (Portugália, 1968), da poeta
portuguesa Sophia de
Mello Breyner Andresen (1919-2004).
PENSAMENTO DO DIA:
A progressiva hiperestimulação dos corpos parece erodir o próprio
sentim,ento da continuidade do vivido.
Trecho
extraído de Tecnologias, memória e
esquecimento: da modernidade à contemporaneidade (Famecos, 2005), da
professora e pesquisadora doutora
em Filosofia - Universite de Paris I (Pantheon-Sorbonne, 1992), Maria Cristina Franco Ferraz.
IMAGEM DO DIA:
A arte do fotógrafo russo Alexander Yakovlev.
Veja mais sobre Padre Bidião, Antonin
Artaud, Ernest Hemingway, Philippe Ariès,
Celina Ferreira, Lizzie
Borden, Emil Orlik, Mawaca, Sean Young
& Miles Mathis aqui.
DESTAQUE
Jornalista, divulgador, pesquisador musical,
programador Ricardo Loureiro, idealizador e coordenador geral da Rádio Estrada 55, projeto criado para divulgação da cena independente autoral.
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Imagem: Peace on earth, by Doris Savard.
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.