O DONO DA RAZÃO - Sergidio
asseverava conforme seus próprios critérios: o que era certo segundo suas
convicções de gosto e simpatias; o errado, tudo aquilo que antipatizasse. No
geral discordava de tudo. Solteirão, preferia a companhia do cachorro a
qualquer ser humano para encher seu saco. Era sempre do contra, feliz por ser o
advogado do diabo e botar gosto ruim em qualquer festividade alegre. Orgulho ferido,
rancores transbordantes, implicâncias, ciúmes. Pro mundo, os seus paradoxos nos
ombros. Firme, defendia com unhas e dentes o que era de seu, irredutível,
inexorável. A felicidade dos outros era sempre tratada com desprezo; pra ele o
riso precede o choro; os desejos, as dores. Alguém falasse uma vantagem, ele
previa engodo; anunciasse perigo, arrazoava improcedência Para justificar seus
pontos de vista, ou mesmo suas teimas que beiravam o injustificável, batia o
pé, dava curva na idéia, ou tudo ou tudo. Se admitisse algo, comprava briga,
nem precisava de motivo ou razão, bastava simpatizar. O que achava bom era
bonito. O que não entendia era inutilidade, por isso odiava a ciência, ficções
inúteis; a filosofia, só a da vida, ditado por sua experiência. E tinha hora
que achava até Jesus um chato de galocha ou retardado mental. Tudo existia para
servi-lo; não tivesse essa serventia, valia nada. Quem concordasse estava no
rol das suas afeições; discordasse, o inferno da maledicência. Quisesse sua
amizade teria de respeitar sua perfeição – o único ser perfeito da humanidade.
Só ele o próprio deus e toda verdade. Tratava o resto de tudo e de todos como
excrescência, só ele e o que admitia como probas perfeições. Mediano de altura
e senso, motejava tanto incultos como intelectuais: ambos fabricantes de bosta,
nada mais. Azedo repugnante criticava o que lhe caísse nas atenções e quando
desferia seu escárnio, destronava quem tivesse por oponente. Assim, era tido
como uma muralha de segurança, correto, feliz, infalível, a excelência da
firmeza. Em casa, sozinho, a tortura da solidão. Luzes apagadas, chorava aos
largos prantos suas fraquezas, infelicidades, angustias. O tédio e a frustração
corroíam seu íntimo. Não sabia administrar a felicidade alheia, nem a
realização exitosa de ninguém. Odiava o espelho, não conseguia fechar os olhos,
muito menos dormir. Pra pegar no sono, só com muito álcool. Pensar, jamais; evitava
rever sua vida na memória e isso ele não queria saber, não suportava a si
mesmo. Vivia só pra viver pela superfície. Cada qual sua insanidade. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
Imagem: a arte do pintor e escultor
portorriquenho Francisco Zúñiga
(1912-1998).
Curtindo a arte da cantora & compositora Ju Martins.
PESQUISA:
[...] Analisar
a escola como instituição social e as suas relações com a comunidade e a
família implica compreender a cultura e a diversidade, bem como a pluralidade
cultural, como elementos constitutivos das sociedades humanas. [...]
Trecho do livro Fundamentos socioantropológicos da educação (Ibpex, 2008), do
sociólogo e antropólogo Maria Sérgio
Michaliszyn.
LEITURA
Minha terra tem macieira da California / onde cantam gaturamos de Veneza
/ Os poetas da minha terra / são pretos que vivem em torres de ametista, / os
sargentos do exercito são monistas, cubistas, / os filósofos são polacos
vendendo a prestações. / A gente não pode dormir / com os oradores e os
pernilongos, / os sururus em família têm por testemunha a Gioconda. / Eu morro
sufocado / em terra estrangeira. / Nossas flores são mais bonitas, nossas frutas
mais gostosas / mas custam cem mil reis a dúzia. / Ai quem me dera chupar uma
carambola de verdade / e ouvir um sabiá com certidão de idade.
Canção do exílio, extraído da Antologia poética (Cosac Nayf, 2014), do poeta e prosador do Surrealismo brasileiro, Murilo Mendes
(1901-1975). Veja mais aqui e aqui.
PENSAMENTO DO DIA: EU & O OUTRO, RESPEITO ÀS DIFERENÇAS
O reconhecimento da diferença é a consciência da alteridade: a
descoberta do sentimento que se arma dos símbolos da cultura para dizer que nem
tudo é o que eu sou e nem todos são como eu sou... o outro sugere ser
diferenciado, para que os lados mais difíceis do meu eu, do meu mundo, da minha
cultura sejam traduzidos também através dele, de seu mundo e de sua cultura.
Através do que há de meu nele, quando, então, o outro reflete a minha imagem
espelhada e às vezes ali onde eu melhor me vejo. Através do que ele afirma e
torna claro em mim, na diferença que há entre ele e eu.
Trecho
do livro Identidade e etnia: construção
da pessoa e resistência cultural (Brasiliense, 1986), do antropólogo e
educador Carlos Rodrigues Brandão.
IMAGEM DO DIA:
Veja mais sobre O culto da rosa, Emmanuel Lévinas, Bráulio Tavares, Wojciech
Kilar, Edward Gordon Craig, Jess Franco, Paul Delaroche, Susan Hemingway, Paul-Émile Bécat, Ísis Nefelibata,
Meimei Corrêa & Fernanda Guimarães aqui.
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
Brune au collier bleu, do
pintor búlgaro Jules Pascin.
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.