AH, MUSIDORA, QUEM É VOCÊ? – Era ela na vera Irma Vap: uma cantora de cabaré, verdadeira femme
fatale das Les Vampires de Feuillade. Lá estava sensualmente vestida numa
malha preta provocante, colada ao seu corpo escultural, coxas, seios, ventre,
ancas – era um erotismo subversivo, verdeiro presente dos deuses. Vi-lhe tigresa,
corpo modelado na meia calça escura enquanto tateava pelos telhados, olhos
acesos, armando o bote. Aproximou-se furtiva, olfato aguçado. E a sua exótica lindeza
era a reencarnação das pinturas de West e Sully, da musa do
Summer de Thomson, a The Knight Errant de Millais. De perto logo desvendei: era a heroina do Fortunio
de Gautier, a linda do cartaz de Guy Arnoux, que brilhara no elenco de A lououitte de
Bruant, no palco do Ba-Ta-Clan, durante os anos sombrios da
Grande Guerra. Pude conviver com a sua vida extravagante na companhia das amigas Colette e Germaine Dulac, transformou-lhe
na musa surrealista, que já fora Vincenta, a La Vagabonde, outra num episódio d’A
revue galante de Folies-Bergère, ou a capitã Alegria, ou uma beldade que estrelou
em Le berceau de dieu. Era Diana Monti de Judex, ou
a Alegria Kapitaina, a vanguardista que cantava e dançava pela emancipação
feminina nos music halls franceses. Logo me embeveci com a sua invulgar
formosura, como se me visse enlevado pelos versos de Baker: Ela é bela como
Vênus e suave como Aurora, \ discreta como Minerva e jovem como Flora...A intimidade
me fizera dela correlato na sobrevoante errância. Ah, Jeanne, li a sua novela adolescente, enquanto flagrava
a sua formosura no banho da bela do The Bather de Etty. Saiu enrolada numa toalha
diminuta e seus olhos ansiosos reluziam sentada na torre da noite, a me ofertar
as flores esplendorosas de sua alma labiríntica na dor inominável de seu
desespero poético. Dela soltavam-se
as páginas dos escritos de Arabella et Arlequin, as canções e poemas de Auréoles,
Paroxysmes , a Mademoiselle Chiffon e os roteiros inéditos. Era a lendária
rainha do cinema, a décima musa que se dedicara ao Soleil et Ombre e ao inconcluso Le terre dês Taureaux. O seu doce sorriso me premiou com seus lábios esculpidos num beijo de
amor. A ousadia suspirante do seu grande coração envolvia-me como um
caramanchão a me refugiar em seu ventre, cortejando minhas entranhas com suas mãos
delgadas que escapavam ao alcance do meu sexo premido por seus dotes de rara
beleza. Senti o ouro incontável do seu sexo perfumado como uma rosa resplandecente
que se despetalava afetuosa a me fazer zéfiro galante na paisagem rara de sua
longínqua graça majestosa, a me convidar a amá-la abrindo-se em pétalas para envolvê-la
terna aos sussurros inquietos de seus múltiplos gozos, deslizando-se aos
orgasmos sobre o meu corpo entregue. Quantas noites, dias e ousado trânsito de
horas, até que ela se tornava uma das estrelas imortais no firmamento do meu
coração erradio. Veja mais abaixo e aqui, aqui e aqui.
DITOS & DESDITOS - A beleza não pode divertir você, mas o trabalho intelectual – ler,
escrever, pensar – pode. Garotas boas vão para o céu e garotas
más vão para todo lugar. Sentir-se inseguro é bom para você. Isso força você a fazer algo melhor, leva você a usar todos os
seus talentos. Se você não é um símbolo sexual, você está em apuros... Pensamento da jornalista
e escritora estadunidense Helen Gurley
Brown (1922-2012).
ALGUÉM FALOU: É vital ser fotogênico da cabeça aos pés. Depois disso, você poderá
exibir algum talento... Escolhi o nome da heroína Musidora, recolhida do
Fortunio de Gautier e comecei a viver um sonho. Fui movida pela fé: a cena, o subir
da cortina, a rampa, a maquiagem e os cenários, toda aquela região do
'inventado'. Queria estar ao seu serviço. E aprendi meu trabalho como artesão...
Queria que meu rosto fosse coberto como meu corpo, para que a impressão de ser
enterrado fosse genuína. Respirei fundo novamente e procurei a imobilidade
total. E dei o sinal: 'Ação…. ' A primeira colherada de terra caiu sobre meu
queixo e bochechas... A segunda cobriu meus olhos. A terceira deixou livre
apenas a ponta do meu nariz. O último, pesado, escondeu meu rosto
completamente. Estava na hora! Tudo isso durou apenas vinte e cinco segundos,
mas sufoquei; minha boca comia terra triturada, meus ouvidos estavam entupidos
de terra úmida, mantive os cílios fechados, temendo encher os olhos com grãos
de areia arranhantes. E foi com a palavra ‘Caramba!…’ que recuperei os meus
amigos, o ar, o sol, o calor e a vida... Pensamento da
atriz, cineasta e poeta francesa Musidora (Jeanne Roques – 1889-1957).
MADEMOISELLE DE MAUPIN - [...] Ser lindo, bonito, significa que você possui um poder que faz com que todos
sorriam e o recebam bem; que todos estejam
impressionados a seu favor e inclinados a ter sua opinião; que basta passar por uma
rua ou aparecer numa varanda para fazer amigos e conquistar amantes entre
aqueles que olham para você. Que presente esplêndido,
que magnífico é aquele que lhe poupa a necessidade de ser amável para ser
amado, que o livra da necessidade de ser inteligente e pronto para servir, o
que você deve ser se for feio, e lhe permite dispensar com as inúmeras
qualidades morais que você deve possuir para compensar a falta de beleza
pessoal. [...] Que mulher bem-educada recusaria seu
coração a um homem que acabara de salvar sua vida? Nenhum; e a gratidão é um atalho
que leva rapidamente ao amor. [...] Os anos que
desperdicei em excitação pueril, indo para lá e para cá, tentando forçar a
natureza e o tempo, eu deveria ter passado em solidão e meditação, tentando me
tornar digno de ser amado. [...] Independentemente
do que tenha sido dito sobre a saciedade do prazer e o desgosto que geralmente
segue a paixão, qualquer homem que tenha um pouco de coração e que não seja
miseravelmente e desesperadamente blasé sente seu amor aumentado por sua
felicidade, e muitas vezes a melhor maneira de manter um amante pronto
para partir é entregar-se a ele sem reservas. [...]
Muitas vezes fui acusado de falsidade e hipocrisia, mas não existe homem que
teria mais prazer do que eu falar a verdade e expor seu coração; mas como não tenho uma
idéia, um sentimento em comum com as pessoas que me cercam, como a primeira
palavra que eu dissesse com sinceridade causaria um alvoroço geral, preferi
ficar em silêncio ou, se falar, proferir apenas
lugares-comuns estúpidos nos quais todos concordaram em acreditar. [...]
Cada homem é em si toda a humanidade, e se escreve o que lhe ocorre,
consegue melhor do que se copia, com a ajuda de uma lupa, objetos colocados
fora dele. [...]. Trechos extraídos da obra Mademoiselle de Maupin (Debolsillo, 2008), do escritor,
jornalista e critico literário francês Théophile
Gautier (1811-1872). Veja mais aqui, aqui e aqui.
O LIVREIRO
DE CABUL – [...] Enquanto o valor de uma noiva está em seu
hímen, o de uma esposa está no número de filhos que ela produz. [...] As
três burcas continuam andando, virando a cabeça em todas as direções para olhar
ao redor. Mulheres de burca são como cavalos com antolhos: só conseguem olhar
em uma direção. No canto do olho, a grade dá lugar a um tecido grosso que
impede olhar de lado. Você tem que virar a cabeça inteira. Outro truque do
inventor da burca: permite ao homem saber sempre em quem ou no que sua esposa
presta atenção [...] A única coisa que sabemos fazer é invocar, rezar e
guerrear; mas as orações não servem de nada se as pessoas não trabalharem.
[...] O amor não é um idílio normal, mas sim o contrário: pode ser um crime
grave punível com a morte. Os indisciplinados são assassinados a sangue frio, e
quando apenas um dos dois amantes é punido, é sempre a mulher. [...]. Trechos
extraídos da obra O livreiro de Cabul (Record, 2006),
da escritora e jornalista norueguesa Åsne Seierstad.
UM POEMA – MAIO - Os beijos não murcham \ como as flores da malinche, \ cascas
duras de sementes não crescem sobre meus braços; \ Estou sempre florescendo \ com
essa chuva interna, \ como os pátios verdes de maio \ e rio porque adoro o
vento e as nuvens \ e os pássaros cantando que passam por cima, \ mesmo estando
emaranhado de lembranças, \ coberto de hera como velhos muros, \ continuo
acreditando nos sussurros secretos, \ na força dos cavalos selvagens, \ na
mensagem alada das gaivotas. Poema da escritora nicaraguense Gioconda
Belli. Veja mais aqui.
OUTRAS SACADAS AVULSAS