domingo, junho 29, 2014

ÅSNE SEIERSTAD, MUSIDORA, GAUTIER, GIOCONDA BELLI & HELEN GURLEY BROWN

 


AH, MUSIDORA, QUEM É VOCÊ? – Era ela na vera Irma Vap: uma cantora de cabaré, verdadeira femme fatale das Les Vampires de Feuillade. Lá estava sensualmente vestida numa malha preta provocante, colada ao seu corpo escultural, coxas, seios, ventre, ancas – era um erotismo subversivo, verdeiro presente dos deuses. Vi-lhe tigresa, corpo modelado na meia calça escura enquanto tateava pelos telhados, olhos acesos, armando o bote. Aproximou-se furtiva, olfato aguçado. E a sua exótica lindeza era a reencarnação das pinturas de West e Sully, da musa do Summer de Thomson, a The Knight Errant de Millais. De perto logo desvendei: era a heroina do Fortunio de Gautier, a linda do cartaz de Guy Arnoux, que brilhara no elenco de A lououitte de Bruant, no palco do Ba-Ta-Clan, durante os anos sombrios da Grande Guerra. Pude conviver com a sua vida extravagante na companhia das amigas Colette e Germaine Dulac, transformou-lhe na musa surrealista, que já fora Vincenta, a La Vagabonde, outra num episódio d’A revue galante de Folies-Bergère, ou a capitã Alegria, ou uma beldade que estrelou em Le berceau de dieu. Era Diana Monti de Judex, ou a Alegria Kapitaina, a vanguardista que cantava e dançava pela emancipação feminina nos music halls franceses. Logo me embeveci com a sua invulgar formosura, como se me visse enlevado pelos versos de Baker: Ela é bela como Vênus e suave como Aurora, \ discreta como Minerva e jovem como Flora...A intimidade me fizera dela correlato na sobrevoante errância. Ah, Jeanne, li a sua novela adolescente, enquanto flagrava a sua formosura no banho da bela do The Bather de Etty. Saiu enrolada numa toalha diminuta e seus olhos ansiosos reluziam sentada na torre da noite, a me ofertar as flores esplendorosas de sua alma labiríntica na dor inominável de seu desespero poético. Dela soltavam-se as páginas dos escritos de Arabella et Arlequin, as canções e poemas de Auréoles, Paroxysmes , a Mademoiselle Chiffon e os roteiros inéditos. Era a lendária rainha do cinema, a décima musa que se dedicara ao Soleil et Ombre e ao inconcluso Le terre dês Taureaux. O seu doce sorriso me premiou com seus lábios esculpidos num beijo de amor. A ousadia suspirante do seu grande coração envolvia-me como um caramanchão a me refugiar em seu ventre, cortejando minhas entranhas com suas mãos delgadas que escapavam ao alcance do meu sexo premido por seus dotes de rara beleza. Senti o ouro incontável do seu sexo perfumado como uma rosa resplandecente que se despetalava afetuosa a me fazer zéfiro galante na paisagem rara de sua longínqua graça majestosa, a me convidar a amá-la abrindo-se em pétalas para envolvê-la terna aos sussurros inquietos de seus múltiplos gozos, deslizando-se aos orgasmos sobre o meu corpo entregue. Quantas noites, dias e ousado trânsito de horas, até que ela se tornava uma das estrelas imortais no firmamento do meu coração erradio. Veja mais abaixo e aqui, aqui e aqui.

 


DITOS & DESDITOS - A beleza não pode divertir você, mas o trabalho intelectual – ler, escrever, pensar – pode. Garotas boas vão para o céu e garotas más vão para todo lugar. Sentir-se inseguro é bom para você. Isso força você a fazer algo melhor, leva você a usar todos os seus talentos. Se você não é um símbolo sexual, você está em apuros... Pensamento da jornalista e escritora estadunidense Helen Gurley Brown (1922-2012).

 

ALGUÉM FALOU: É vital ser fotogênico da cabeça aos pés. Depois disso, você poderá exibir algum talento... Escolhi o nome da heroína Musidora, recolhida do Fortunio de Gautier e comecei a viver um sonho. Fui movida pela fé: a cena, o subir da cortina, a rampa, a maquiagem e os cenários, toda aquela região do 'inventado'. Queria estar ao seu serviço. E aprendi meu trabalho como artesão... Queria que meu rosto fosse coberto como meu corpo, para que a impressão de ser enterrado fosse genuína. Respirei fundo novamente e procurei a imobilidade total. E dei o sinal: 'Ação…. ' A primeira colherada de terra caiu sobre meu queixo e bochechas... A segunda cobriu meus olhos. A terceira deixou livre apenas a ponta do meu nariz. O último, pesado, escondeu meu rosto completamente. Estava na hora! Tudo isso durou apenas vinte e cinco segundos, mas sufoquei; minha boca comia terra triturada, meus ouvidos estavam entupidos de terra úmida, mantive os cílios fechados, temendo encher os olhos com grãos de areia arranhantes. E foi com a palavra ‘Caramba!…’ que recuperei os meus amigos, o ar, o sol, o calor e a vida... Pensamento da atriz, cineasta e poeta francesa Musidora (Jeanne Roques – 1889-1957).

 

MADEMOISELLE DE MAUPIN - [...] Ser lindo, bonito, significa que você possui um poder que faz com que todos sorriam e o recebam bem; que todos estejam impressionados a seu favor e inclinados a ter sua opinião; que basta passar por uma rua ou aparecer numa varanda para fazer amigos e conquistar amantes entre aqueles que olham para você. Que presente esplêndido, que magnífico é aquele que lhe poupa a necessidade de ser amável para ser amado, que o livra da necessidade de ser inteligente e pronto para servir, o que você deve ser se for feio, e lhe permite dispensar com as inúmeras qualidades morais que você deve possuir para compensar a falta de beleza pessoal. [...] Que mulher bem-educada recusaria seu coração a um homem que acabara de salvar sua vida? Nenhum; e a gratidão é um atalho que leva rapidamente ao amor. [...] Os anos que desperdicei em excitação pueril, indo para lá e para cá, tentando forçar a natureza e o tempo, eu deveria ter passado em solidão e meditação, tentando me tornar digno de ser amado. [...] Independentemente do que tenha sido dito sobre a saciedade do prazer e o desgosto que geralmente segue a paixão, qualquer homem que tenha um pouco de coração e que não seja miseravelmente e desesperadamente blasé sente seu amor aumentado por sua felicidade, e muitas vezes a melhor maneira de manter um amante pronto para partir é entregar-se a ele sem reservas. [...] Muitas vezes fui acusado de falsidade e hipocrisia, mas não existe homem que teria mais prazer do que eu falar a verdade e expor seu coração; mas como não tenho uma idéia, um sentimento em comum com as pessoas que me cercam, como a primeira palavra que eu dissesse com sinceridade causaria um alvoroço geral, preferi ficar em silêncio ou, se falar, proferir apenas lugares-comuns estúpidos nos quais todos concordaram em acreditar. [...] Cada homem é em si toda a humanidade, e se escreve o que lhe ocorre, consegue melhor do que se copia, com a ajuda de uma lupa, objetos colocados fora dele. [...]. Trechos extraídos da obra Mademoiselle de Maupin (Debolsillo, 2008), do escritor, jornalista e critico literário francês Théophile Gautier (1811-1872). Veja mais aqui, aqui e aqui.

 

O LIVREIRO DE CABUL – [...] Enquanto o valor de uma noiva está em seu hímen, o de uma esposa está no número de filhos que ela produz. [...] As três burcas continuam andando, virando a cabeça em todas as direções para olhar ao redor. Mulheres de burca são como cavalos com antolhos: só conseguem olhar em uma direção. No canto do olho, a grade dá lugar a um tecido grosso que impede olhar de lado. Você tem que virar a cabeça inteira. Outro truque do inventor da burca: permite ao homem saber sempre em quem ou no que sua esposa presta atenção [...] A única coisa que sabemos fazer é invocar, rezar e guerrear; mas as orações não servem de nada se as pessoas não trabalharem. [...] O amor não é um idílio normal, mas sim o contrário: pode ser um crime grave punível com a morte. Os indisciplinados são assassinados a sangue frio, e quando apenas um dos dois amantes é punido, é sempre a mulher. [...]. Trechos extraídos da obra O livreiro de Cabul (Record, 2006), da escritora e jornalista norueguesa Åsne Seierstad.

 

UM POEMAMAIO - Os beijos não murcham \ como as flores da malinche, \ cascas duras de sementes não crescem sobre meus braços; \ Estou sempre florescendo \ com essa chuva interna, \ como os pátios verdes de maio \ e rio porque adoro o vento e as nuvens \ e os pássaros cantando que passam por cima, \ mesmo estando emaranhado de lembranças, \ coberto de hera como velhos muros, \ continuo acreditando nos sussurros secretos, \ na força dos cavalos selvagens, \ na mensagem alada das gaivotas. Poema da escritora nicaraguense Gioconda Belli. Veja mais aqui.

 

OUTRAS SACADAS AVULSAS

 

 Imagem: Hesitation, de do pintor e poeta suíço naturalizado alemão Paul Klee (1879 - 1940)

Ouvindo a Symphony nº 1, in B-minor, op. 5, de 1916, de Aarre Merikanto.

AARRE MERIKANTO – O compositor finlandês Aarre Merikanto (1893-1958) era filho do também compositor Oskar Merikanto. Compôs, entre outras obras, diversos concertos para piano, destacando o Concerto para violino nº 2 (1925), Notturno (1929) e Fantasia (1923).


Imagem: Figura Feminina, óleo sobre tela, do pintor, cenógrafo e ilustrador brasileiro Clóvis Graciano (1907 – 1988).

Ouvindo Hold Me, do músico escocês Colin Hay.

SAINT-EXUPERY – Hoje vasculhando o monturo dos meus livros, caiu na minha mão um dos volumes do escritor, ilustrador e piloto francês Antoine de Saint-Exupéry (1900 – 1944), que escreveu, entre outros livros, Voo noturno (1931), Terra dos homens (1939) e o festejado Pequeno Príncipe (1943) – não li os outros livros dele. Este último com uma aparência de livro infantil que encanta ainda hoje pessoas de todas as idades. Entre tantas do livro, essa pequena parte merece destaque: “O pequeno príncipe atravessou o deserto e encontrou apenas uma flor. Uma flor de três pétalas, uma florzinha insignificante... - Bom dia - disse o príncipe. - Bom dia - disse a flor. - Onde estão os homens? - Perguntou ele educadamente. [...] - Os homens? Eu creio que existem seis ou sete. Vi-os faz muito tempo. Mas não se pode nunca saber onde se encontram. O vento os leva. Eles não têm raízes. Eles não gostam das raízes. [...] O pequeno príncipe escalou uma grande montanha. As únicas montanhas que conhecera eram os três vulcões que batiam no joelho. O vulcão extinto servia-lhe de tamborete. "De uma montanha tão alta como esta", pensava ele, "verei todo o planeta e todos os homens..." Mas só viu pedras pontudas, como agulhas. [...] Mas aconteceu que o pequeno príncipe, tendo andado muito tempo pelas areias, pelas rochas e pela neve, descobriu, enfim, uma estrada. E as estradas vão todas em direção aos homens. [...] E ele se sentiu profundamente infeliz. Sua flor lhe havia dito que ele era a única de sua espécie em todo o Universo. E eis que havia cinco mil, iguaizinhas, num só jardim! [...] - Procuro os homens - disse o pequeno príncipe. [...] - Os homens - disse a raposa - têm fuzis e caçam. É assustador! Criam galinhas também. É a única coisa que fazem de interessante. [...] - Nada é perfeito - suspirou a raposa”. Veja mais aqui.


CRIS BRAUN – Durante a semana que passou tive a gratíssima satisfação de ouvir de uma leva só três álbuns: Cuidado com pessoas como eu (1994), Atemporal (2004) e Fábula (2012). A artista? Cris Braun. Com a primeira audição fiquei embevecido. Com a segunda – como a gente diz aqui na maior sem cerimônia -, bestificado. Nossa! Incrivelmente maravilhoso. Fui logo saber quem era tal, coisa que logo tomei ciência por meio do – nada mais, nada menos – jornalista e crítico musical Arthur Dapieve, tratar-se duma gaucha/alagoana que tem uma trajetória artística digna de nota. Entre saber de quem se tratava e a degustação das músicas, destaco Bom dia (uma parceria dela com o Billy Brandão e com participação especial da Paula Toller), A Viga (parceria dela com o Fernando Fiuza), Contradição (dela com Marcos Cunha e William Magalhães), Ossos (essa do Wado) e Memória da Flor (da dupla Junior Almeida e Zé Paulo). Confesso maravilhado que vocês terão a mesma satisfação de constatar: uma artista!


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