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segunda-feira, março 11, 2019

IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO, DAREL VALENÇA LINS, CHELPA FERRO, POETA PICA PAU, VALE DO UNA & IGARAPEBA.


O NORDESTINO POETA PICA PAU – Lá pelo início dos anos 1970, conheci aquele que vinha zambeta de venta empinada pela Rua Nova, carregando baldes atrás de lavagem pra porcos. De casa em casa gritava: Tem lavagem? De dentro vinha resposta, postiva ou negativa e, dependendo disso ele se ria ou saia maldizendo tudo. Era, então, Zé Pilintra e não arriava na beca, prumode o quê?: Prumode que é que é, qui nós home mata a mata? / Se a mata nus encanta, lugar onde o pássaro canta / com a lenda do Pai da Mata. / Quanto mais se mata a mata, a mata se consome / o home matando a mata, a mata ao home faz falta / e o mundo sentindo fome. / A mata senta a falta do grande potencial / da madeira do angico, e também do tico-tico / do bico do Pica Pau. Isso prova que mesmo parecendo um chato arengueiro, era cabra, no fundo, gente boa, só que se amostrava com a peste: Sou cria da mesma praça / que criou-se Giramundo / da terra sou oriundo / de um trovador de raça / eu sou pão da mesma massa / de um cantador esperto / sou troncho, torto sou certo / sou leso e não sou banana / mas sou a Besta Fubana / do escritor Luiz Berto. Era os tempos de estudante do Ginário Municipal, das estripulias licenciosas e maloqueragens adolescentes. Pois bem, tempo vai, tempo vem, a gente se danou na buraqueira do mundo e, uma década depois, se reencontra: pinga, meiota, cajá, caju, siriguela, bunda de tanajura e lavando tudo com cerveja, pilhéria, versejada e uma viola de 12 cordas Del Vecchio no meio da camaradagem. Diz ele que eu afanei o instrumento desencordoado, não foi, na verdade. Queria mesmo dar umas cipoadas boas no instrumento pra ver se aprendia direito. Não deu, nunca passei de poetastro, mas graças a ela, um dia depois de uma tocada boa, lá ia eu desprevenido pela rua e um cão que parecia um leão me atacou e nela me protegi. Resultado: do medo e quase que cagado, o ataque torou o braço da viola no meio que até hoje está num canto da casa de um consertador amigo. Por conta disso, a gente manga um do outro até hoje: eu das minhas besteiras de bestão tapado sem competência no métie; ele, da sabedoria, não perde uma, desaforo que seja, na ponta da língua arrelia de cima sem arriar no badalo: Guará gago não gagueja, e gato gago não mia. Eu que sempre fui um poeta de água doce, nunca acompanhei os motejos poéticos dele: Um grande furacão eu enfrentei / me deparei sem querer com um vulcão / antes de entrar em erupção / nas entranhas da terra emburaquei / quando nas placas tectônicas passei / o segredo já estava desvendado / os minérios que foram encontrados / são riquezas do poder da natureza / observando assim toda beleza / quando dei fé já tava do outro lado. De tão metido, vez em quando, no meio das pinoias e trocas de ofensas, ele sapecava no pau da minha venta um acrótisco: Não há dinheiro que pague / o valor que a gente tem, / ricos de literatura / dádiva de Deus amém, / ensinamento divino / sapiência do além, / talento cabra da peste / inspiração com encanto / nunca sentimos tanto / orgulho deste Nordeste. Jogava mais na minha lata o quanto honrava a tradição instaurada pelo poeta Manuel Bentevi: Me criei com o Pai da Mata / e Cumade Fulosinha / levei a vida todinha / vendo o Saci Pererê / Bumba meu boi pra se ver / tem a Mula sem Cabeça / espero que não esqueça / do meu tempo de menino / vou seguindo meu destino / levando a lenda às alturas / o folclore é a cultura / de um povo nordestino. / Baião de Luis Gonzaga / xaxado de Lampião / são danças da região / que deixa a gente animado / pastoril coco de roda / maracatu e reisado / lá na festa do Divino / se ouve o bater do sino / convidando as criaturas / o folclore é a cultura / de um povo nordestino. Pra você ter uma ideia, o sujeito não cabe em si de tão folgado, não deixando qualquer loa sem os respectivos bregues: Encontrei uma aguardente / cana boa de Sergipe / curava tosse e gripe / até tristeza da gente / com uma dose somente / suavizava um rouco / pra quem bebesse pouco / era remédio e curava / mas pra quem exagerava / era pô bôrocotôco. Feito pinto no lixo em qualquer faustoso repasto, o enxerido solta uma lapa de língua e saçarica ineivado: Chapéu de otário é marreta / comer de esperto é mingau / quem é otimista sonha / o realista é quem faz / quem trabalha Deus ajuda / cochichou cachimbo cai [...] Tristeza traz depressão / e toda dúvida é incerta / a chuva fina não molha / depois da curva vem reta / com rimas de faz poesias / inspiração d’um poeta. E para mais me humilhar, arruma a gola no vinco e a fivela nos quartos, enche o pulmão com afinco e se amostra todo ancho cheio do Tataritaritatá: Joaninha a filha mais nova / de Gregório cabra danado / que quando ficava zangado / leva 1, 2,3 pra cova / eu quis tirar essa prova / lhe chamei pra namorar / ela disse vou aceitar / mas tenho quase certeza / que meu pai vai te matar / eu fiz uma festa daquelas / embriaguei o pai dela / me agarrei com a donzela / e tari, tari, tari, tatá. Não para por aí, afina o gogó e pisa forte no martelo: Uma casa de taipa chão batido / o terreiro arrudiado de fulô / na janela uma cortina de tricô / uma cerca de arame retorcido / uns cabritos no pasto distraídos / no alpendre alguém bate o pilão / no roçado a dibúia de feijão / no fogão a panela à cuziar / e sem ter como isso registrar / tirei foto com a imaginação. Pois bem, esse alagoano de Passo de Camaragibe chegou menino em Palmares, fincou os pés no chão proseando descarado: O tum, tum tum no pilão / de longe se escutava / na chaleira mão botava /  o pó e água no fogão / com fartura de montão / para mesa ela trazia / a gente se reunia / pro alimento primeiro / ainda hoje eu sinto o cheiro / do café que mão fazia. Montado numa lapa de bigode não para no amostramento: Alerto as autoridades, / e doutores competentes / para voltasse ao sistema / que já salbou muita gente / porém com estilo ótico / vi no diagnóstico / que o SUS está doente. Com o tempo, como um bom embeiçador da tirana, tornou-se técnico em produção de açúcar e álcool e, também, em logística e gestão de pessoas. Graduou-se em Teologia para ampliar seu arcabouço intelectual: afinal, pro cabra ser bom tem que entender de tudo, até das coisas do outro mundo que ele se diz doutor. Publicou uns livros. Destes, eu tenho um livro e um cd: Feitos d’versos (Outras Palavras, 1995) e Umas & outras. O restante deles, não sei se por pirangagem da sua mão de figa, nem eu tenho, nem na biblioteca ou na Academia onde ele ocupa uma das cadeiras de imortal, podem ser encontrados: Sussurros da mata (Bagaço, 1986), Num rio de poesias (Universitária, 1987), Despertar no rincão, Matutando na literatura e Prosa de terreiro. S’assente, meu véio, faça isso não. Agora ele reaparece com a obra Nordestino sim senhor (JC, 2018): Tinha um rio, uma pedra, e um peixe / o rio corria, a pedra crescia, o peixe nadava / a agua batia e a pedra molhava / e na correnteza a peixe subia / o rio foi poluído / a pedra explodida / e o peixe sumido / puta que pariu, quem diria! Só tenho agora uma coisa a dizer: esse é dos bons, afianço (quem sou eu? Ah, bicho besta metido às pregas), esse José Maria Sales, o poetamigo Pica Pau. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

DITOS & DESDITOS: O QUE É SER BRASILEIRO
[...] e não me senti brasileiro. O que é ser brasileiro? Tomar deste sorvete? Falar português? Levar vantagem, guardar dólar para valorizar, aceitar passivamente a inflação, aplicar no open, invejar a corrupção impune, usar tanga minúscula exibindo os pentelhos, saber estourar pipoca, jogar na loto, saber com quem está falando, procurar mordomia, assistir ao Fantástico, ter caderneta de poupança, tomar rabo de galo, achar caipirinha de vodca o máximo, fritar linguiça de porco, não pagar prestação da casa própria, se pendurar num emprego público, ter sucesso, adorar voleibol, ter todos os cartões de crédito, comer abobrinha, mandioca frita, dar um jeitinho, ter um contrabandista amigo para as bebidas, curtir o carnaval, usar jeans com grife estrangeira, fingir que não se incomoda com o que Roberta Close tem no meio das pernas, ter fé em Nossa Senhora Aparecida, ser doutor, mentir como o governo, acreditar na macumba, sacanear, desmentir como o governo, devorar dobradinha às quartas-feiras e feijoada aos sábados, adorar bundonas, dizer que come todas as mulheres, acreditar que ninguém pode com o brasileiro? [...].
Trecho extradído da obra O beijo não vem da boca (Global, 1985), do escritor e jornalista Ignácio de Loyola Brandão, Veja mais aqui, aqui e aqui.

A ARTE DE DAREL VALENÇA LINS
É a cor que muda as sensações e o clima do acontecimento. Pode atribuir um clima dramático, ou poético, ou sombrio. Pensamento de Darel Valença Lins
As prostitutas [...] dizem coisas através da maneira como se vestem, o que traduz o interior de cada uma delas [...] Não é por necessidade erótica que fico atraído pelo tema, mas pela forma, pelo sensualismo das roupas, do penteado, da maquilagem. Esses aspectos me causam grande interesse visual e muito pouco sensual. Muita gente procura fazer sensacionalismo, como se eu fosse um cara que frequentasse habitualmente os bordéis, tomasse absinto e enchesse a cara [...] Trechos de uma entrevista de Darel Valença Lins ao Jornal Auxiliar, São Paulo, 01/07/1985.
[...] As cidades inexistentes que ele cria e que parecem despovoadas, os seres humanos esmagados pela máquina – e tudo isso na atmosfera penumbrosa do sonho, um realismo que nós reconhecemos como se fosse nosso: beleza e pesadelo marcam a obra de Darel. Como se podem unir estas duas palavras – só Darel sabe porque ele vive seus sonhos, não como homem irreal, mas como um homem. Quem habita as enormes cidades, senão o próprio Darel que as sonha e idealiza? Sonhar e idealizar são o ideal de um homem, de uma mulher. Em Darel, além da parte artística propriamente, há uma preocupação com a totalidade do ser humano em sua plenitude. O choque impotente do indivíduo diante da máquina. As cidades escuras onde uma ou outra janela de luz acesa atestam que elas são habitadas. Psicanalisando ou não, trata-se de um grande artista e tenho que falar no resplandecente mistério de sua obra. Dela emana, tanto da gravura, quanto do óleo e do desenho o grande mistério de viver [...] Palavras da escritora Clarice Lispector, em Diálogos Possíveis. Darel, revsita Manchete, São Paulo 07/1978.
A arte do premiado gravurista, pintor, desenhista, ilustrador e professor Darel Valença Lins (1924-2017), que foi professor da Enba, Faap e Masp, atuou como ilustrador em diversos periódicos, como a revista Manchete, Senhor e Playboy, e os jornais Última Hora e Diário de Notícias, entre outros. Foi encarregado das publicações da Sociedade dos Cem Bibliófilos do Brasil, ilustrou livros dos maiores escritores da literatura brasileira, como Graciliano Ramos, Dalton Trevisan, Antonio Maria e Clarice Lispector. Conviveu com Iberê Camargo, Cândido Portinari e Oswaldo Goeldi, entre outros. Fonte: GORINO, Vitor Hugo. Litografia artística brasileira: Lotus Lobo e Darel Valença Lins (Universidade Estadual Campinas, 2014). Veja mais aqui, aqui e aqui.

A MÚSICA DE CHELPA FERRO
O coletivo Chelpa Ferro foi criado em 1995 e reúne a trajetória de renomados profissionais, como o pintor Luiz Zerbini, o escultor Barrão e o editor de cinema Sérgio Mekler, aliando experiências pessoais que exploram possibilidades na produção de arte contemporânea brasileira, utilizando elementos sonoros justapostos aos visuais em suas obras. A abordagem interdisciplinar é revelada pela aparente desorganização meticulosamente orquestrada, criando espaço de fronteira entre os objetos articulados, o público e o som em suas performances, instalações e shows. Na obra Maracanã (2003), realizada no Museu de Arte Moderna (MAM), do Rio de Janeiro, replica por meio de música eletrônica experimental a emoção de um jogo de futebol e apropria-se do espaço com a grandeza da arena construída. Assim, na obra de Chelpa Ferro, a percepção convencional de música é desconstruída, criando uma nova linguagem sonora que, ao ser equalizada em função escultórica, assinala correspondências ativadas pela disposição e curiosidade do espectador. Já Acqua Falsa (2005), apresentada na 51a Bienal de Veneza, a obra incorpora a apresentação ao vivo com o improviso e interação com o público. A performance Autobang, na 27a Bienal de São Paulo (2002), o batuque gerado pelos porretes em ação é amplificado pelas caixas de som, produzindo distorções que se revelam na construção de fronteiras entre ruído e música, processo e resultados, espaço e escultura orienta a poética deste coletivo, a reflexão sobre o improviso, o reprocessamento e a criatividade da cultura brasileira. Já se apresentou em Havana (2003), em Porto Alegre, e possui 4 álbuns lançados nos anos de 1997, 2011, 2012 e 2013. A discografia do coletivo registra experimentações sonoras em shows ao vivo e publicado um livro com um panorama das criações do grupo. Veja mais aqui.
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VALE DO UNA - CAPOEIRAS, ONDE NASCE O RIO UNA
Veja mais aqui & aqui.
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IBA.VALE: ARTE EM IGARAPEBA
Veja aqui e aqui.
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A poesia do poeta Pica Pau aqui & aqui.


segunda-feira, janeiro 07, 2019

RUBEM BRAGA, JOÃO CÂMARA, LÍDIA BAZARIAN & ESCRITOS NA AREIA


ESCRITOS NA AREIA – Para quem sabe ou não, o Sol nasce para todos de uma forma ou de outra: cada um presta atenção como pode ou quer. O que sei é que quando me dei conta de que tudo sabia, parecia nada, apenas um fantasma enredado, um mudo sonhador diante: “A grande senda não possui portões. Milhares de estradas entram nela. Quando alguém atravessa o portal sem portões caminha livremente entre o céu e a terra”. Ora, era tudo muito complicado ao entendimento, sempre. Então, segui a estrada que pude para encontrar a entrada certa: quando não houver portões, para entrar é preciso inventá-los e depois suprimi-los, só assim o verdadeiro portal será atravessado. E me reinventei com a primeira flecha, leve; a segunda, penetrou profundamente. Aí o mundo era outro: tão amplo pra quem vê o som, ouve a luz e nada diz, cheira a vida, digere a tigela com as cascas e sementes de todas as coisas, toca tudo na concha da mão vazia: como é lindo testemunhar os pássaros cantando entre as flores perfumadas de todos os matizes. Quase sabia que pro cego de nariz alto tanto faz a luz ou a escuridão; e mesmo que ele leve uma lanterna, também será pro outro se estiver apagada: ninguém saberá dele. Um pouco mais: pra quem determinado ou pretendente das amenidades, algo pode se abrir a qualquer momento, o ouro do pó ou iluminação: só quem souber será premiado. E eu me vi no embarque do aeroporto pra imensidão do céu, do cais pras profundezas dos oceanos, da porta de casa pra ganhar as ruas e rodovias do fim do mundo. Enfim, a vida é a confluência de todos os caminhos e nenhum. As ilusões perturbam e, quando menos se espera, fenecem e se dissolvem, só assim se sabe do engodo: navios em águas rasas, sandálias na cabeça, o osso da língua - o tolo não sabe qual a primeira ou a última verdade, o erro sai pela boca e a fala tagarela é como o peixe encontra o anzol. Isso sou eu, patético. De outra forma, o drama jamais seria comédia porque não se luta com as armas alheias, não se cavalga com o cavalo de outro. É preciso perdoar e não só pancadas por não se saber digerir a verdade, qualquer que ela seja. Só depois de quinhentos renascimentos, o coração realiza pelas dez partes do mundo, seguindo as pegadas dos 10 Touros para entrar no portal sem portões. Sim, tentei, segui. Procuro escrever cartas legíveis, meus garranchos se escondem aos relâmpagos, as palavras não resistem a um piscar de olhos: ninguém ouve entre o instante e o infinito tempo, meus pés pisam a Terra pura: onde houver lógica não haverá graça, nada faz sentido. Dentro da minha casa os sábios me desconhecem e ninguém, muito menos, sabe do jardim invisível que cultivo iluminando cada uma das minhas vértebras para aprender que o caminho é a vida diária e o outro que continue o poema. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS
Ir à praia cedo, como na infância. as ilhas no horizonte ainda estão veladas pela névoa da madrugada. O mar andou bravo esta noite, arrancando algas e mexilhões das pedras, em seu grande assanhamento de lua; respirar seu hálito acre; dar um mergulho na água fria, na praia ainda solitária, levar umas pancadas de onda, voltar para o sol na areia. E andar à toa ao longo da praia, chapinhando na espuma branca. Mas encontro, com surpresa, uma senhora conhecida. [...] Eu me afasto mais; longe, me sento na areia, e fico olhando o quadro. Contra a luz, já não distingo as feições nem ouço a voz da mulher. Assim, com a silhueta cortada contra a luz que se reflete no chão molhado, ela parece estar nua com o seu menino. É apenas uma jovem fêmea que ensina o mar e o mundo à sua cria; transmite-lhe a experiência da espécie e o sentimento dos deuses; na sua graça matinal esse batismo tem uma beleza solene.
Crônica Batismo (Rio, setembro, 1959), extraída da obra Ai de ti, Copacabana (Record, 2006), do escritor Rubem Braga (1913-1990). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

DEZ CASOS DE AMOR DE JOÃO CÂMARA
Dez casos de amor e uma pintura de Câmara (1977) é o título de uma série reunida em um caderno de fontes com diversas litografias, um tríptico, pinturas, gravuras, montagens e objetos do premiadíssimo pintor paraibano residente em Olinda – PE, João Câmara. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje curta na Rádio Tataritaritatá a música da pianista e professora Lídia Bazarian: Poemeto, Miragem, Manhã e Segundo Solo para Cortázar. Para conferir é só ligar o som.
E mais:
O Sol nasce paratodos aqui.
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Vale do Una aqui.
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Missiva do Esconjurado, Walter Benjamin, Uma Carta de Miguel Jasseli, A musa sem máscara de Maria Áurea Santa Cruz, Um poema de Lourdes Sarmento aqui
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Música aqui Veja aqui.
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quarta-feira, novembro 07, 2018

LIMA BARRETO, GUILHERME RIPPER, ELENA ZOLOTNITSKY, VALE DO UNA & FESTIVAL EM LIBRAS


VALE DO UNA - Imagem da série Extinct, da artista russa Elena Zolotnitsky. - Finquei os pés no chão de Palmares – minha terra, meu torrão. Timbunguei no Velho Una e me danei rumo Oeste não sei para onde, no meio da Mata Meridional. Deixei calunga e cheleleu, fiz pernoite em Xexéu depois voltei atrás, estava todo errado, desencontrado como sempre, se não sabia lá pra onde ia, seguia pra Belém de Maria e lá me livrei das rezadeiras findando por Batateiras do outro lado do mundo. Fui feito carrapeta, rodando todo arraial pra chegar em Maraial e ir direto pro Sul esquisito pelas mãos de São Benedito até ficar aflito, pronde mesmo que eu queria ir, hem? Não sei, seguia. Ah, me livrei do revestrés nas esquinas de Caetés, tinha cotoco pirrototinho enfiado no terreiro de Canhotinho, eu mais que perdidinho num medonho panapaná que esvoaçava em Quipapá, levado pelo vento que suspira nas terras de Cupira. Foi então que fiz então canção pra ela na boca da noitinha de Panelas, descansar a carcaça e as mazelas pra de manhã chupar muita manga e mangaba na Barra de Guabiraba e, depois de acertos e erros, dei de cara com Bezerros e fui me arranchar. Onde mesmo é que estou, não sei mesmo. Por não ser nada taful, olhei pro céu azul, oxe, isso aqui é Caruaru, danou-se tudo: o mundo de cabeça pra baixo! Ou tudo endoidou comigo. Andejo que só fulano, descobri o que é ter tutano encarando a vida em São Caetano, onde dei voltas sem fim. Já que nada mais me vinha na poeira, só o aconchego em Cachoeira era pra me redimir, pra levar o maior catabi de quase rolar todo em Jucati e ficar sabendo: o fim do mundo não é aqui, depois que é Jupi, lá do beiço virado, longe que só. Foi então que perdi o verbo e o poema, estava só em Jurema juntando os trapos defronte, ainda ontem eu vi enfim São Joaquim do Monte quando arrastava o solado pelo oitão de Calçado e me vi só todo acabrunhado: é que não era confeito nem jujuba, ali é Ibirajuba, pro outro lado o chão de Tacaimbó. Mas o melhor mesmo foi que uma forrozeira dançando xote em Pesqueira me fez seguir apertado até no osso, a me danar por Venturoso e cair morto porque o pencó estava solto na calçada de Sanharó. Perdi-me de tanto gritarem: Febrento! Isso aqui é São Bento. Vixe! Tô pior que toupeira! Aí cheguei na maior carreira na nascente de Capoeiras – eita o Una miudinho, nascendo e seguindo sua rota pra minha terra. Segui firme o meu caminho pela estrada de Altinho e amanheci com a estrela matutina nos céus de Agrestina. Dali pela estrada de Camocim de São Félix eu saí do meu agito ao me deparar com Bonito, depois desvendei todo segredo, tomei rumo pra Lagedo e fui danado pra Catende com vontade de chegar. Fiz a volta na carreira pra bater lá em Jaqueira, tirei a poeira dos sapatos quase perto de Lagoa dos Gatos, rasguei estrada de quase levar um tombo, logo fui acolhido em Pombos, eita! Me assuntei do azarão, era então Vitória de Santo Antão e soube: não tem mais lobisomem ou boitatá nos domínios de Glória do Goitá. Não dei moleza a pacutia, segui pra Chã de Alegria, voltei tal qual errante por Chã Grande, foi ali que me vi na praça de Amaraji, oxente, não sabia nem que eu era nos arredores de Primavera, só fiquei de alma lavada pelas ruas de Escada. Aí sem jumento e sem pedrês no acesso de Cortês, abri o peito e o coração caminhando por Ribeirão. Lá longe a maior gemedeira, uma volta que dei em Gameleira, de não sobrar garrucha nem trabuco, era só Joaquim Nabuco, até um boi fazer careta num cercado de Água Preta. Aí fiquei o tempo todo de mutuca com a cacunda em Ipojuca, não tinha nada nem vintém, pisando firme em Sirinhaém, tinha que ficar jeitoso, afinal era Rio Formoso e o que é que é? Era a praia de Tamandaré, bêbado de volapuque e noigrandes na praia de São José da Coroa Grande, aprumando no lajeiro pra singrar lá por Barreiros, enfim errando de tudo antes que a vida puna arriar ao mar na Várzea do Una. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

DITOS & DESDITOS:
[...] Tubiacanga era uma pequena cidade de três ou quatro mil habitantes, muito pacífica, em cuja estação, de onde em onde, os expressos davam a honra de parar. Há cinco anos não se registrava nela um furto ou roubo. As portas e janelas só eram usadas... porque o Rio as usava. O único crime notado em seu pobre cadastro fora um assassinato por ocasião das eleições municipais; mas, atendendo que o assassino era do partido do governo, e a vítima da oposição, o acontecimento em nada alterou os hábitos da cidade, continuando ela a exportar o seu café e a mirar as suas casas baixas e acanhadas nas escassas águas do pequeno rio que a batizara. Mas, qual não foi a surpresa dos seus habitantes quando se veio a verificar nela um dos repugnantes crimes de que se tem memória! Não se tratava de um esquartejamento ou parricídio; não era o assassinato de uma família inteira ou um assalto à coletoria; era cousa pior, sacrílega aos olhos de todas as religiões e consciências: violavam-se as sepulturas do "Sossego", do seu cemitério, do seu campo-santo. Em começo, o coveiro julgou que fossem cães, mas, revistando bem o muro, não encontrou senão pequenos buracos. Fechou-os; foi inútil. No dia seguinte, um jazigo perpétuo arrombado e os ossos saqueados; no outro, um carneiro e uma sepultura rasa. Era gente ou demônio. O coveiro não quis mais continuar as pesquisas por sua conta, foi ao subdelegado e a notícia espalhou-se pela cidade. A indignação na cidade tomou todas as feições e todas as vontades. A religião da morte precede todas e certamente será a última a morrer nas consciências. [...] E a vila vivia em sobressalto. Nas faces não se lia mais paz; os negócios estavam paralisados; os namoros suspensos. Dias e dias por sobre as casas pairavam nuvens negras e, à noite, todos ouviam ruídos, gemidos, barulhos sobrenaturais... Parecia que os mortos pediam vingança... O saque, porém, continuava. Toda noite eram duas, três sepulturas abertas e esvaziadas de seu fúnebre conteúdo. Toda a população resolveu ir em massa guardar os ossos dos seus maiores. Foram cedo, mas, em breve, cedendo à fadiga e ao sono, retirou-se um, depois outro e, pela madrugada, já não havia nenhum vigilante. Ainda nesse dia o coveiro verificou que duas sepulturas tinham sido abertas e os ossos levados para destino misterioso. Organizaram então uma guarda. Dez homens decididos juraram perante o subdelegado vigiar durante a noite a mansão dos mortos. Nada houve de anormal na primeira noite, na segunda e na terceira; mas, na quarta, quando os vigias já se dispunham a cochilar, um deles julgou lobrigar um vulto esgueirando-se por entre a quadra dos carneiros. Correram e conseguiram apanhar dous dos vampiros. A raiva e a indignação, até aí sopitadas no animo deles, não se contiveram mais e deram tanta bordoada nos macabros ladrões, que os deixaram estendidos como mortos. A notícia correu logo de casa em casa e, quando, de manhã, se tratou de estabelecer a identidade dos dous malfeitores, foi diante da população inteira que foram neles reconhecidos o Coletor Carvalhais e o Coronel Bentes, rico fazendeiro e presidente da Câmara. Este último ainda vivia e, a perguntas repetidas que lhe fizeram, pôde dizer que juntava os ossos para fazer ouro e o companheiro que fugira era o farmacêutico. Houve espanto e houve esperanças. Como fazer ouro com ossos? Seria possível? Mas aquele homem rico, respeitado, como desceria ao papel de ladrão de mortos se a cousa não fosse verdade! Se fosse possível fazer, se daqueles míseros despojos fúnebres se pudesse fazer alguns contos de réis, como não seria bom para todos eles! [...] Às necessidades de cada um, aqueles ossos que eram ouro viriam atender, satisfazer e felicitá-los; e aqueles dous ou três milhares de pessoas, homens, crianças, mulheres, moços e velhos, como se fossem uma só pessoa, correram à casa do farmacêutico. A custo, o subdelegado pôde impedir que varejassem a botica e conseguir que ficassem na praça, à espera do homem que tinha o segredo de todo um Potosi. Ele não tardou a aparecer. Trepado a uma cadeira, tendo na mão uma pequena barra de ouro que reluzia ao forte sol da manhã, Bastos pediu graça, prometendo que ensinaria o segredo, se lhe poupassem a vida. "Queremos já sabê-lo," gritaram. Ele então explicou que era preciso redigir a receita, indicar a marcha do processo, os reativos—trabalho longo que só poderia ser entregue impresso no dia seguinte. Houve um murmúrio, alguns chegaram a gritar, mas o subdelegado falou e responsabilizou-se pelo resultado. Docilmente, com aquela doçura particular às multidões furiosas, cada qual se encaminhou para casa, tendo na cabeça um único pensamento: arranjar imediatamente a maior porção de ossos de defunto que pudesse. O sucesso chegou à casa do engenheiro residente da estrada de ferro. Ao jantar, não se falou em outra cousa. O doutor concatenou o que ainda sabia do seu curso, e afirmou que era impossível. Isto era alquimia, cousa morta: ouro é ouro, corpo simples, e osso é osso, um composto, fosfato de cal. Pensar que se podia fazer de uma cousa outra era "besteira". Cora aproveitou o caso para rir-se petropolimente da crueldade daqueles botocudos; mas sua mãe, Dona Emilia, tinha fé que a cousa era possível. À noite, porém, o doutor percebendo que a mulher dormia, saltou a janela e correu em direitura ao cemitério; Cora, de pés nus, com as chinelas nas mãos, procurou a criada para irem juntas à colheita de ossos. Não a encontrou, foi sozinha; e Dona Emília, vendo-se só, adivinhou o passeio e lá foi também. E assim aconteceu na cidade inteira. O pai, sem dizer nada ao filho, saía; a mulher, julgando enganar o marido, saía; os filhos, as filhas, os criados—toda a população, sob a luz das estrelas assombradas, correu ao satânico rendez-vous no "Sossego". E ninguém faltou. O mais rico e o mais pobre lá estavam. [...] evolvia a sânie das sepulturas, arrancava as carnes, ainda podres agarradas tenazmente aos ossos e deles enchia o seu regaço até ali inútil. Era o dote que colhia e as suas narinas, que se abriam em asas rosadas e quase transparentes, não sentiam o fétido dos tecidos apodrecidos em lama fedorenta... A desinteligência não tardou a surgir; os mortos eram poucos e não bastavam para satisfazer a fome dos vivos. Houve facadas, tiros, cachações. Pelino esfaqueou o turco por causa de um fêmur e mesmo entre as famílias questões surgiram. Unicamente, o carteiro e o filho não brigaram. Andaram juntos e de acordo e houve uma vez que o pequeno, uma esperta criança de onze anos, até aconselhou ao pai: "Papai vamos aonde está mamãe; ela era tão gorda..." De manhã, o cemitério tinha mais mortos do que aqueles que recebera em trinta anos de existencia. Uma única pessoa lá não estivera, não matara nem profanara sepulturas: fora o bêbedo Belmiro. Entrando numa venda, meio aberta, e nela não encontrando ninguém, enchera uma garrafa de parati e se deixara ficar a beber sentado na margem do Tubiacanga, vendo escorrer mansamente as suas águas sobre o áspero leito de granito—ambos, ele e o rio, indiferentes ao que já viram, mesmo à fuga do farmacêutico, com o seu Potosi e o seu segredo, sob o dossel eterno das estrelas.
Trechos do conto A nova Califórnia, extraído da obra Clara dos Anjos (Mérito, 1948), do escritor Lima Barreto (1881-1922). Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

A ARTE DE ELENA ZOLOTNITSKY
A arte da artista russa Elena Zolotnitsky.

AGENDA:
Festival Cultural e Literário em Libras da UFPE & muito mais na Agenda aqui.
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Vale do Una aqui, aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.
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E isso é tudo a vida toda no caos, Gustave Flaubert, Somerset Maughan, Sophia de Mello Breyner Andresen, Sonia Fátima da Conceição, Kenneth Burke, Elza Barroso, Itinerário Musical do Nordeste, Cambão Torto de Amaraji, Marlos Nobre, Galina Ustvolskaya, Gilberto Mendes & Miriam Ramos aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje curta na Rádio Tataritaritatá a música do compositor e maestro João Guilherme Ripper: Jogos Sinfônicos, Piedade, Concertino para viola e orquestra & Concerto Duplum & muito mais nos mais de 2 milhões & 800 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aquiaqui.


NOÉMIA DE SOUSA, PAMELA DES BARRES, URSULA KARVEN, SETÍGONO & MARCONDES BATISTA

  Imagem: Acervo ArtLAM . Ao som dos álbuns Sempre Libera (Deutsche Grammophon , 2004), Violetta - Arias and Duets from Verdi's La Tra...