Imagem: Acervo ArtLAM.
Ao som do show Brasilidades,
do grupo Octeto Feminino do Brasil,
criado em 2020, por iniciativa
da trompista Paula Graziele Guimarães, e formado por trompistas de quatro
estados brasileiros: Paula de
Campos, Tayanne
Sepulveda, Amanda
Vieira, Tamires
Kamisaka e Jessica
Alves (SP), Isabelle
Menegasse (RJ), Paula
Guimarães (BA) e Jaqueline
Louzada (PA).
HOJE DE TANTOS ONTENS & QUASE NENHUM AGORAMANHÃ...
- Era terça-feira e Jajá saíra para
trabalhar. No trajeto, ao cruzar com a algazarra da criançada escolar,
lembrou-se dos tempos das travessuras infantis pelo Jaraguá, das timbungadas
nas ondas da Jatiúca, das traquinagens juvenis na Ponta Verde, das bebericagens
na Pajuçara, ah, ali era o paraíso, o melhor lugar do mundo. Madurava encantado
até o dia em que já taludo, quase homem feito, leu Dora Marsden: A vida é festa e
conflito: esse é o seu entusiasmo... Firmou seu jeito e não endureceu o
coração diante das coisas desagradáveis que testemunhou. Tomou partido pelo que
achava certo e, de certa forma, reiterava Miriam Makeba: Eu apenas digo ao mundo a
verdade. E se a minha verdade então se torna política, não posso fazer nada
sobre isso... Ah, santa Mama África! Assim o fez e era assim mesmo que
militava no expediente d’A Voz do Povo, enfrentando oligarquias e prisões,
atentados, retaliações e humilhações. Segurou firme e não se dobrou. Destemido,
cassado, peregrinou na clandestinidade. E virou coisa que muita gente esqueceu
ou prefere não lembrar, se escondendo atrás do medo e emulando chacotas,
quando, na verdade é o que é de memória para uso diário. Na vera, ele teve a coragem
da vida para viver, como se repetisse Nelly Arcan: Eu nunca consenti
com este corpo que fui acusado de arrastar até minha morte... Não fosse
isso, sim, Jajá teria reaparecido. Sim, porque era mesmo terça-feira, saiu do Catumbi e nunca
chegou ao trabalho, nem jamais foi visto. Ouviu-se que ele foi capturado por
estranhos e lançado ao mar a 200 milhas da costa. Como assim? Outros corrigiam que
ele fora incinerado numa caldeira duma usina de cana-de-açúcar. Não pode! Engrossando
a confusão teve quem asseverasse mesmo que foi morto, esquartejado e jogado num
rio de Avaré. Que confusão! Ninguém sabia, qualquer um estava sujeito às emboscadas,
chacinas, restos nas valas de Perus para familiares contarem os mortos, como
ainda hoje. O fato é que ele saiu de casa para trabalhar e desapareceu –
documentos queimados para quem foi destruído e sabia lá mais quem era, já havia
perdido tudo de si e sem ninguém. Ao ouvir a conversa, uma jovem curiosa:
Afinal, quem é Jajá? Jayme Amorim Miranda (1926-1975). Ah, pensei que fosse
algum conhecido! E saiu com o desdém de quem teimava olvidar das lições deontem e de hoje. Tortura nunca mais! Até mais ver.
DOIS POEMAS
Imagem: Acervo ArtLAM.
O CAMALEÃO - Sou uma bruxa do destino \ sem roca. \ Sou um soldado
com um coração mole. \ Sou uma senhora vagabunda\ com uma casa de caracol nas
costas. \ Sou um piloto sem asas. \ Eu sou um elfo espacial no planeta Terra. \
Eu sou a prostituta dos seus pensamentos. \ Eu sou a deusa que surge do oceano
espumante\ na concha dos seus sonhos. \ Eu sou o camaleão,\ derreto-me na
imagem\ com a mesma facilidade com que uma gota de água doce\ se mistura com
água salgada.\
O POEMA DA AVENTURA - Nas profundezas da montanha \ as aventuras se escondem. \ Eles são de todas as formas e feitios. \ Todos têm um final excelente,\ pois quem vive a vida em aventura\ vê o mundo de uma forma extraordinariamente especial. \ Para atrair as aventuras para os padrões do hábito\ basta fechar os olhos\ e pedir que te abracem. \ Você também pode imaginar que é transparente\ e sente o vento fluindo através de você\ em vez de ir contra você. \ Ou imagine que há pequenas asas nas suas costas\ e cada vez que você dá um novo passo você salta um pouco. \ Talvez a própria vida seja uma grande aventura\ se você usar os óculos de sol corretos.
Poemas da escritora, artista, editora e ativista islandesa Birgitta Jónsdóttir.
COMO LER LITERATURA - [...] Vivemos em um mundo
em que não há nada que não possa ser narrado, mas também nada que precise ser
narrado. [...] Gostamos de pensar
nos indivíduos como únicos. No entanto, se isto for verdade para
todos, então todos partilhamos a mesma qualidade, nomeadamente a nossa
singularidade. O que temos em comum é o fato de sermos
todos incomuns. Todo mundo é especial, o que significa que
ninguém é. A verdade, porém, é que os seres humanos
são incomuns apenas até certo ponto. Não existem qualidades que sejam
peculiares a uma pessoa sozinha. Lamentavelmente, não poderia haver um
mundo em que apenas um indivíduo fosse irascível, vingativo ou letalmente
agressivo. Isto ocorre porque os seres humanos não
são fundamentalmente tão diferentes uns dos outros, uma verdade que os
pós-modernistas relutam em admitir. Temos muitas coisas em comum simplesmente
pelo fato de sermos humanos, e isso é revelado pelos vocabulários que temos
para discutir o caráter humano. Compartilhamos até mesmo os processos
sociais pelos quais nos individualizamos. [...] O prazer é mais subjetivo do
que a avaliação. Se você prefere pêssegos a peras é uma
questão de gosto, o que não é verdade se você considera Dostoiévski um
romancista mais talentoso do que John Grisham. Dostoiévski é melhor
que Grisham no sentido de que Tiger Woods é um jogador de golfe melhor que Lady
Gaga. [...] O teatro pode nos ensinar alguma verdade, mas é a verdade da
natureza ilusória da nossa existência. Pode alertar-nos para a qualidade onírica
das nossas vidas, a sua brevidade, mutabilidade e falta de bases sólidas. Como tal, ao
lembrar-nos da nossa mortalidade, pode fomentar em nós a virtude da humildade. [...] O artístico
está, portanto, muito próximo do ético. Se ao menos pudéssemos compreender o mundo
do ponto de vista de outra pessoa, teríamos uma noção mais completa de como e
por que ela age daquela maneira. Estaríamos, portanto, menos inclinados a
censurá-los de algum ponto de vista externo altivo. Compreender é
perdoar. [...] As obras literárias são peças de retórica e também de
relatórios. Eles exigem um tipo de leitura
peculiarmente vigilante, que esteja alerta ao tom, ao humor, ao ritmo, ao
gênero, à sintaxe, à gramática, à textura, ao ritmo, à estrutura narrativa, à
pontuação, à ambiguidade – na verdade, a tudo o que está sob o título de “forma”. [...] O erro mais comum que os estudantes de
literatura cometem é ir direto ao que diz o poema ou romance, deixando de lado
a forma como o diz. Ler assim é deixar de lado a
“literariedade” da obra – o fato de ser um poema, uma peça ou um romance, em
vez de um relato da incidência da erosão do solo em Nebraska [...] Se nos inspirarmos apenas na literatura
que reflete os nossos próprios interesses, toda leitura se torna uma forma de
narcisismo. [...] Arranhe um estudante e você encontrará um selvagem. [...].
Trechos extraídos da obra How to
Read Literature (Yale University Press, 2014), do filósofo e crítico
literário britânico Terry Eagleton. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui,
aqui e aqui.
COMO FUNCIONA O FASCISMO – [...] A política fascista
invoca um passado mítico puro, tragicamente destruído. Dependendo de como a
nação é definida, o passado mítico pode ser religiosamente puro, racialmente
puro, culturalmente puro ou todas as opções acima. [...] A política
fascista pode desumanizar grupos minoritários mesmo quando não surge um estado
explicitamente fascista. [...] Na política fascista, as mulheres que não
se enquadram nos papéis tradicionais de gênero, os não-brancos, os
homossexuais, os imigrantes, os “cosmopolitas decadentes”, aqueles que não têm
a religião dominante, são, na sua própria existência, violações da lei e da
ordem. Ao descrever os negros americanos como uma ameaça à lei e à ordem, os
demagogos nos Estados Unidos conseguiram criar um forte sentido de identidade
nacional branca que requer protecção contra a “ameaça” dos não-brancos. [...] Os perigos
da política fascista advêm da forma particular como desumaniza segmentos da
população. Ao excluir estes grupos, limita a
capacidade de empatia entre outros cidadãos, levando à justificação de
tratamentos desumanos, desde a repressão da liberdade, prisão em massa e
expulsão até, em casos extremos, o extermínio em massa. [...] Os nazistas
acreditavam que o movimento das mulheres fazia parte de uma conspiração judaica
internacional para subverter a família alemã e, assim, destruir a raça alemã. O movimento,
afirmava, estava a encorajar as mulheres a afirmar a sua independência
económica e a negligenciar a sua tarefa adequada de produzir filhos. Estava espalhando as
doutrinas femininas do pacifismo, da democracia e do “materialismo”. Ao encorajar a
contracepção e o aborto e, assim, reduzir a taxa de natalidade, estava a atacar
a própria existência do povo alemão. [...] A política fascista não conduz
necessariamente a um Estado explicitamente fascista, mas mesmo assim é
perigosa. A política fascista inclui muitas estratégias distintas: o passado mítico,
a propaganda, o anti-intelectualismo, a irrealidade, a hierarquia, a
vitimização, a lei e a ordem, a ansiedade sexual, os apelos ao coração e o
desmantelamento do bem-estar público e da unidade. [...] Para o
fascista, as escolas e universidades existem para doutrinar o orgulho nacional
ou racial, transmitindo, por exemplo (onde o nacionalismo é racializado) as
conquistas gloriosas da raça dominante. [...] a política fascista cria um estado de
irrealidade, em que teorias da conspiração e notícias falsas substituem o
debate fundamentado. [...]. Trechos extraídos da obra How Fascism Works: The
Politics of Us and Them (Random
House, 2018), do filósofo Jason Stanley. Veja mais aqui.
O CORONEL DE MACAMBIRA
[...] Viva! \ Ora viva!
\ A aeromoça do céu! \ A aeromoça do céu \ tem as asas da esperança \ de um
futuro que há de vir! \ Viva! [...].
Trecho extraído da peça
teatral O coronel de Macambira – poesias com palavras incompletas (FCCR,
2005), do poeta, dramaturgo, engenheiro civil, desenhista,
professor e editor Joaquim Cardozo (1897-1978). Veja mais aqui e aqui.
UM OFERECIMENTO: SANTOS MELO LICITAÇÕES
Veja detalhes aqui.
Tem mais:
Curso: Arte supera timidez aqui.
Poemagens & outras versagens aqui.
Diário TTTTT aqui.
Cantarau Tataritaritatá aqui.
Teatro Infantil: O lobisomem Zonzo aqui.
Faça seu TCC sem traumas – consultas e curso aqui.
VALUNA – Vale do Rio Una aqui.
&
Crônica de amor por ela aqui.