MAÍRA, A DONA
CLARA – A paisagem nos seus olhos, o vento nos seus cabelos negros, sua
pele bronzeada pela margem esquerda do rio Potengi. Sua destreza com a lança, o
tacape e o arco e flecha davam-lhe qualidades heroicas. Esta a jovem potiguara
Maíra, aquela que se apaixonou por Poti, o Potiguaçu da sua tribo. Com a
chegada dos jesuítas no aldeamento do Guajiru, ela foi catequizada e batizou-se
Clara. E seguiu com seu marido para a capitania de Pernambuco montada em seu
cavalo e disposta a enfrentar as espadas e arcabuzes inimigos. Impedida de
integrar os guerreiros, ela formou um pelotão e liderou uma tropa feminina de
nativas, negras e mamelucas, que escoltava famílias para o refúgio de Porto
Calvo. Sua valentia afrontou perigos e atuou na vitoriosa batalha de Tejucupapo
contra os invasores holandeses. Daí serviu na primeira batalha dos Guararapes,
na qual atuou como escudeira do marido que era integrante do exército regular e
das companhias de guerrilheiros. Após o triunfo seu marido vitimou-se da
malária e deu-lhe a viuvez e o anonimato. Os tempos passaram e justiça foi
feita: ganhou a insígnia e as regalias oferecidas a alta nobreza e tornou-se
Dona Clara, a guerreira Maria Clara Filipa Camarão. Veja mais aqui, aqui,
aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
DITOS &
DESDITOS – Ouça o que dizem os antigos. Preste atenção na fala dos
velhos sábios, pois eles guardam a Palavra Criadora... Pensamento do indígena,
ambientalista, filósofo e escritor Ailton Krenak. Veja mais aqui.
ALGUÉM FALOU:
Enquanto existir uma erva, uma árvore ou um rio no planeta, nós povos
indígenas existiremos... Pensamento da professora Edilene Batista Kiriri,
fundadora da Associação das Mulheres Indígenas Kariri (ASSMIK).
HISTÓRIA
INDÍGENA - [...] Em Pernambuco, contam-se alguns núcleos de remanescentes
indígenas, entre os quais o do Brejo dos Padres (índios Pançararu), de Colégio
(índios Shocó e outros), e de Palmeira dos Índios (índios xucurus) e o de Águas
Belas (índios fulniô). [...]. Trecho extraído da obra Muxarabis &
Balcões £ outros ensaios (CEN/Brasiliana, 1958), do antropólogo, professor,
historiador, advogado e pesquisador Estevão Pinto (1895-1968). Nesta
obra ele também expressa sobre os pancararu: [...] Sociologicamente falando,
os Pancararus estão degenerados, isto é, perderam o que Gilberto Preyre chama, com
apoio de Pitt-Rivers, o potencial, o ritmo, a capacidade construtora da
cultura. Assim , muitos dos seus traços culturais desapareceram, diluídos ou
diferenciados, embora alguns deles possam, ainda hoje, ser surpreendidos ou
apontados em um quase flagrante. [...]. O autor já havia publicado outras obras,
como Mosaicos (1913), A Escola e a Formação da Mentalidade Popular no
Brasil (1932) e O Problema da Educação dos Bem Dotados (1933). Sobre
os fulniô expressa na obra Etnologia Brasileira - Fulnio – os últimos
tapuias (CEN/Brasiliana, 1956): [...] O contato dos fulniô com alguns
grupos da família tupí-guaraní não poderia ser motivo para a existência, entre
os mesmos, desse complexo, pois [...] os tupi em geral, quando muito,
identificavam juruparí com as almas dos avoengos. [...]. Em uma das
minhas primeiras visitas à aldeia dos Fulniô levei numerosos presentes para os
índios. Esgotados os presentes, tive de lançar mão de dinheiro, que me voou todos
dos bolsos. Meu próprio cachimbo e minha própria lâmpada portátil caíram em
poder dos caboclos. [...] Continuamente explorados e ludibriados, os ameríndios
habituram-se, de igual modo, à velhacaria e aos processos de exploração. E já
hoje é difícil corrigir um erro que vem de tantos anos. [...]. Outras obras
publicadas do autor sobre o tema são: Os indígenas do Nordeste
(CEN/Brasiliana, 1935) e Os indígenas do Nordeste. Organização e estrutura
social dos indígenas do Nordeste brasileiro (CEN/Brasiliana, 1938). Além destas
obras, também publicou os estudos: Alguns aspectos da cultura artística dos Pancarús de
Tacaratú (MEC, 1938), A medicina dos tupi-guaranis (Actas Cibas - Tipografia Irmãos Barthel, 1944), As máscaras-de-dansa dos
Pancararu de Tacaratu - remanescentes indígenas dos sertões de Pernambuco (Journal de la Société des Américanistes, 1952), Estórias e Lendas
Indígenas (UFPE, 1955) e Os Fulniô de Águas Belas (Anhembi, 1955).
Já na obra Introdução a História da Antropologia (IJNPS,1964),
o autor expressa que: [...] Os antropólogos procuraram aproveitar os ensinamentos
de Freud e de sua escola, aceitando-os, não como teoria psicanalítica, mas como
uma contribuição da Psicologia profunda aos problemas da ciência do homem. Tentando
resolver questões específicas de antropologia, Freud explica as origens do Totemismo
e da proibição do incesto, por meio de teorias consideradas logo fantasiosas.
[...] os antropólogos não tardaram a descobrir que a teoria de Freud levava
a consequências que o próprio Freud não visa. O alcance, por exemplo da
hipótese de que o tratamento e as experiências da primeira infância influem de
forma decisiva no desenvolvimento do tipo de personalidade. [...] O conceito
de raça, identificado com o de nação, transformou-se «no mais perigoso dos
mitos humanos [...]. FONTES: A dissertação de mestrado O silêncio
conivente – Estêvão Pinto, Etnólogo: Trajetória intelectual e Opções Teóricas
(UFPE, 1992), de José Maria Tenório Rocha, a obra organizada pelo Dr. Lourenço
Filho: A escola e a formação da mentalidade popular do Brasil pelo Dr. Estêvão
Pinto (Companhia Melhoramentos de São Paulo, 1932) e as notas biográficas de
Mariana Tenório da S. Lima (UFAL, 2019).
MAÍRA - [...]
No vasto mundo dos poucos mairuns viventes e
dos muitos que viveram e morreram, corre a notícia. O tuxaua Anacã decidiu que
nesta noite dos vivos ele deitará para dormir, como sempre, mas só acordará de
madrugada, morto-vivo, no fim do dia dos mortos, para ver a luz do sol negro
iluminando. [...] Anacã morre
para que os mairuns renasçam. Simultaneamente se vão dissolvendo na morte suas
carnes regadas cada dia e renascendo seu povo nos ritos que reacendem em cada
um o gosto de comer, a alegria de cantar, o prazer de dançar, a coragem de
ousar, o gozo de foder. [...]. Habituados com suas mulheres que parem
como cachorros ou animais selvagens, não deram qualquer atenção especial ao
parto dessa mulher branca e civilizada (apesar de extravagante) que estava no
meio deles. Ela, vendo-se sozinha, numa praia, com as dores do parto que podem
ter sobrevindo de repente, não teria resistido. Foi vítima de sua própria
afoiteza em meter-se, aventurosamente, por essas matas e aqui deixar-se prenhar
[...]. Que será este meu filho ou esta minha filha? Será mairum como eu
quero que seja? Será um branco, um caraíba, no sentido de civilizado e de
cristão, como eu fui, como eu era, como ainda sou, apesar de mim? [...]. Trechos
extraídos da obra Maíra (Global, 2014), do
antropólogo e escritor Darcy Ribeiro (1922-1997). Veja mais aqui, aqui,
aqui, aqui e aqui.
DOIS POEMAS
- OS FILHOS DAS ÁGUAS DOS SOLIMÕES
- A água é a mãe que sustenta \ A vida que nasce como flor\ Alimenta a planta e
o ser vivente\ É estrada onde anda o pescador.\ Na enchente, vem veloz e
furiosa\ Derrubando ribanceiras e plantações\ Afeta a vida do indígena e
ribeirinho\ É um ciclo, que se renova a cada estação.\ Na vazante o rio quase
some\ E a praia começa a surgir\ A água, agora bem calminha\ Não tem forças
para a roça destruir.\ Nas margens de um rio em formação\ Vive um povo que a
água fez nascer\ Em um parto de dor e emoção\ Na várzea o Kambeba escolheu
viver.\ Mas em um contato fatal\ Com um povo mais socializado\ Fez dos
herdeiros das águas\ Um povo desaldeado.\ Tomando seu solo sagrado\ Sem dor,
piedade ou compaixão\ Os Kambebas foram escravizados\ Apresentados a
“civilização”\ Exploraram a sua força\ Forjando uma falsa proteção. ÍNDIO EU
NÃO SOU - Não me chame de “índio” porque\ Esse nome nunca me pertenceu\ Nem como
apelido quero levar\ Um erro que Colombo cometeu.\ Por um erro de rota\ Colombo
em meu solo desembarcou\ E no desejo de às Índias chegar\ Com o nome de “índio”
me apelidou.\ Esse nome me traz muita dor\ Uma bala em meu peito transpassou\ Meu
grito na mata ecoou\ Meu sangue na terra jorrou.\ Chegou tarde, eu já estava
aqui\ Caravela aportou bem ali\ Eu vi “homem branco” subir\ Na minha Uka me
escondi.\ Ele veio sem permissão\ Com a cruz e a espada na mão\ Nos seus olhos,
uma missão\ Dizimar para a civilização.\ “Índio” eu não sou.\ Sou Kambeba, sou
Tembé\ Sou kokama, sou Sataré\ Sou Guarani, sou Arawaté\ Sou tikuna, sou Suruí\
Sou Tupinambá, sou Pataxó\ Sou Terena, sou Tukano\ Resisto com raça e fé. Poema da poeta e geórgrafa Márcia Wayna
Kambeba (Márcia Vieira da Silva), de etnia Omágua/Kambeba por ter nascido
numa aldeia ticuna em Belém do Solimões, atual Tabatinga e autora da obra Ay
kakyri Tama - Eu moro na cidade (Grafisa, 2013).
DICAS
& OUTRAS