terça-feira, janeiro 08, 2008

OS CAMUNDONGOS DE TSIEN, NEJAR, CONRAD AIKEN, FRANZ WEST, REZENDE MARTINS, JANE GOODWIN, TOLINHO & BESTINHA!


 
Blue on blue, arte by Jane Goodwin.


TOLINHO & BESTINHA - III - Quando Bestinha enfiou-se na bronca da vida e num teve quem desse jeito - Bestinha ainda tartamudeava na vida quando começou por esgueirar-se nas estripulias. Pixote, ainda, pirrototinho de dá dó, o arteiro já aprontava das suas. E bote sustança na regalia para aperrear os mais velhos. Isso não era o de menos. Aos cuidados de um sujeito esquálido, um varapau mudo de nascença e pederasta, se iniciava nas safadezas. Era sua ama-seca, o Delito. A mãe estava bastante de ocupada com as outras filhas mais novas, choronas e mijadeiras, de não poder sequer dedicar-lhe um só muxôxo, quanto mais atenção. O viado véio, não, brincava, ajeitava, arrumava, deixava-lhe nos trinques para os outros e mais: ficava cheirando o dia todinho a bilonguinha do capeta, engolindo-a e sobejando-a - maior macacada de afago na púbis do destamaínho -, de jeito a querer, o bruguelo sonso, levá-la para a venta de todos. - Óia, mama, chêra ati! E invocava a mãe, o pai, a tia, a vó, o tio, aderentes, quem fosse, tava ele lá mostrando o pingulim pra todo mundo. O pirôbo se ria, sozinho, da arteirice. - Essa bicha véia tá ensinando coisa errada pro menino! -, reclamava dona Bebé Maria, mãe do pilantrinha. - Num engasga mulé, o minino é home, já mostra logo cedo pro que veio -, aliviava o seu Bimbo-João, o pai do amolestado sem-vergonhinha. Delito ensinou-lhe das muitas, afetividade, ternura, carinho, os perigos da vida, protegendo o pimpolho como se fosse um tesouro imaculado. Isto é, todo cheio de manha e cheio das pregas, Bestinha passava. Era mesmo muita folgança do menino ir ficando taludo e afanando dinheiro fácil esquecido em lugar bem guardado. Vôte! Num podia ver trocado no bolso da camisa do pai, no cinzeiro do carro, nos jarros da sala, nas gavetas dos guardados - achado num é roubado! - se defendia, ôxe, onde desse sinal de vida qualquer vintém, ele embolsava se estragando nas maiores guloseimas: pão doce com caldo de cana; algodão doce; pamonha; rolete de cana; pirulitos, nego-bom, mata-fome com quisuco; brote com ponche; dida, picolé, pé-de-moleque; quebra-queixo; cavaco, chiclete, bolinho-de-goma, pastéis com cajuvita, rapadura, impada, salame com crushe. Era uma festa! Pagava pra todo mundo enquanto mentia como a peste, deslavadamente. Um mitômano de nascença. Enrolava todo mundo com a maior pabulagem que revestia sua empáfia. Brincasse não, ele demovia verdades inauditas como se desfiasse um rosário num piscar de olhos e reinventava verossimilhanças capazes de deixar nego crente daquilo. Era só puxar conversa que a peta nascia. Um dia lá, depois de haver caído por cima de umas pratas desleixadas na algibeira paterna que dormitava no camiseiro, tomou pé de dar uma volta na roda gigante. Maior felicidade. O quê? Houve um curto circuito e a engrenagem deixou-lo pendurado lá em cima balançando as pernas por horas, no maior fogaréu. Pois é, fodeu-maria-preá. Que azarão! O susto dele foi tão grande de cagar-se e se mijar todo, além de estuporar os olhos, a ponto de deixá-los avermelhados como se tivesse pegando o maior morrão da paróquia. Nem via, nem piscava. O Delito fez o maior estardalhaço envolvendo polícia, voluntários e curiosos no sentido de salvar o seu protegido que estava pendurado no alto da roda gigante. Providências tomadas e apagaram o incêndio, mas nem a polia nem a catraca num deu para rodá-la até em baixo, passando por desmontá-la, horas a fio; ele lá, inerte. Desceu depois da noite toda como se estivesse hipnotizado, um robô levado de tão transido. Disso, inda hoje apelidam-no de Ôio-de-fôia, vez que desconfiam que tal acontecimento é pura invencionice e que ele anda mesmo é se abastecendo dos braquearos e carburando as idéias nalgum lugar recôndito, alhures. Delito deu-lhe mimo sempre. Até nos dias que saía de casa todo engomadinho e num podia ver uma bola que corria atrás driblando até o invisível, que o pirôbo torcia por seu gol. A negada parece que por despeita ou mesmo para ver o circo pegar fogo, se encostava nele e dava aquele chega pra lá, vendo-lhe estatelar-se nos esgotos que haviam na beira das ruas. Ploft! - Olhe, Dona Bebé, o menino tá todo meleguento de esgoto! -, era a denúncia dos presepeiros para ver-lhe a surra e os carões. - O quê! Já prá dentro, minino -, e lá ía no meio de beliscões, puxado pelas orelhas para o banheiro. A mãe dele, além do banho, jogava creolina, vinagre, soda cáustica, querosene e álcool e depois queria tocar fogo, não o fazendo por intervenção de Delito aos prantos. O maior escândalo! - Eu tiro seu couro, minino safado! -, destemperava a mãe, largando umas boas lamboradas de deixá-lo dormir de couro quente. Ele e o Delito, apanhados, solidários. O menino foi se avolumando e já pelos dez anos já fumava, bebia e lascava patranha cabeluda pra cima dos incrédulos. Arrotava e peidava cada pinóia de deixar o recinto arrepiado enquanto tomava um litro do vinho de jurubeba na maior folgança. E embeiçava bebidas de gengibre, aguardente, run, vermute, vinhos, tudo da marca peba de afoguear nego doido por tapa. Aos tombos de num saber nem onde morava, eis que Delito, o seu salvador, apeava para seu domicílio. Dia seguinte, a munganga da mangação tava solta: - Tá amigado com o veado mudo, né safado! Ôxe, Bestinha injicou-se e ameaçou qualquer petulante de morte se alguém ventilasse aquilo. Num podia ver cochicho que encarava de frente a seboseira, todo desconfiado - tô vendo a cavilação! - e quando alguém de longe insinuava, a peixeira riscava fogo no chão. Havia a cara de um crime por acontecer. Estava escrito. Até que o pai, para sua salvação, resolveu se mudar da rua, dele eximir-se, por enquanto, da pecha que abominava. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui. 


PENSAMENTO DO DIA - Todo agir humano pressupõe uma interpretação das situações objetivas vividas no passado e no presente, e uma vontade conformada mediante intenções, metas, objetivos. A história exprume, assim, a cultura dimensionada no tempo. Essa cultura se constitui pela cadeia da memória. Pensamento do sociólogo, filósofo, historiador e professor Rezende Martins.

OS CAMUNDONGOS DE TSIEN – [...] Pessoas que já vivenciaram um terremoto costumam ter lembranças claras dessa experiência, o solo vibra, treme, fica abaulado e se desloca; o ar se enche de estrondos; abrem-se; rachaduras; e vidros se estilhaçam; armários se abrem; livros, pratos e bugigangas caem das prateleiras. Esses episódios são lembrados com notável clareza mesmo anos depois, porque nosso cérebro evoluiu para fazer isto: extrair informação de eventos relevantes e tal conhecimento para guiar nossa resposta a situações semelhantes no futuro. A capacidade de aprender com experiências anteriores permite a todos os animais se adaptar a um mundo que é complexo e está em constante mutação. Por décadas, neurocientistas tentaram descobrir como o cérebro produz lembranças. Agora, combinando um conjunto de novos experimentos a análises matemáticas poderosas e à capacidade de gravar simultaneamente a atividade de 200 neurônios em camundongos despertos, meus colegas e eu descobrimos o que acreditamos ser o mecanismo básico usado pelo cérebro para extrair informação vital das experiências e transformá-las em lembranças. As conclusões às quais chegamos se somam a trabalhos cada vez mais numerosos e indicam que o fluxo linear de sinais de neurônio a neurônio não é suficiente para explicar como o cérebro representa percepções e reminiscências. Essas representações demandam atividade coordenada de grandes populações de neurônios. [...]. Trecho extraído do estudo The memory (Scientific American, 2007), do neurocientista Ph.D em Biologia Molecular, Joe Z. Tsien, que desenvolveu em meados da década de 1990, uma caixa de ferramentas versátil para estudar as relações complexas entre genes, circuitos neurais e comportamentos. Ele também é conhecido como o criador do Doggie do mouse inteligente no final dos anos 90, enquanto era membro da faculdade na Universidade de Princeton. Nesses estudos os camundongos cujos receptores NMDA foram quimicamente bloqueados têm dificuldade de sair de labirintos. Numa importante demonstração desse conceito, Joe Tsien, desenvolveu uma raça geneticamente modificada de "camundongos inteligentes" com receptores NMDA fortalecidos, que apresentava uma maior capacidade de memorização. Mas, quando as peças do quebra-cabeças estavam começando a se encaixar, a equipe de Tsien decidiu realizar um outro experimento que complicou a situação. Foram criados camundongos que não possuíam os receptores NMDA na região do hipocampo, sabidamente vital à memória. Como era esperado, esses animais apresentaram uma memória mais limitada. Mas quando foram expostos a um ambiente estimulante, cheio de distrações e exercícios com rodas, conseguiram recobrar a memória. Quando os pesquisadores examinaram o tecido do hipocampo desses camundongos, verificaram que eles haviam desenvolvido novas ligações neuronais, sem a ajuda das chaves NMDA de memória - antes consideradas cruciais. Recentemente, ele desenvolveu a Teoria da Conectividade em um esforço para explicar o princípio do projeto básico subjacente à computação cerebral e à inteligência. A teoria afirma que a computação cerebral é organizada por uma lógica de permutação de poder de dois base na construção de montagens de células - os blocos de construção básicos dos circuitos neurais. Veja mais aqui e aqui.

O TÚNEL PERFEITO - [...] O universo é carente de unidade e ternura. A partir de velhas formas, o Túnel espalhava axiomas, rebentos aprendidos de cor pelos seus súditos: 1. Cada amigo é um inimigo intimo. 2. Crescer é apoderar-se das medidas. O crescimento material dos súditos não deve exceder aos demais eitos. 3. Quem faz o avanço do outrop, perde a ele seu posto. 4. Os extremos não chegam nunca ao centro. Perniciosa é a cobiça e afiada no tempo. 5. Confiar só no instituto de estar vivo. 6. Sua opinião não ter a serventua de uma espingarda ou faca na república. E será confiscada. 7. Todos são foragidos da palavra empenhada. E defesos, guardados, naquela que se guarda. 8. O segredo confiado morre atrás de uma porta. Ou sobre a garganta. [...]. Trechos extraídos da obra O túnel perfeito (Relume Dumará, 1994), do poeta, ficcionista, tradutor e crítico literário Carlos Nejar. Veja mais aqui.

O TEMPO CHEGOUEis o tempo chegou, diz o relógio, / eus o tempo. Da vida usa ao meio / paro. À mão tenho a hora e ao coração / miscelânea de cacos e farrapos. / O relógio a bater os seus iambos / batendo o coração seus espondeus. / Foi-se o tempo, chegou e foi embora. / Seu tributo levou o frio inverno / e o verão a colheita, e a primavera / trouxe e levou as suas ilusões. / Que é o tempo, o cronoscópio diz o que é o tempo. / Nunca o passado, nunca o que há de vir, / sempre o agora. Que é o tempo, diz o grão. / Toda a fertilidade mergulhada / pelo pé da charrua fundamente. / A hora foi somada à paz de espírito, / a semente somou-se a um minuto, / o mundo à flor somou-se e algumas lágrimas / caem sobre o coração e o corrompem. / As mãos gastaram a mão e a calejaram. / Porque eu que tudo vi, eu nada vi. / Escutei o jazido o monossílabo, / sepultei as estrelas, comandei / sua ressurreição e observei / as sombras se moverem na parede. / Que é o tempo, o pesponetado diz o que é o tempo, / sempre o futuro, nunca o que passou, / jamais o agora e apenas vê a linha / ao futuro, ainda assim, a mais comprida / linha o pé da charrua sentirá. / Erga-se e dispa a roupa a qual o tempo / a você emprestou, tire o relógio, / as moedas, o lenço, os dois sapatos, / tire também sua alma revestida / num pensamento e ponha todo caco / e farrapo à soleira da janela / no meio dos pelargônios e aspidistas. / Na semana passada, na atrasada / a crônica ridícula, os sentidos / do paladar, do tato e da olfação. / Que é o tempo, o coração fala o que é o tempo. / O coração palpita na lareira / o coração diz que é tudo passado / nada é futuro. E diz o coração: / jamais o coração se deterá. Poema do poeta, ficcionista e crítico estadunidense Conrad Aiken (1889-1973).

A ARTE DE FRANZ WEST
A arte do escultor e artista visual austríaco Franz West (1947-2012).




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