VAMOS
APRUMAR A CONVERSA? QUASE MEIO DIA
– É sexta feira. Quase meio dia na praça centenária e a criança a dormir sem
vida à sombra da estátua, entre o lixo e o descaso, o sono e a fome. É quase
meio dia, mas tanto faz, tanto fez, sábado ou sei lá, podia ser meia noite, ou
qualquer coisa. Não há sonhos, só comer as horas esfomeadas. É julho e o frio
toma conta insone no inverno. Só dá pra pregar o olho ao raiar do sol quando
aquece a pele enrilhada, afagando o seu desvalor. Ontem quando desperto, nenhum
sonho ou pensamento além do trocado no semáforo para comida qualquer dos restos
nas lixeiras dos bares ou das casas de caras fechadas. Tanto faz, tanto fez, hoje,
ontem, amanhã, anteontem, é quase meio dia. Tem é de relutar sem escolhas e
encurralado na paisagem das sombras invisíveis, superpostas e efervescentes,
entre os automóveis velozes, transeuntes avexados, as cores da ruína
extremamente cruel, tudo desbotado no meio dos monturos, algaravias, privações,
sirenes, alarmes, embaixo da ponte, ou das marquises, sem saber de nada, saber
pra quê? Não há acordo ao encalço de nada: só matar a fome. Dito ou não dito, dizer
ou desdizer, tanto faz; nada faz sentido, tudo é porque é no seu embotamento. É
tudo descorado no repertório de gestos. A casa é a rua, o abrigo é o dia, tanto
faz, tanto fez. É quase meio dia de ontem e logo adiante nem é amanhã, é o
ronco da mãe no cobertor esfarrapado de folhas de jornais e papelões, ao lado
da cadela prenha enganchada no gradeado da loja abandonada. É como anteontem, não
há afeto em sua pouquidade, tudo já é demais da conta e nem se distingue manhã,
tarde ou noite. Tudo é madrugada de sol pleno e o que importa é vencer a fome, salvar-se
da morte, o resto Deus dá. Destá. É quase meio dia e a vida é matar a fome. (Quase meio dia, Luiz Alberto Machado). Veja
mais aqui.
Imagem: La Menasseuse (1709), do pintor francês Hyacinthe Rigaud (1659– 1743). Veja mais aqui.
Curtindo Mélodies
de Jeunesse: Aparição, Romance, Les paillons, Calmes sans le demi-jour, Regret (Ingênua, 2002), do inovador músico e
compositor francês Claude
Debussy (1852-1918), com a soprano francesa Sandrine Piau & e o pianista Jos van Immerseel. Veja mais aqui.
A
ESTRUTURA DAS REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS
– O livro A estrutura das revoluções
científicas (Perspectiva, 1998), do filósofo e físico estadunidense Thomas
Samuel Kuhn (1922-1996), aborda
temas como o papel da história, a natureza da ciência normal, resolução de quebra-cabeças,
prioridade dos paradigmas, anomalia e a emergência das descobertas científicas,
as crises e a emergência da natureza, necessidade das revoluções científicas,
as revoluções como mudanças de concepção de mundo, a invisibilidade e a
resolução das revoluções, os paradigmas e a estrutura da comunidade e a
constelação dos compromissos de grupo, exemplos compartilhados, conhecimento
tácito e intuição, exemplares e incomensurabilidade, revoluções e relativismo,
entre outros assuntos. Da obra destaco o trecho: Se a História fosse vista como um repositório para algo mais do que
anedotas ou cronologias, poderia produzir uma transformação decisiva na imagem
de ciência que atualmente nos domina. Mesmo os próprios cientistas têm haurido
essa imagem principalmente no estudo das realizações científicas acabadas, tal
como estão registradas nos clássicos e, mais recentemente, nos manuais que cada
nova geração utiliza para aprender seu ofício. Contudo, o objetivo de tais
livros é inevitavelmente persuasivo e pedagógico; um conceito de ciência deles
haurido terá tantas probabilidades de assemelhar-se ao empreendimento que os
produziu como a imagem de uma cultura nacional obtida através de um folheto
turístico ou um manual de línguas. Este ensaio tenta mostrar que esses livros
nos têm enganado em aspectos fundamentais. Seu objetivo é esboçar um conceito
de ciência bastante diverso que pode emergir dos registros históricos da
própria atividade de pesquisa. Contudo, mesmo se partirmos da História, esse
novo conceito não surgirá se continuarmos a procurar e perscrutar os dados
históricos sobretudo para responder a questões postas pelo estereótipo
a-histórico extraído dos textos científicos. Por exemplo, esses textos
frequentemente parecem implicar que o conteúdo da ciência é exemplificado de
maneira ímpar pelas observações, leis e teorias descritas em suas páginas. Com
quase igual regularidade, os mesmos livros têm sido interpretados como se
afirmassem que os métodos
científicos
são simplesmente aqueles ilustrados pelas técnicas de manipulação empregadas na
coleta de dados de manuais, juntamente com as operações lógicas utilizadas ao
relacionar esses dados às generalizações teóricas desses manuais. O resultado
tem sido um conceito de ciência com implicações profundas no que diz respeito à
sua natureza e desenvolvimento. Se a ciência é a reunião de fatos, teorias e
métodos reunidos nos textos atuais, então os cientistas são homens que, com ou
sem sucesso, empenharam-se em contribuir com um ou outro elemento para essa
constelação específica. O desenvolvimento torna-se o processo gradativo através
do qual esses itens foram adicionados, isoladamente ou em combinação, ao
estoque sempre crescente que constitui o conhecimento e a técnica científicos.
E a História da Ciência torna-se a disciplina que registra tanto esses aumentos
sucessivos como os obstáculos que inibiram sua acumulação. Preocupado com o
desenvolvimento científico, o historiador parece então ter duas tarefas
principais. De um lado deve determinar quando e por quem cada fato, teoria ou
lei científica contemporânea foi descoberta ou inventada. De outro lado, deve
descrever e explicar os amontoados de erros, mitos e superstições que inibiram
a acumulação mais rápida dos elementos constituintes do moderno texto
científico. Muita pesquisa foi dirigida para esses fins e alguma ainda é. Veja mais aqui e aqui.
NÃO
MORRA ANTES DE MORRER –
O romance Não morra antes de morrer (Don’t
Die before you’re Dead – Record,
1999), do escritor e ativista político russo Yevgeny
Yevtushenko, na tradução de
Gabriel Zide Neto, traz uma narrativa lírica sobre três dias da trama de um
golpe de Estado em 1991, quando um ato coletivo se torna uma verdadeira
barricada humana em defesa da democracia e do nascimento de uma nova nação,
misturando lembranças políticas, fantasmas da ex-União Soviética, do comunismo
para a democracia, da bandeira vermelha para a tricolor russa, a alma do povo carente da maturidade
autossuficiente, a guerra no Afeganistão, as máfias, as delações, a KGB, a
repressão, angústias e medos, amor universal
e irrestrito pela humanidade,
a visão do mundo em ebulição. Trata-se de um épico poético que mistura
autobiografia daquele que foi a voz solitária contra o stalinismo e que recusou
a condecoração da Ordem da Amizade entre os povos por causa da sangrenta
invasão na Chechênia, com histórias de amor e suspense político que fazem da
obra um documento histórico que se torna um retrato fiel da Rússia moderna.
Veja mais aqui e aqui.
OS
AMORES AMARELOS – O
livro Os amores amarelos (Iluminuras,
1996), é a única obra do poeta francês Tristan
Corbière (Édouard-Joachim Corbière
- 1845-1875), tradução de Marcos
Antônio Siscar, um poeta desconhecido até Paul Verlaine incluí-lo no ensaio Os
poetas malditos (Les Poètes maudits, 1883), transformando-o em um
dos mestres reconhecidos do Simbolismo e precursor do Surrealismo,
influenciando Ezra Pound que o destaca no seu livro ABC da Literatura. Da obra
destaco Paisagem má: Praias de velhos
ossos – a onda / Dobra: som a som ela estertora ... / Paul pálido, onde a lua
ronda / Buscando vermes, noite afora / - Calma de peste, onde a febre, / Como
um duende danado, arde... / - Erva fétida, onde a lebre / Foge, feito um bruxo
covarde... / - A Lavadeira branca lida / Na roupa dos mortos encardida, / Ao sol dos lobos ... – E singelo, / O
sapo, cantor melancólico, / Envenena com sua cólica, / A própria casa, o
cogumelo. Também o Aventura Galante e Fortuna: Eu faço o ponto, quando belo vai o dia, / Para a passante que, com
satisfação, / À ponta da sombrinha me fisgaria / O piscar da pupila, a pele do
coração. / E acho que estou feliz- um pouco- é a vida: / O mendigo distrai a
fome na bebida... / Um belo dia- triste ofício! - eu assim,- / Ofício!...-
velejava. Ela passou por mim. / - Ela quem? - A Passante! E a sombrinha também!
/ Lacaio de carrasco, toquei-a...-porém, / Contendo um sorriso, Ela espiou meus
botões / E... estendeu a mão, e... me deu uns tostões. Por fim, Infante em
seu lençol: O prazer te foi duro, mais
fácil é o mal / Deixa-o vir à luz do dia. / À musa funesta já não se faz
madrigal; / Vais e o anjo fica — à revelia — / Teu lenço conhece o pus, e teu
lençol o fel; / Canta, mas deixa essa mania / De sair à rua estendendo teu
chapéu, / Por vinténs de amor ou ironia. / Agora dorme: eis o sono que liberta;
/ Com tua agonia a Morte brinca esperta, / Como o gato magro e o rato; /
Sorrateira, a pata te lança ou te deita. / E o velho paroxismo ainda te
deleita: / Torce a boca, escuma... e seja grato. Veja mais aqui e aqui.
A
CONSCIÊNCIA DA MULHER –
O livro A Consciência da Mulher (Imprensa
Oficial, 2007), traz uma reunião de textos da dramaturga e pedagoga brasileira Leilah Assumpção, entre os quais destaco o Capítulo VI - A
manequim no teatro: Aqui em São Paulo,
fiz cursos de desenho, publicidade e moda, tanto que meu primeiro emprego foi
de desenhista de moda de Madame Boriska. Fiquei um mês, era exaustivo, ela não
me deixava ficar um minuto sem desenhar, mas, em compensação, foi com meu
primeiro salário da Boriska que comprei uma máquina Remington de datilografia e
escrevi nela, em uma noite, Fala Baixo Senão Eu Grito. Fiz também cursos de
teatro com a Renata Pallottini, o Miroel Silveira e o Eugênio Kusnet – método
Stanislavski – e fui então trabalhar como atriz, uma quase figuração, em Vereda
da Salvação, do Jorge Andrade, com direção do Antunes Filho. Atuei também na
Ópera dos Três Vinténs, do Bertold Brecht, como a prostituta do bordel, então
já com algumas falas – eu ainda era virgem nessa época, como no meu tempo
inteiro de manequim, e a Ruth Escobar defendia com unhas e dentes a minha
virgindade, ela conta isso até em livro. Gostei da experiência de atriz, mas
foi o suficiente para eu ver que meu talento era mediano e eu queria fazer
alguma coisa mais que mediano. Se uma segurança eu sempre tive, foi a da minha
criatividade, e desde criança. [...] Também no Capítulo VII - Fala Baixo: a
obra-prima: Um belo dia, esqueci tudo que
tinha lido e estudado sobre carpintaria e escrevi Fala Baixo Senão Eu Grito,
que quase não tem carpintaria e é um texto todo emocional, a história de uma
solteirona que está no seu quarto de pensionato, de madrugada, quando entra um
ladrão. Esse homem acaba não com suas joias, mas com todos os seus sonhos e
ilusões. A Maria Gurtovenco, do pensionato, foi quem inspirou a Mariazinha Mendonça
de Moraes, uma mulher boa, virgem, romântica. Baseei-me também em três amigas
minhas virgens, solteironas mesmo, que mal saíam do quarto, não tinham
namorados. A peça me veio quando eu perguntei a uma delas: Você sente orgasmo?
E ela respondeu: Não. Eu insisti: Nem sozinha? E ela: Eu tento, mas não consigo.
[...] Por fim, o Capítulo XI - Enfrentando o machismo: Minha peça Jorginho, o Machão trata dos conflitos profissionais e
amorosos de um jovem moderno que não sabe se quer ser arquiteto ou pintor, e se
deseja a seu lado a mulher conservadora ou a liberal. Foi montada em 1971, com
sucesso, mesmo que nessa época as palavras machão e machista não fossem usadas,
eram consideradas quase que palavrões. O jornal O Estado de S. Paulo proibiu o
uso da palavra machão, substituía pelo termo sistema patriarcal. Jorginho era
um homem frustrado, quase um bebê que não sabia o que queria – por incrível que
pareça, um homem de hoje, tanto que acredito que não mexeria em nada do texto.
A peça foi feita pelo Pedro Paulo Rangel na montagem paulista, com a Nonóca
Bruno, o Cláudio Corrêa e Castro, a Maria Isabel de Lizandra como a namorada
moderninha que encarna a liberação sexual e a Suely Franco como a namorada do
interior. No Rio de Janeiro, com o Gracindo Jr., a Maria Gládys e a Marieta
Severo fazendo a namorada antiquada. Jorginho era a semente do homem de hoje.
[...] Veja mais aqui e aqui.
MA NUIT CHEZ MAUD – A comédia romântica Ma nuit chez Maud (Minha noite com ela, 1969), do cineasta, crítico de arte, roteirista e professor francês Eric Rohmer (1920-2010), conta a
história de um fervoroso católico que encontrou a sua parceira ideal na
celebração de uma missa, tornando-se sua namorada, desenrolando-se numa trama
de alto nível, razão pela qual o diretor tornou-se uma das figuras mais
importantes da nouvelle vague, além de se tornar editor de um influente jornal
francês Cahiers du cinéma. O filme inteiro já é um destaque pela grandiosidade
da obra, chamando, além disso, apenas atenção para a atuação da exuberante atriz
argelina Françoise Fabian como a protagonista da história, bem como para a
então belíssima atriz hoje setentona Marie-Christine Barrault. Veja mais aqui e
aqui.
IMAGEM DO DIA
Capas e fotos da publicação New Erotic Photography, do editor e
historiador-Dian Hanson & do fotógrafo Eric Kroll.
Veja mais sobre:
Eita! Vou por ali no que vem e que vai, Viajante numa noite de inverno de Ítalo
Calvino, Os tempos da Praieira de Costa Porto, O efêmero de Louise
Glück, Neurofilosofia & Neurociência Cognitiva, a música de Edson
Zampronha, a arte de Laszlo Moholy-Nagy & Anke Catesby, Mike
Edwards & Betina Muller aqui.
E mais:
Dr. Ciuça Gorda & os cavaleiros do
pós-calipso do nó cego,
As aporias de Zenão de Eleia, Sonetos de
Francesco Petrarca, Teatro de situação de Jean-Paul Sartre, a música de Carlos Santana, Viridiana de Luis
Buñuel & Silvia Pinal, a escultura de Denise Barros, a pintura de Max Liebermann & a arte de
Georgy Kurasov aqui.
Psicologia da Gestalt,
Sonetos de Petrarca, Poesias de Adrian
Pãunescu & Erik Axel Karlfeldt, a arte de László
Modoly-Nagy, a música de Carlos Santana, a pintura de Max Liebermann & a
arte de Luiz Edmundo Alves aqui.
O culto da rosa: canção à flor, mulher amada, Totalidade &
infinito de Emmanuel
Lévinas, Mundo fantasmo de Bráulio Tavares, A arte do teatro de Edward Gordon
Craig, Sinfonia erótica de Jess Franco & Susan Hemingway, a música de Wojciech Kilar, a pintura de Paul Delaroche & Paul-Émile
Bécat, Fernanda Guimarães & muito mais aqui.
Conselho dum bebão na teibei, Gênero & violência
de Heleieth Safiotti,
História do Brasil de Cláudio Vieira, Contra o golpe de Emir Sader, Coluna social de Edu
Krieger, a pintura de Salvador
Dalí & Fecamepa aqui.
Enfermeira & a dor de ser mulher, O ser e
o nada de Jean-Paul Sartre, História do
desejo de Jean-Manuel Traimond, Artista do corpo de Don DeLillo, a música de Anton Webern
& Leonore Aumaier, a pintura de Joseph Beuys & Nanduxa aqui.
E num é que a Vera toda-tuda virou a
bruxa das pancs na boca do povo,
Iluminações
de Walter Benjamin, Marxismo & literatura de Cliff Slaughter,
Os bruzundangas de Lima Barreto, a música de Guiomar Novaes, a pintura de Pedro Sanz, a arte de Paolo Serpieri & Sara Vieira, LAM na TV Gazeta de Alagoas & muito mais aqui.
Em mim a vida & o estouro dos confins
de tudo, Ísis sem véus de Helena Blavatsky, O jardineiro
do amor de Rabindranath Tagore, Corpus Hermeticum de Hermes Trismegistus, a música de Kitaro, a fotografia de Jovana
Rikalo & a pintura de Ewa Kienko Gawlik aqui.
Os cinco prêmios do amor, História
da criança e da família de Philippe Ariès, Laços de família de Clarice
Lispector, a música de Egberto Gismonti, Divã de
Martha Medeiros, a pintura de Gustav Klimt & Nelson Shanks aqui.
História Universal da Temerança, Versos
em lá menor de Yde Schloenbach Blumenschein, A divina increnca de Juó
Bananére, Savitu-Vrta & Savarasti, Ator e
estranhamento de Eraldo Pera Rizzo, a música
de Mônica Feijó, a arte
de Alfred Pellan & Kellie Day aqui.
&
Imagem: La madia (The Cupboard), do artista plástico italiano Vittorio Polidori.
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na
Terra:
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.