segunda-feira, agosto 02, 2021

GEORGES PEREC, ARATA ISOZAKI, CHOPIN & FERNANDO MONTEIRO

 

 

TRÍPTICO DQP – Fragmentos do caos... - Ao som do álbum Chopin: Complete Nocturnes (Harmonia Mundi, 2010), na interpretação da pianista francesa Brigitte Engerer (1952-2012). – Meus passos perdidos pelas calçadas. À esquina, procurei a direção precisa e percebi a aproximação de alguém. Era o arquiteto japonês Arata Isozaki: Quando eu comecei a ter idade para entender o mundo, minha cidade foi incendiada. Paradoxalmente, a mudança se tornaria meu estilo. Assim também a minha terra, queimadas insanas da monocultura açucareira escondiam o rumo. Nem se despediu e mantive a caminhada até a praça, quando dei com um semblante familiar que me seguia. Ele sorriu e o que fazer, não sabia. Fitei melhor e era Georges Perec que me sussurrou: Je me Souviens... Sim? E continuou: Eu me lembro das horas passadas com minha irmã girando um globo terrestre, os olhos fechados, o dedo apontado acima, e de não mexê-lo até que o globo parasse, quando imaginávamos então viagens e encontros... Eu não me lembro do momento de meu nascimento... Je me souviens... Sentou-se e ao seu lado disse-lhe que também me lembrava de muito coisa, inclusive dele que eu sabia morto há muito tempo, como se ninguém desse por seu sumiço, deixando o inacabado 53 Jours, como única pista de um escritor que desapareceu e o leitor que era eu o único acusado pelo crime no seu romance policial. E mais sorriu como se me falasse do Les Choses: une histoire des années soixante (1965), do W, or the Memory of Childhood (1975) e tantas outras escondidas na memória, a ponto da gente perder a noção do tempo e não perceber que a tarde já era noite, hora de voltar. Um aceno de despedida e seguimos lados opostos, a minha cidade era outra tão estranha quanto nunca vista, assim o meu país que se apagou do mapa e me deixou à deriva, entre dores e delícias da vida perplexa, armadilhas de alto risco.

 


A solidão de Chopin... - Os tons pianísticos de longe seguiam meus passos. Logo me veio à memória que Fryderyk era da aldeia Zelowa Wola, polaco de nascimento incerto e que herdou o piano da sua mãe Tekla Justyna. Era uma criança aluada, pálida e sentimental que na escola fazia a vez do retratista talentoso e escritor mordaz, escrevendo cartas parodiando o noticiário. Com sua irmã nas aulas de piano, repassavam o que ainda menino das duas polonesas e logo a atração nos salões: a gola da camisa da criança prodígio. Já Frédéric era de Paris, aquele mesmo do noivado secreto com Maria Wodzińska, até o escancaro com George, ah, Amandine-Aurore Lucile, a baronesa Dudevant e seus inúmeros casos amorosos, o mosteiro de Valldemossa e os prelúdios, a Spring Waltz – mariage d’amour, os Noturnos, Etudes, quantas músicas que ouvi nos recitais de Olga e na sensualidade de Lola, a carta de amor. Não dava nem para lembrar os diagnósticos dos médicos de Mallorca: o primeiro disse que eu iria morrer; o segundo, que eu tinha um último suspiro; e o terceiro, que eu já estava morto. Dava para imaginar o verão de Nohant, a volta a Paris e a Lucrezia Floriani dela, era o fim e um poema de Proust: Chopin, mar de soluços, lágrimas, suspiros, / que um voo de ágeis borboletas atravessa, / a brincar com a tristeza, a apascentar seus giros / seduz, aquieta, sofre, agita, grita, apressa, / ama ou embala, e faz rolar em meio às dores / o doce olvido do capricho teu, fugaz, / como as borboletas embriagadas de flores. / Tua alegria é cúmplice da dor tenaz, / o alado torvelinho amaina os dissabores / das águas e da lua meigo confidente, / príncipe da aflição ou grão-senhor traído, / quanto mais pálido mais belo, entretido / com o sol a inundar teu quarto de doente, / tu te exaltas com a luz, a bem-aventurança / da luz que chora o seu sorriso de Esperança. Nada mais restava senão prosseguir.

 


De Recife & Fernando Monteiro... - Prossigo minha caminhada de volta e nunca chegar, quando alguém indagou: Você viu Mônica? Não. Pelo sotaque era um lusitano perdido na esquina da Guararapes e que voltou para me perguntar se eu tinha visto A mulher da Alameda Linhas Torres e mais uma vez respondi que não e que ele era Aspades que havia se desencontrado do ET que sumira na imaginação de Fernando Monteiro que, por sua vez, esperava Flaubert não sei onde. De resto eu só sabia desde o poema da Memória do mar sublevado (EdUFPE, 1973), uns do Ecométrica (1984) e da peça teatral O rei póstumo (1975), porque era o tempo que eu zanzava acimabaixo do Cais do Apolo ao Derby e que tinha avisado da chegada do Camilo Cela no premiad’A Cabeça no Fundo do Entulho, e só muito depois soube dos poemas de Hiléiade (Reis, 1984) e d’A interrogação dos dias (Encontro, 1984), d’A Múmia do Rosto Dourado do Rio de Janeiro (2001), d’O Grau Graumann (2002) e d’As Confissões de Lúcio (2006), mais nada e sei que tem muito mais de documentários, de prosas, ensaios e outrartes, porque o Recife é o mundo e muito mais. Vou catar, até mais ver.

 

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