TRÍPTICO DQC: VOU ALI, VOLTO JÁ. INTÉ MAIS
VER – Ao som de The Eternal Sun (Chester Music, 2007), do compositor britânico
John Tavener (1944-2013), sobre o poema homônimo do poeta suíço Frithjof Schon (1907-1998),
para o Riga Youth Choir Kamer. - Duas pernas, quantos caminhos, um tanto de
vontade. Diz o ditado: cobra que não anda, não engole sapo. Mas a vida passa e
não quero ficar, jamais. Só que agora voo. Pra lá, ou pracolá, tanto faz, zis
estradas, direção da venta, o que der na veneta. Quem não tem para onde ir,
arranja lugar. Aonde chegar, chegou. Vou com o verso de Georg Trakl: O
solitário passa pela rua: é meia-noite e brilha o firmamento. Levanta-se o
menino sonolento, seu vulto pardo se desfaz co’a lua. E na levada
do Gonzaguinha: Muito que andar por aí... Do que aprendi, Simone Weil: O futuro é feito
da mesma substância do presente. Outras lições no bisaco, mais a de Paul Auster: Ser artista é fracassar, como ninguém mais ousa fracassar, o fracasso é
o seu mundo. A vida se transforma em morte e é como se essa morte tivesse
possuído essa vida o tempo todo. Morte sem aviso. Em outras palavras: a vida para.
E pode parar a qualquer momento. Como sou ninguém, tudo gira, a cabeça roda
ao contrário, os ponteiros loucos: se ganhei ou perdi, pouco importa. Valho-me
de James Joyce: Sou amanhã, ou noutro dia futuro, o que estabeleço hoje. Sou hoje o que
estabeleci ontem ou noutro dia anterior. Os erros são os portais da descoberta.
Agora vou, quando voltar aviso, se.
DOIS: A LUA, CABEÇA CAXINAUÁ ENCANTADA - Ao
som de A lua (Renato Rocha), no álbum
Vira virou (1980), do grupo MPB4: A lua / Quando ela roda / É nova / Crescente ou meia / A lua! / É
cheia! / E quando ela roda / Minguante e meia / Depois é lua novamente / Diz /
Quando ela roda... Depois é lua-nova / Mente quem diz / Que a lua é velha /
Mente quem diz... – Quem é caxinauá, é Kaxinawá! É do Alto Juruá e Purus,
do Vale do Javari. É huni kuin! Povo que anda de noite e homens de verdade,
verdadeiros e que vão pelo Igarapé do Caucho, Katukina, Humaitá. Ashaninka,
Carapanã, do Rio do Breu ao Peru. Lá vai um deles, não havia Sol ainda. Branco
vê-lo passar e, na tocaia, prepara-se para a cruzeta, armado de facão. Enquanto
isso, aquele da gente de Jaci não sabe o que se passa: Branco caçador de ouro,
gente, tudo o mais, pronto para atacar às traições. Um golpe no escuro, a
cabeça decepada no chão, o corpo treme e se mantém de pé. Às bordoadas, corpo
estendido no chão estrebuchando. A cabeça, ah, a cabeça pálpebras batendo, os
olhos brilhantes, boca abrindo e fechando. O malvado cortou uma tora de pau,
aguçou, enfiou a cabeça índia lá e fincou no chão. E fugiu. Quem vinha ou quem
ia, lá via a cabeça viva na estaca. Juntou gente para vê-la espetada no meio do
caminho, decapitada. Quem terá feito isso? Ela refulgia pálida e todos temeram.
Mas preferiram derrubar para que não amedrontasse mais ninguém. Ao cair ela
começou a rolar seguindo os passos de todos que fugiam: Corra! A cabeça vem
atrás da gente! Ao encostar à sombra de uma árvore, viu o assassino atrepado
num galho. Ela começou a crescer e o homicida pulou e começou a correr, ela
atrás, aonde ele ia, perseguia seus passos, até divisá-lo à beira de um
penhasco. Ela então cresceu lívida, mágica, estonteante. E ao evoluir ocorreu um estrondo como se a
Terra tivesse parido a Lua que iluminava a noite. Dos seus olhos surgiram
estrelas e da sua boca um enorme raio anunciando o surgimento do Sol. Todos os
dias no crepúsculo ela se encostava a Terra, permitindo até que se pudesse dar
longos passeios pelo Universo, quando então depois de muitas e grandes voltas,
tornava a se aproximar para que todos pudessem descer e retornassem aos seus
lares. PS: Releitura livre do conto A lua,
extraída da obra Rã-ixa hu-ni-ku: a língua dos caxinauás do Rio Ibuaçu,
afluente do Muru (Rio de Janeiro, 1914- Unicamp, 2017), do historiador Capistrano
de Abreu (1853-1927).
TRÊS: A DANÇA DA AUSÊNCIA DELA - Imagem: a
arte da bailarina e atriz escocesa Moira Shearer King (1926-2006), ao
som de La danse (1948), do compositor
japonês Yasushi Akutagawa – A ausência dela e as
lembranças. Era como se ali estivesse dançando nua e recitando um trecho de O diário da princesa (Galera; 2002), da escritora estadunidense Meg Cabot: Coragem não é a ausência do medo, mas a
decisão de que algo é mais importante que o medo. O corajoso pode não viver
para sempre, mas o cauteloso nunca vive plenamente. E eu
ouvindo sua deliciosa voz me dizendo Ada Negri: A vida tem em cada batida do
coração a tremenda medida da eternidade. Não há tempo que não pese sobre nós
com o poder de todos os tempos. A cada amanhecer que rompe digo: É hoje: a cada
dia que se põe digo: Será amanhã. É tudo muito real, desde ontem e para
sempre, ela em mim. Até mais ver.
FOLCLORE PERNAMBUCANO
A obra Antologia Pernambucana de Folclore
(Fundaj/Masssangana, 1988), em dois volumes organizados por Mario Souto Maior e
Waldemar Valente, coletânea de contos com lendas e situações folclóricas registradas
no universo pernambucano. Veja mais aqui e aqui.