quarta-feira, fevereiro 03, 2021

JAMES JOYCE, MOIRA SHEARER, TAVENER, MEG CABOT & A CABEÇA CAXINAUÁ

 

 

TRÍPTICO DQC: VOU ALI, VOLTO JÁ. INTÉ MAIS VER – Ao som de The Eternal Sun (Chester Music, 2007), do compositor britânico John Tavener (1944-2013), sobre o poema homônimo do poeta suíço Frithjof Schon (1907-1998), para o Riga Youth Choir Kamer. - Duas pernas, quantos caminhos, um tanto de vontade. Diz o ditado: cobra que não anda, não engole sapo. Mas a vida passa e não quero ficar, jamais. Só que agora voo. Pra lá, ou pracolá, tanto faz, zis estradas, direção da venta, o que der na veneta. Quem não tem para onde ir, arranja lugar. Aonde chegar, chegou. Vou com o verso de Georg Trakl: O solitário passa pela rua: é meia-noite e brilha o firmamento. Levanta-se o menino sonolento, seu vulto pardo se desfaz co’a lua. E na levada do Gonzaguinha: Muito que andar por aí... Do que aprendi, Simone Weil: O futuro é feito da mesma substância do presente. Outras lições no bisaco, mais a de Paul Auster: Ser artista é fracassar, como ninguém mais ousa fracassar, o fracasso é o seu mundo. A vida se transforma em morte e é como se essa morte tivesse possuído essa vida o tempo todo. Morte sem aviso. Em outras palavras: a vida para. E pode parar a qualquer momento. Como sou ninguém, tudo gira, a cabeça roda ao contrário, os ponteiros loucos: se ganhei ou perdi, pouco importa. Valho-me de James Joyce: Sou amanhã, ou noutro dia futuro, o que estabeleço hoje. Sou hoje o que estabeleci ontem ou noutro dia anterior. Os erros são os portais da descoberta. Agora vou, quando voltar aviso, se.

 


DOIS: A LUA, CABEÇA CAXINAUÁ ENCANTADA - Ao som de A lua (Renato Rocha), no álbum Vira virou (1980), do grupo MPB4: A lua / Quando ela roda / É nova / Crescente ou meia / A lua! / É cheia! / E quando ela roda / Minguante e meia / Depois é lua novamente / Diz / Quando ela roda... Depois é lua-nova / Mente quem diz / Que a lua é velha / Mente quem diz... – Quem é caxinauá, é Kaxinawá! É do Alto Juruá e Purus, do Vale do Javari. É huni kuin! Povo que anda de noite e homens de verdade, verdadeiros e que vão pelo Igarapé do Caucho, Katukina, Humaitá. Ashaninka, Carapanã, do Rio do Breu ao Peru. Lá vai um deles, não havia Sol ainda. Branco vê-lo passar e, na tocaia, prepara-se para a cruzeta, armado de facão. Enquanto isso, aquele da gente de Jaci não sabe o que se passa: Branco caçador de ouro, gente, tudo o mais, pronto para atacar às traições. Um golpe no escuro, a cabeça decepada no chão, o corpo treme e se mantém de pé. Às bordoadas, corpo estendido no chão estrebuchando. A cabeça, ah, a cabeça pálpebras batendo, os olhos brilhantes, boca abrindo e fechando. O malvado cortou uma tora de pau, aguçou, enfiou a cabeça índia lá e fincou no chão. E fugiu. Quem vinha ou quem ia, lá via a cabeça viva na estaca. Juntou gente para vê-la espetada no meio do caminho, decapitada. Quem terá feito isso? Ela refulgia pálida e todos temeram. Mas preferiram derrubar para que não amedrontasse mais ninguém. Ao cair ela começou a rolar seguindo os passos de todos que fugiam: Corra! A cabeça vem atrás da gente! Ao encostar à sombra de uma árvore, viu o assassino atrepado num galho. Ela começou a crescer e o homicida pulou e começou a correr, ela atrás, aonde ele ia, perseguia seus passos, até divisá-lo à beira de um penhasco. Ela então cresceu lívida, mágica, estonteante. E ao evoluir ocorreu um estrondo como se a Terra tivesse parido a Lua que iluminava a noite. Dos seus olhos surgiram estrelas e da sua boca um enorme raio anunciando o surgimento do Sol. Todos os dias no crepúsculo ela se encostava a Terra, permitindo até que se pudesse dar longos passeios pelo Universo, quando então depois de muitas e grandes voltas, tornava a se aproximar para que todos pudessem descer e retornassem aos seus lares. PS: Releitura livre do conto A lua, extraída da obra Rã-ixa hu-ni-ku: a língua dos caxinauás do Rio Ibuaçu, afluente do Muru (Rio de Janeiro, 1914- Unicamp, 2017), do historiador Capistrano de Abreu (1853-1927).

 


TRÊS: A DANÇA DA AUSÊNCIA DELA - Imagem: a arte da bailarina e atriz escocesa Moira Shearer King (1926-2006), ao som de La danse (1948), do compositor japonês Yasushi Akutagawa – A ausência dela e as lembranças. Era como se ali estivesse dançando nua e recitando um trecho de O diário da princesa (Galera; 2002), da escritora estadunidense Meg Cabot: Coragem não é a ausência do medo, mas a decisão de que algo é mais importante que o medo. O corajoso pode não viver para sempre, mas o cauteloso nunca vive plenamente. E eu ouvindo sua deliciosa voz me dizendo Ada Negri: A vida tem em cada batida do coração a tremenda medida da eternidade. Não há tempo que não pese sobre nós com o poder de todos os tempos. A cada amanhecer que rompe digo: É hoje: a cada dia que se põe digo: Será amanhã. É tudo muito real, desde ontem e para sempre, ela em mim. Até mais ver.

 

FOLCLORE PERNAMBUCANO



A obra Antologia Pernambucana de Folclore (Fundaj/Masssangana, 1988), em dois volumes organizados por Mario Souto Maior e Waldemar Valente, coletânea de contos com lendas e situações folclóricas registradas no universo pernambucano. Veja mais aqui e aqui.