TRÍPTICO DQC: ACONTECÊNCIAS DA SOLIDÃO - Curtindo o álbum Tom Waits: live at the Montreal Jazz Festival (1981) – A hora da noite seguia
ao ritmo do contrabaixo pelas cenas caleidoscópicas desfocadas pela rotação das
acontecências e a vida era o palco no meu quarto solitário, desarrumado pelo
que foi dito e o silêncio quebrado pelo poeta das tripas coração com a poesia
das ruas pelas escadas do itinerário entre o real e o imaginário, onde houvesse
uma faísca de vida para pegar carona aos ventos e paredes. Quase nem sei mais
como estou levado pelas batidas dos instrumentos e a voz rouca insiste um
embriagado desencanto, tudo pela hora da morte e nem é possível que tudo tenha
desabado lá fora porque em mim sobram apenas pedaços do que sou a serem levados
pelas lufadas e varridas invisíveis. Quase tão só no ermo revisitado, Tom Waits chega e me fala: Eu me preocupo com muitas coisas, mas não me preocupo com
conquistas. Eu me preocupo principalmente com a existência de boates no Céu. Eu
admito que não sou nenhum anjo, admito que não sou santo - sou egoísta e sou
cruel e sou cego. Se eu exorcizar meus demônios, bem meus anjos podem sair
também. Quando eles saem eles são tão difíceis de encontrar! O tempo é apenas
memória misturada com desejo. Ele toma
um gole do copo, faz uma careta e, ao olhar para mim, sorri com o indicador da
mão esquerda em sentido de alerta e aponta para o palco, estalando o polegar no
anular e segue como quem diz que vai cantar o mais que puder e eu pronto para
me deixar levar ao som noite afora.
ITINERÁRIO ENTRE O
REAL E O IMAGINÁRIO – Imagem: a arte do artista visual e filósofo
das ruas, Eduardo Marinho: A maioria
não tem nada e vive tranquila! Como é que eu olho a minha volta e a classe
abastada morre de medo de perder tudo? & ao som de Tempo
de Maracatu (Citadela, 2016), do
premiado violonista e compositor Marcus
Llerena. – Eita, danou-se! Que foi? O Zé Fabo pegou coronga! Foi? Foi, arriou e se espremeu, tomou
cloroquina, levou gás no rabo, cachete disso e daquilo, foi pros pés do bispo,
correu pro pastor, baixou catimbó (catimbozeiro coisado? Tem! Vixe!), o
escambau e nada. Que coisa! Enfim, foi pro médico: Quer morrer, desgraçado? Dia
mais, dia menos, escapou fedendo: Ei, Zé, a ciência é a gota, hem? Nada, foi
uma oração que o Sirvo Santo me deu do EdiReco-reco, dia e noite,
morre-mas-num-morre, tou novinho em folha e pronto pra outra! Vixe! Tou cum Coisonário e num abro! Este o Fecamepa! Nessa hora Thornton Wilde se aproxima e me diz em
tom de confidência: 99% das pessoas do
mundo são tolas e o resto de nós está em grande perigo de contágio. Valei-me!
Nem deu tempo de concatenar e já Noam Chomsky esclarecedor ao meu lado: Caso
após caso, vemos que o conformismo é o caminho fácil, e a via rumo ao
privilégio e ao prestigio; a dissidência traz custos pessoais. Não devemos
procurar heróis, devemos procurar boas ideias. Logo me ignoraram numa
conversa inelegível e o meu coração era um maracatu atônito alardeando a
madrugada.
O IMAGINÁRIO &
A POESIA DAS RUAS: A DANÇA DA VIDA – Imagem: a arte da
artista visual italiana Cristina
Fornarelli, ao som do Concerto Duplo 2 guitars and Orchestra, de Marlos Nobre, na
interpretação dos violonistas Sergio & Odair Assad e a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP),
sob a regência de John Neschling. – O meu
sangue se esvai ao som do primeiro movimento e os violinos solam o concerto
grosso, enquanto os violões ponteiam o meu desfalecimento. Respirar agora está
cada vez mais difícil em meu país, há uma iminência tácita, prevejo. Sei que a
madrugada extensa tardará o amanhã e eu perdido na escuridão do dedilhado pungente.
Nenhuma esperança,
ao menos ela, lábios adunco, pernas exaltadas, adentra lépida segundo movimento,
cadenza & toccata concertante,
mais que aliciante vestido solto de alça, decote agudo, coxas proeminentes
expostas pela leveza da veste acetinada e lassa, afaga a face do meu desamparo,
beija meus lábios apátridas, toca a minha pele desabrigada e me diz Willa Cather: O
coração do outro é uma floresta escura, sempre, não importa quão perto esteja
do seu. Onde existe grande amor, sempre há milagre. E se desnudou no terceiro
movimento ao mundo escancarado, ária, scherzo,
pouco importava a porta aberta, a loucura vigente e me tocava e abrasava e me
envolvia e me extravasava para que fosse dela mais que o momento e a vida
eterna por seus encantos e nobreza ofertada para minha restituição. Tateei sua
pele, percorri seu corpo, demovi a cinta-liga e minha mão se intrometeu dentro
da calcinha, a fonte viva e úmida, ela se alargava diluvial e eu vivo mais que
o quarto movimento presto com fuoco
alucinante a ignorar da vizinhança e de todos os guardiões e pudicos da
ordem pública e me fiz nela mais que o dia amanhecendo na festa da vida. Até
mais ver.
A MÚSICA DE NENÉU LIBERALQUINO
A arte musical do violonista, professor de Harmonia Jazzística e Violão Popular e regente da Camerata de violões do Centro Experimental de Música do SESC – São Paulo e também regente de coro, Nenéu Liberalquinho (Manoel Teodoro Liberalquino Ferreira), atualmente é o regente titular e diretor artístico da Banda Sinfônica do Recife, e tem ministrado vários cursos nas áreas de arranjo, harmonia erudita e jazzística. Veja mais aqui e aqui.