PRIMEIRO
DE MAIO - O melhor dia
de trabalho é o primeiro de maio porque é feriado, isso quando não cai num dia
de domingo, senão é mesmo que nada, ora. Afora esse dia, só os finais de semana
que são denominados de repouso remunerado, ou as férias remuneradas. Tá bom. O
resto é tudo dia de branco: maior trampo. Posso estar redondamente enganado,
mas isso não faz a menor diferença. Isso é só pra dar um pontapé nesse papo,
manifestando minha insatisfação com a usual conceituação do labor humano numa
ótica convencional do processo industrial e capitalista. Fugindo do
reducionismo de que o trabalho é apenas uma atividade que produz algo para
outras pessoas, e de que é a atividade que dignifica ou de que Deus ajuda a
quem madruga trabalhando, há também quem diga que ele serve para aquisição do
domínio sobre si mesmo e adquirir sentimento de valor pessoal mediante a
avaliação dos outros sobre os seus resultados, o que dá no mesmo. O que quero
ressaltar é que o homem começou a trabalhar pela primeira vez quando lhe deu
fome: ou caçava, ou morria. Precisando sobreviver, saiu explorando o espaço ao
seu redor, a natureza. Depois de encher a pança, a sesta. Cansado de coçar o
saco, investiu na desbravação do ambiente, foi aí que aprendeu a usar de
madeiras e ossos, a lascar a pedra, a dominar o fogo e a cerâmica, a criar
animais, a cultivar plantas, a inventar a roda e a fundir os metais na criação
de armas rudimentares pra caça. Com isso, foram se sobrassaindo os mais sabidos
e os mais fortes: uns sabidos passaram a governar, outros a filosofar, enquanto
os que não eram lá tão bem providos das ideias, usavam da força. Apareceram,
então, os dois lados da moeda: as histórias dos gloriosos trabalhos de Hércules
e os inglórios de Sísifo, contadas por Homero e Hesíodo. E assim foi desde então,
nascendo o primeiro ditado de que trabalha o feio pro bonito comer e que,
depois, virou o da faina de mouro quem desfruta é o esperto, estes os manhosos que
se prestam a dar continuidade ao trabalho das parcas: Cloto segurava a roca, Láquesis
virava o fuso e Átropos em seguida cortava o fio, tudo isso porque as deusas
infernais viviam de tecer a trama humana. Huuummmmm. Entendeu? No meio disso,
dizem, havia também os que trabalhavam pro bispo: sem lucro, sem glória ou
proveito. Eita! Tudo isso dando conta de como a evolução do trabalho foi da
escravidão até os dias de hoje, nos quais quem gosta de trabalho é workaholic – ou melhor, quem é viciado
em trabalho, trabalhador compulsivo e dependente do trabalho. Alguns poucos
deles são multimilionários: estão a serviço de quem? Outros, uns tantos como
eu, trabalham porque fazem o que gostam e só por isso. Outros muitos tantos
possuem emprego: gozam das benesses da boa vida no reino da incompetência e
ganham sem fazer nada, só ocupando os outros e dando trabalho à humanidade com
a disfuncionalidade da burocracia, pois adoram dar nó cego e ver os outros pra
lá e pra cá fazendo papel de bestas. Mais outros tantos trabalham apenas para
ter o seu sustento, andar na moda e usufruir do status de estar empregado, exercendo o “estar” na profissão sem ter
a menor vocação e não ter nada a ver com a mesma. Outrantos vivem pendurados
nas circunstâncias: não levam desaforo pra casa, não se submetem à hierarquia e
pintam o sete pro que der e vier, lícita ou ilicitamente se virando como podem
pra defender as gambiarras do seu sustento e o que é seu. Muitoutrantos fazem o
que podem com o que tiveram de oportunidades de qualificação ou
semiqualificação ou mesmo diplomação que esconde a desqualificação, para serem
digeridos pela meritocracia da colocação no cumprimento rígido de procedimentos
e dos manuais internos, evitando-se o batalhão de reserva dos excluídos: outros
fabos
incompetentes. E por aí lá vai teibei. Pelo que posso ter de ideia, dos que
possuem empregos majestosos aos que exercem suas profissões, sejam elas das
mais humildes às mais chiques, ninguém está feliz com o que faz e com o quanto
que ganha, excetuando-se, evidemente, aqueles que fazem o que gostam, reitero.
Injustiças sempre vigoram e não é difícil encontrar um médico choramingando, ou
um advogado se lamentando ou um engenheiro apertado: todos falam que trabalham
demais para ter o que possuem ou para adquirir o que precisam. E que tudo tem o
preço da impossibilidade de compra, exigindo-se aquela valsa de meses na aquição.
O que quero mesmo levar em conta é que na vida, ou a gente está dormindo, ou
trabalhando – óbvio que tem gente que faz outras tantas coisas, mas que aqui não
vem ao caso. Ou seja, no dia a dia de uma penca de anos ou a vida toda, a gente
está correndo atrás, se cansa e vai dormir; quando acorda, pé na bunda pra labuta,
uns feito cantiga de grilo de domingo a domingo, a maioria de segunda a sexta,
outros que vão até depois do meio dia de sábado, afora outro bocado de finórios
que nem sabe o que é isso e que só dão o ar da graça um dia, dois ou mais por
semana. Em suma: a gente vive pra trabalhar e vice-versa. Há o ditado de quem
trabalha enrica - isso num país sério, até pode ser; porque aqui, só se amonta
no bufunfa quem tem atributos corporais de chamar atenção, ou o sabido que sabe
levar o que é dos outros, ou quem vive com dedo pronto pra rapar no gatilho e
tomar o que é alheio. Pronto. Eu mesmo trabalho desde os dez anos de idade e
nunca saí do lugar, pudera, nunca fiz nada que prestasse mesmo. Taí outro
ditado: a ocupação laboral traz recompensas econômicas que determinam o padrão
de vida e status social de cada um. Tradução:
é mesmo? Parece. Mas quem trabalha de mesmo, veste a camisa na maior pilha, dá
o sangue a ponto de se lascar todo, acabar com a saúde e findar da caridade
alheia: inútil e chacoalhado de não valer um tostão furado. E quem comeu o
vigor da gente, como é que fica? Eu hem!?! Como não estou dizendo coisa coisa, nem
sou de reclamar, vou na do Hino Nacional “deitado eternamente em berço esplêndido”,
entoando a Filosofia do Ascenso: Hora de comer, comer; hora de dormir, dormir;
hora de vadiar, vadiar. Hora de trabalhar: pernas pro ar que ninguém é de
ferro! Principalmente porque é Dia do Trabalho e, ainda por cima, é domingo,
ora. E vamos aprumar a conversa & tataritaritatá! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui,
aqui, aqui, aqui e aqui.
Imagem:
Segunda classe (1933), da pintora brasileira Tarsila do Amaral (1897-1973). Veja mais aqui.
PRIMEIRO DE MAIO
(Milton
Nascimento & Chico Buarque)
Hoje a cidade está parada
E ele apressa a caminhada
Pra acordar a namorada logo ali
E vai sorrindo, vai aflito
Pra mostrar, cheio de si
Que hoje ele é senhor das suas mãos
E das ferramentas
Quando a sirene não apita
Ela acorda mais bonita
Sua pele é sua chita, seu fustão
E, bem ou mal, é o seu veludo
É o tafetá que Deus lhe deu
E é bendito o fruto do suor
Do trabalho que é só seu
Hoje eles hão de consagrar
O dia inteiro pra se amar tanto
Ele, o artesão
Faz dentro dela a sua oficina
E ela, a tecelã
Vai fiar nas malhas do seu ventre
O homem de amanhã.
PESQUISA
Adam Smith (1723-1790), fudador da escola liberal
clássica: O trabalho é a verdadeira e
única fonte da riqueza das nações, pois os produtos, industriais ou agrícolas,
são obtidos pelo esforço humano, que se torna sempre mais eficiente pela
especialização. Agindo de acordo com seus interesses, o homem é conduzido, por
mão invisível, ao desenvolvimento do bem comum.
David Ricardo (1772-1823), economista e político
britânico: A base de todo o valor
econômico é o trabalho-valor. O valor de troca de uma mercadoria é calculado
pela quantidade de trabalho empregado na fabricação do produto. As máquinas têm
como objetivo diminuir o valor de troca do produto. As máquinas também são
trabalho humano acumulado.
Kark Marx (1818-1883), filósofo, sociólogo,
jornalista e revolucionário socialista: Não
é o trabalho em si que interessa ao capitalista, mas a mercadoria, não por seu
valor de uso, mas por seu valor de troca. Se o capital conseguir produzir, em
certo período de tempo, com duas máquinas o equivalente em produtos ao que
cinquenta operários conseguiriam, ele ficará com as duas máquinas. Ao
capitalista interessa baixar os preços de custo do produto, para acumular mais
capital. Para isso, só lhe resta uma saída: diminuir o custo do trabalho. Isso
pode ser conseguido diminuindo os salários, ou, ainda, substituindo o trabalho
humano pela máquina, cada vez mais aperfeiçoada. O fruto do lucro no capital é
um trabalho humano não pago: se o trabalhador consegue o que precisa em seis
das oito horas que trabalha, as duas horas restantes ele trabalha para manter o
capital e garantir que se reproduza, o capital assim obtido é a mais-valia.
EPÍGRAFE
Os sete pecados sociais, do advogado, idealizador e fundador do
moderno Estado indiano, Mohandas Karamchand Gandhi (1869-1948), o grande Mahatma Gandhi. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
LEITURA
Os trabalhos e os dias (Hedra, 2013), poema épico do poeta oral
grego Hesíodo (cerca de 750-650aC). Veja mais aqui e aqui.
PENSAMENTO DO DIA
Para
quem tá naquela da fábula de Esopo -
de que a formiga só trabalha porque não sabe cantar -, no dia mundial do
trabalhador, como toda formiga que se preze, ela comemora o Dia da Literatura Brasileira. Cuma?
Eita! E quem quer saber disso? Pois é, uma data dessa só prova que a literatura
do Brasil só serve pra estrangeiro ver.
Veja mais Salmo da Cana, o Projeto de Extensão Infância, Imagem e Literatura: uma experiência psicossocial na comunidade
do Jacaré – AL, Auguste
Rodin, Chico Buarque, Peisândro de Rodes, Monteiro Lobato, Hércules, Hesíodo,
Émile Zola, Vinicius de Moraes, Cândido Portinari, Jorge Luis Borges, Nelson
Rodrigues, Charlie Chaplin, Magda Mraz & Darlene Glória aqui.
CRÔNICA
DE AMOR POR ELA
1º
de Maio, Dia do Trabalhador:
comemoração da secretária do Tataritaritatá!
CANTARAU:
VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Recital Musical Tataritaritatá