PECHISBEQUE - Imagem: Opal, do artista plástico estadunidense Sam Francis (1923-1994) – A cada dia que se passa – e cantando os
versos Cantador: a vida passa em cada passo do caminho, vou passarinho
professando a minha fé... -, tenho cá comigo que o inopinado é surpreendente,
mesmo quando se tem a percepção de que não há nada de novo sob o sol. Tenho
sempre a impressão de que vagamos tangidos por algo que sinto no ar de
manipulação e que não é fácil de detectar: anúncios, semáforos, barulhos,
correria. Algo me diz respeito. Pare o mundo que eu quero descer, ora. Vou no
devagar, quase a esmo. Na vera: nunca acertei um ipsilone de nada que valha;
errático, fugindo do ócio. Feliz sou de atirar na doida e acertar no cachaço do
enterro voltando. Dou meu testemunho: se a audácia já suplanta as desventuras,
viver só não basta! Exploro o horizonte. Afinal, onde é que vamos pousar, hem?
Vivemos do uso das próteses com os atrativos do magnetismo escuso e
predominante dos simulacros, no dilema vicariante sem a interação corpo a corpo,
só na superfície, vivendo do Panem et
Circenses no país de Cucanha. Fico com a sensação de que a ninguém é dado o
direito de ter acesso à caixa-preta, só nas beiradas. Mas eu fuço. Mesmo que a gente
só se atrepe na oportunidade, driblando os pingos da chuva pra não se molhar,
pendurado no tênue cordão da vida – só um fiapo -, chega prevejo a qualquer
momento rebentar tudo e despencar no abismo. E babau de ziriguidum. Foi pro
saco, já era. Agora, só na outra. Sensação braba essa, cotidiana. Destá.
Respiro fundo e sigo o dia pela noite adentro até o amanhecer: tem outro
sentido pra tudo isso que os olhos nem sentido algum percebem. Estou atento e
vou adiante: olhos grandes, quero ver o que não enxergo. Veja mais aqui.
Imagem: Les Canques de Cantiques - The song of songs (1996) do pintor,
ilustrador e escultor francês Theo
Tobiasse (1927-2012).
Curtindo: Bach: Concertos for Piano & Orchestra (2006), do pianista
brasileiro João Carlos Martins &
Sofia Soloists Chamber Orchestra, conductor Plamen Djurov.
NÃO
É O HOMEM, MAS A ÁGUA, A REALIDADE DAS COISAS – O filósofo, matemático, engenheiro e astrônomo grego Tales de Mileto (623aC.-548aC),
considerado um dos setes sábios da Grécia Antiga, fundou a escola de Mileto –
Escola Jônica -, expressando a autenticidade do espirito jônico, ao qual se
opõem os eleatas, representantes do espírito dórico. Com ele ocorre o advento
da ciência, caracterizada pela universalidade e pelo aspecto lógico e racional.
A sua escola foi decisiva para a mentalidade, método e nova perspectiva da qual
se passou a se considerar o mundo. Os milesianos procuraram um princípio único
ou substância fundamental, que permanecesse estável, ao longo do vir-a-ser.
Para Tales, essa substancia era a água, pois o que é quente precisa da umidade
para viver, o morto resseca, todos os germes são úmidos e os alimentos estão
cheios de seiva. É natural que as coisas se nutram daquilo de que provém. A
água é o princípio da natureza úmida, que entretem todas as coisas, e a terra
repousa sobre a água. Os seus estudos sobre geometria e proporcionalidade
possibilitaram a determinação da altura de uma pirâmide, o que o levou a ser
considerado o pai da geometria descritiva e desenvolveu o seu teorema que é
determinado pela intersecção entre retas paralelas e transversais que formam segmentos
proporcionais. Certa feita, ele asseverou que não há diferença entre a vida e a
morte, fato que levou a perguntarem por que não morrera, ao qual respondeu: -
Porque não faz diferença. E arrematou: - É difícil, porem bom, conhecermos a
nós mesmos, pois, isto é viver conforma a natureza. Veja mais aqui, aqui e
aqui.
1984 – O romance distópico clássico 1984 (Nineteen eighty-four 1949, Companhia Editora Nacional, 1979), do
escritor e jornalista britânico George
Orwell (Eric Arthur Blair – 1903-1950), é uma metáfora sobre o poder e as
sociedades modernas, retratando o cotidiano de um regime político totalitário e
repressivo, mostrando uma sociedade oligárquica coletivista e sua capacidade de
reprimir qualquer que oponha a ela. Conta, portanto, a história de Winston, um
funcionário do governo da Oceania que se revolta contra a sua realidade sob o
regime totalitário do Big Brother, o Grande Irmão, e sua ideologia IngSoc.
Descobre ele, ao se apaixonar por Julia, que o sexo deve ser apenas usado para
a procriação, senão é considerado crime. Da obra destaco o trecho inicial: Era um dia frio e luminoso de abril, e os
relógios davam treze horas. Winston Smith, queixo enfado no peito no esforço de
esquivar-se do vento cruel, passou depressa pelas portas de vidro das Mansões
Victory, mas não tão depressa que evitasse a entrada de uma lufada de poeira
arenosa junto com ele. O vestíbulo cheirava a repolho cozido e a velhos
capachos de pano trançado. Numa das extremidades, um pôster colorido, grande
demais para ambientes fechados, estava pregado na parede. Mostrava simplesmente
um rosto enorme, com mais de um metro de largura: o rosto de um homem de uns
quarenta e cinco anos, de bigodão preto e feições rudemente agradáveis. Winston
avançou para a escada. Não adiantava tentar o elevador. Mesmo quando tudo ia
bem, era raro que funcionasse, e agora a eletricidade permanecia cortada
enquanto houvesse luz natural. Era parte do esforço de economia durante os
preparativos para a Semana do Ódio. O apartamento ficava no sétimo andar e
Winston, com seus trinta e nove anos e sua úlcera varicosa acima do tornozelo
direito, subiu devagar, parando para descansar várias vezes durante o trajeto.
Em todos os patamares, diante da porta do elevador, o pôster com o rosto enorme
fitava-o da parede. Era uma dessas pinturas realizadas de modo a que os olhos o
acompanhem sempre que você se move. O GRANDE IRMÃO ESTÁ DE OLHO E M VOCÊ, dizia
o letreiro, embaixo. No interior do apartamento, uma voz agradável lia alto uma
relação de cifras que de alguma forma dizia respeito à produção de ferro-gusa.
A voz saía de uma placa oblonga de metal semelhante a um espelho fosco,
integrada à superfície da parede da direita. Winston girou um interruptor e a
voz diminuiu um pouco, embora as palavras continuassem inteligíveis. O volume
do instrumento (chamava-se teletela) podia ser regulado, mas não havia como
desligá-lo completamente. Winston foi para junto da janela: o macacão azul
usado como uniforme do Partido não fazia mais que enfatizar a magreza de seu corpo
frágil, miúdo. Seu cabelo era muito claro, o rosto naturalmente sanguíneo, a
pele áspera por causa do sabão ordinário, das navalhas cegas e do frio do
inverno que pouco antes chegara ao fim. [...] Veja mais aqui, aqui e aqui.
PAÍS
DE CUCANHA - Imagem: A era do ouro, do pintor e gravurista
germânico renascentista Lucas Cranach (1472-1553) – No Dicionário brasileiro de provérbios, locuções e ditos curiosos, bem
como de curiosidades verbais, frases feitas, ditos históricos e citações
literárias, de curso corrente na língua falada e escrita (Documentário,
1974), organizado pelo escritor, historiador, jornalista, escritor e teatrólogo
Raimundo Magalhães Júnior
(1907-1981), consta que a expressão País de Cucanha é o mesmo que país da
abundancia e da fatura, terra das coisas mirabolantes, onde tudo são gozos e
deleites. É a terra da árvore das patacas, onde se amarravam cachorro com
linguiça. Criação do fabulário da Idade Média, chama-se, na França, Terra de Cucagna. Segundo Maurice Rat, a
expressão aparece pela primeira vez num fabliau
– narrativa jocosa em versos, geralmente grosseira - do século XII, intitulado Ayneri de Narbonne. No século XIII,
serve de título a outro, em que o autor narra que, tendo ido a Roma, pedir ao
papa a absolvição dos seus pecados, foi mandado para penitência a um país cujas
casas tinham as paredes construídas de comestíveis de toda espécie e cujos rios
eram divididos ao meio, correndo de um lado vinho tinto e do outro vinho
branco. Diz o comentarista que se tratava de uma adaptação do fabliau de
descrições greco-romanas de L’Age d’Or (A Idade de Ouro), também adaptado por
Fenelon em sua Viagem à Ilha dos Prazeres. A palavra francesa cocgne é de
origem ítalo-provençal e a expressão foi utilizada por muitos autores
franceses. O poeta e crítico francês Nicolas Boileau (1636-1711), na sua sátia
Embarras de Paris, deu-lhe a carta de nobreza das letras clássicas, escrevendo
os versos: Paris é para o rico um país de
Cucanha: / sem sair da cidade, ele encontra o campo. O poeta e libretista
francês Pierre Jean Béranger (1780-1857), cantou numa de suas canções: Ébrio de champanha / percorro os campos / e
vejo de Cucanha / o país sedutor. O escritor francês Honoré de Balzac
(1799-1850) usou a expressão vida de cucanha, em relação a um de seus personagens.
O dramaturgo veneziano Carlo Goldoni (1707-1793), compôs uma comédia de três
atos, Il Paese dela Cucagna,
assinalando que ela está em toda parte, mas infelizmente dua muito pouco. Foi a
conclusão que também chegou Capistrano de Abreu ao referir-se, em um artigo
publicado em O Jornal (1925), que tal país não estaria longe do Brasil
primitivo, descrito entusiasticamente por Gabriel Soares e pelo padre Fernão de
Cardim: As águas prodigiosas eram
inexauríveis; os senhores de engenhos tinham sempre todo gênero de pescados e
mariscos de toda a sorte por terem deputado certos escravos pescadores para
isto e de tudo tinham essa tão cheia que na fartura pareciam condes. Nos
engenhos mais afastados do mar existia toda a variedade de carnes, galinhas,
perus, patos, leitões e cabritos. Por Gabriel Soares sabemos que a gente de
tratamento só comia farinha de mandioca fresca, feita no dia. O mesmo autor dá
uma lista, forçosamente incompleta, das conservas e doces, transplantados uns
além-mar, aprendidos outros na terra. Dir-se-ia um país de Cocagne. Além
disso, encontra-se a expressão nas narrativas sobre a terra maravilhosa de
Bengodi, as aventuras de Calandrino, nos contos de Bocaccio, na Ilha dos Amores
de Camões e no Eldorado que Voltaire apresenta em Candide ou L’Optimiste, no qual as crianças brincavam nas ruas com
moedas de ouro, como noutros lugares brincam com seixos. Veja mais aqui e aqui.
LEGADO
& O GRITO – Já tendo
destacado aqui a obra poética e teatral da poeta, professora e advogada Renata Pallottini, destaco aqui dois
poemas dela recolhidos na edição nº 10, Ano III, de maio de 1983, da revista
Poesia – Uma revista da gente com o sentimento do mundo (Nordestal,1983). O
primeiro deles, Legado: Conta a teu
filho, meu filho / da que que nós passamos; / que havia fitas gravadas /
retratos de corpo inteiro. / Conta que nos encolhemos / como animais
espancados; / que ninguém teve coragem, / que respirávamos baixo, / olhos
fugindo dos olhos. / as mãos frias e suadas. / E conta que faz dez anos, / que
temos pouca esperança, / que pedimos testemunho / e não aguentamos mais. /
Talvez teu filho, meu filho, / viva em um mundo mais aberto, / mas é grave /
que lhe contes calmamente / e nos mínimos detalhes / a historia desses punhais
/ cravados em nossas tardes. / Porém se por tudo isso / renuncias a ter filhos
/ como (alguns) renunciamos / deixa inscritos, como eu deixo, / sinais em
troncos de árvores / letra em papéis esquivos / para que não escureça / esta
lâmpada mesquinha / ralampago, fogo fátuo / pura lembrança dos dias ; em que
livres fomos filhos / de pais muito felizes. / Conta a quem possas, meu filho;
/ o que em ti forem palavras / nos outros serão raízes. E o belíssimo poema
O Grito: Se ao menos esta dor servisse /
se ela batesse nas paredes / abrisse portas / falasse / se ela cantasse e
despertasse os cabelos / se ao menos
esta dor se visse / se ela saltasse fora da garganta como um grito /
caísse da janela fizesse barulho / morresse / se a dor fosse um pedaço de pão
duro / que a gente pudesse engolir com força / depois cuspir a saliva fora /
sujar a rua os carros o outro / esse outro escuro que passa indiferente / e que
não sofre tem o direito de não sofrer / se a dor fosse só a carne do dedo / que
se esfrega na parede de pedra / para doer doer doer visível / doer penalizante
/ doer com lágrimas / se ao menos essa dor sangrasse... Veja mais aqui e
aqui.
AS
CASADAS SOLTEIRAS – A
comédia em três atos As Casadas Solteiras (1845), do dramaturgo,
diplomata e introdutor da comédia de costumes no país Martins Pena (1815-1848), trata com ironia e humor as graças e
desventuras da sociedade brasileira e suas instituições, contando a história de
dois amigos ingleses apaixonados por duas irmãs, com quem fogem para se casar
escondido do furioso pai das moças. Envolvidos em confusões e desencontros, os
personagens prometem momentos de muita diversão. Da obra destaco o trecho
compreendido pela Cena XI: CENA XI Narciso e as ditas. NARCISO, entrando - Ai,
que estou estafado! Muito tenho andado (sentando-se), e muito conseguido...
CLARISSE - Meu pai resolveu-se a jantar em casa? NARCISO - Sim, estou com
muitas dores de cabeça, e o jantar fora incomodar-me-ia... Mas quê? Esta
mesa... HENRIQUETA, à parte - Mau... NARCISO - Tantos talheres? VIRGÍNIA -
Henriqueta e seu marido jantavam conosco. NARCISO - Ah, está bom. Acrescentem
mais dois talheres. CLARISSE - Para quem? NARCISO - Para os amigos Serapião e
Pantaleão. VIRGÍNIA - Pois vêm jantar conosco? SERAPIÃO, dentro - Dá licença? NARCISO
- Ei-los. (Levantando-se:) Podem entrar. (Indo ao fundo.) CLARISSE, para
Virgínia e Henriqueta - E então? VIRGÍNIA - Não sei no que isto dará... [...] Veja mais aqui.
THAT
KIND OF WOMAN – O drama That Kind of Woman (Mulher daquela espécie, 1959) do cineasta estadunidense Sidney
Lumet (1924-2011), baseado no conto Layover
in El Paso, do professor de literatura e compositor estadunidense Robert
Lowry (1826-1899), conta uma história passada em junho de 1944, quando uma
sofisticada imigrante italiana se torna amante de um milionário de Manhatan,
conhecido apenas como The Man. Ela tem uma amiga que é usada sexualmente para
facilitar contatos do milionário com pessoas influentes do Pentágono. O filme é
estrelado pela belíssima e premiada atriz italiana Sophia Loren. Veja mais aqui, aqui e aqui.
IMAGEM DO DIA
Trencadís do arquiteto
espanhol Antoni Gaudí (1852-1926).
Veja mais sobre:
Quando tudo é manhã do dia pra noite, Agonia da noite de Jorge Amado,
Posthuman bodies de Halbertam & Livingstone, a música de Bizet & Adriana Damato, Folclore musical de Wagner Ribeiro, a
pintura de Aleksandr Fayvisovich & Bryan Thompson, a
fotografia de Christian Coigny, a arte de Mirai Mizue & Luciah Lopez
aqui.
E mais:
Preconceito, ó! Xô pra lá, Diários de viagem de Franz Kafka, Cantos de Giacomo
Leopardi, A revolta de Atlas de Ayn Rand, a música de Leoš
Janáček & Cheryl Barker, o cinema de Alessandro Blasetti & Sophia Loren, Jacques Lacan & Maguerite Anzieu: o
caso Aimée, a arte de Liliana Castro, a pintura de Helmut Breuninger &
Hermann Fenner-Behmer aqui.
Todo dia é dia da mulher, O processo de Franz Kafka, a música de
Leoš Janáček, a pintura de Anna Chromý, a arte de Ibys
Maceioh & Karyme Hass aqui.
O trânsito e a fubica do
Doro aqui.
O dia da criação de Vinícius de Morais aqui.
Lagoa da prata, Conheço o meu lugar de Belchior, O folclore no Brasil de Basílio
de Magalhães, Chão de mínimos amantes de Moacir da Costa Lopes, Culturas
e artes do pós-humano de Lucia Santaella, a fotografia de Tatiana
Mikhina, a arte de Joseph Mallord William & Wesley
Duke Lee aqui.
A lenda do açúcar e do álcool, Educação não é privilégio de Anísio Teixeira, História da
filosofia de Wil Durant, a música de Yasushi Akutagawa, Não há estrelas no céu
de João Clímaco Bezerra, Cumade Fulôsinha de Menelau Júnior, Maria Flor de João
Pirahy & a arte de Madison Moore aqui.
Cruzetas, os mandacarus de fogo, Concepção dialética da história de Antonio Gramsci, O escritor e seus fantasmas de Ernesto
Sábato, Sob os céus dos trópicos de Olavo Dantas, a pintura de Eliseo Visconti & Benício, a fotografia de Rita-Barreto & a arte de Rosana
Sabença aqui.
O passado escreveu o presente; o futuro,
agora, Estudos sobre
teatro de Bertolt Brecht, Sociolinguistica de Dino Preti, a música de Adriana
Hölszky, Nunca houve guerrilha em Palmares de Luiz Berto, a pintura de Dimitra
Milan & Vera Donskaya-Khilko, a escultura de Antonio
Frilli & a arte de Thomas Rowlandson aqui.
O feitiço da naja: a tocaia & o bote, Sistemas de comunicação popular de Joseph Luyten, Palmares & o coração de Hermilo Borba Filho, Porta
giratória de Mário Quintana, a música de Vanessa
Lann, o teatro de Liz Duffy Adams, a pintura de Joerg Warda & a
arte de Luciah Lopez aqui.
&
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
Imagem: La liseuse (1890) do artista plástico francês Jean-Jacques Henner (1829-1905).
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na
Terra:
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.