A arte da ilustradora Priscila Barbosa.
O PISOTEIO NOTURNO - Imagem: Art
by Ísis Nefelibata - O quê? Madalena
Pisoteio? Meu sinhô, essa é o cão chupando manga! A danida eu conheço derna de
pirrototinha e já era virada na gota! Jogava chimbra, dava cacete nos meninos
da rua, pulava academia, apelava no garrafão para dar mãozada nas costelas dos
desinfeliz, mascava o tempo todo um chiclete com um jeitão brabo, os dente
remoendo de raiva por alguma coisa, chata que só, presepeira, parecia mais que
era doente dos nervos ou dos ossos de tão ruim que era. Num tinha rebuliço que
ela não tivesse metida, era encrenqueira de mesmo! Fosse o que fosse o negócio
dela era desmoralizar os outros. Eita bicha home! Melhor ela de saia que muitos
fuleiros que nem sequer honram a calça que vestem. O dito dela era ponto e
pronto, não desinretava nem no pau, nem um tantim assim. Era a boca de uma
mulher com palavra de homem. Duvidasse não, tabefe comia. Eu mesmo já vi a
aloprada desbancar muito cabra metido a macho no rincão e depois o cara só não
desmunhecou porque não tinha ainda esse costume. A desalmada arredava de pai,
de mãe, de velho, de polícia, de autoridade, viesse não, ôxe! Possuidora que
era dum juízo forte, a bicha quando se ariava, home, saia de perto que é
melhor, a destemida endireitava logo o torto. Uma fulô de mulher, bonita que
só, macha toda. A saia dela ninguém mexesse não, os peito duro, miudinho,
metido na frente, nariz arrebitado, beiço virado, bunda de quartuda empinada,
pisado forte com aquelas coxas de jogador de futebol, jeitosa toda, pintada dos
pés à cabeça, vixe! Uma perdição de mulé linda! Acho eu, meu senhor, que ela
tinha partes com o tinhoso. Verdade deveras, conheci Madalena na companhia do
coronel Dionísio Cebolão, um homem destemido, ricaço da região, numa bebedeira
desarrumada e na companhia do meu tio. Ele, o patenteado, era amigo do meu tio
Benevaldo, outro atarracado em grossura e fora-da-lei. Eram amigos indo e
vindo. Onde estava um, encontrava o outro. Pareciam mais irmãos. E
desmantelavam um bocado de vida que se atrevesse a colocar qualquer dificuldade
na mira deles. Madalena, muito jovem para o ancião, se enrabichara por ele,
vivendo duma mancebia incólume por bares e noites perdidas no calendário,
dançando e bebendo a noite toda, o dia corrido, quase semanas. O Dionísio
Cebolão era um verdadeiro ogro, quasímodo, um sujeito neandertal, embelezado
apenas pela filantropia e pelo dinheiro, o que permitia que a desbocada
namorada possuísse um carro, um revólver três-oitão nos quartos, vestimenta da
moda e um prestígio de causar inveja até nos maiorais da localidade, imagine
nas damas dali. Era ela achegada a um jeans arrochado com umas blusas
decotadas, coladas no corpo, dinamizando os contornos corporais salientes de
atraente mulher, umas botas de salto proeminente, pisando forte, capaz de
atropelar no pisado quem se metesse a se intrometer pela frente, uma bravura de
ameaçar os céus. Brincos, pulseiras, um Rolex no pulso, cintos extravagantes,
um Ray Ban legítimo para esconder-lhe os olhos verdes, um chapéu discreto, uma
volta de ouro de quase dois centímetros de largura no pescoço realçando em tudo
com uma elegância ímpar e chamando atenção pela beleza estonteante, ferindo a
cobiça de todos com o seu caborge. Quem era doido? Todo dia a beldade desfilava
sua suntuosidade com vestidos exuberantes ou mesmo em vestes primárias,
shortinhos e miniblusas de fazer nego ficar com torcicolo por uns dias, praga
largada pelas despeitadas esposas dos inditosos curiosos. Onde chegasse chamava
a atenção. - Vá mexer com esse diabo, vá! Num tem vara no mundo que não se
torne curta pela encrenca. Certa noite num bar muito requisitado pelos
frequentadores homéricos, possuindo o estabelecimento a chancela de Pra Vocês,
point dos mais atrativos para largados, desachegados e perdidos, estavam o
Coronel, Madalena e meu tio, bebericando umas e outras. Eu aportara por ali a
esmo, para degustar uma cerveja gelada descompromissada. Estava sozinho com
meus pensamentos quando impuseram-me à mesa. Descabreado, quase que recusava,
quando o coronel apimentou com seu vozeirão uma intimação incapaz de qualquer
descrente de juízo no lugar fazer desfeita. Compulsoriamente eu estava ali,
sentado, de frente para Madalena e ao lado do meu tio e do coronel. Mazinho ao
violão, animava a noite naquele bar. No meio do repertório inventou de cantar
uma música minha. Eu fiquei quieto, quase que escondido e num disse nada. Ao
final o cantor achou por bem de anunciar que a música era minha. Foi uma
ovação. Uns mangavam, outros aplaudiam fervorosamente. Fiquei em estado de
nervos, todo cheio de pernas. - Esses poetas é tudo doido! Num sei no que pensam!
-, era o coronel arrotando sabedoria. - Mas esse aí, cumpadre Benevaldo, não é
porque é seu sobrinho não, esse é bom, é gente boa, a música é bonita, poeta
dum estilo que num sei mais nem se é poesia ou o que é. Ô menino traz aquele
violão alí que eu quero que esse poeta cante umas coisinhas para gente, vamos
lá poeta!!!! A turma do gargarejo aproveitou a ocasião e meteu um coro: canta!
Canta! Levantei-me e fui até o pequeno palco onde se encontrava Mazinho. - A
culpa é sua, Mazinho! - Nada, dê uma canja pra gente! Fiquei meio lá, meio cá,
mais pernas que minhoca, empulhado, situação vexatória aquela, meu. Apalpei a
viola, afinei o instrumento e larguei uns xotes estilizados que eu havia
composto. No meio fiz um pout-pourrit de Luis Gonzaga, Nando Cordel,
Dominguinhos, Geraldo Azevedo, Alceu Valença, Lenine, Antonio Carlos Nóbrega,
Zoca Madureira, a zoadeira de percussão na mesa com talheres, ganzás arrumados,
bongôs improvisados com lixeiras e uma desafinação sustentada pela euforia da
embriaguês. Tinha nego já dançando, ajuntando gente, eu já ficando rouco,
empolgado, com os dedos inchando e a noite se acasalando com a madrugada. Quando
concluí fiz o possível para tomar um gole e me despedi do palco, flagrando o
olhar quente de Madalena na minha direção. Arrepiei a espinha. Virgem nossa!
Que bronca! Desviei a vista e me concentrei apenas nas exigências do público
pedindo mais, dirigindo o olhar para todo mundo, menos para Madalena. Que
traidor seria eu, embalado pela amizade sincera, cometesse a perfídia de botar
uma gaia no coronel? Deus que me livre! Senti de novo que ela estava
hipnotizada por mim. Iiiiiihhhhh! Tocou fundo no meu coração, tocando com seus
lábios sedosos a minha alma. Eita! Quase que o meu olhar fica agarrado no dela
devido atração poderosa que ela exercia sobre tudo e todo o mundo. Vôte! Desconversei
no microfone e cabrestei a intenção, diminuindo os goles para não ficar lavado
e cometer alguma asneira. - Poeta, toque uma música para a minha Madalena. Danou-se!
Era o coronel exigindo que eu tocasse uma canção para sua predileta. Procurei
um buraco no chão para me socar e não encontrei. Que desafio. Um côro pedia uma
canção que havia composto em parceria com Mazinho, chamada “Entrega”, pareciam
cobrar de mim uma saída para tal vexame. Ela com um riso cobrança, como se
dissesse para si mesmo: eu num disse, faça agora! Era um deboche, ela já sabia
que eu evitava qualquer agrado para sua banda, e agora me colocava numa
verdadeira sinuca-de-bico. Puta que o pariu, meu! Logo o coronel! Envolvido com
meus pensamentos enrolava uns acordes e só me acordei daquilo com a cobrança
peremptórica do Dionísio. - Como é, essa valsa sai ou não sai? E eu dizia para
mim mesmo: a culpa é sua, coronel. Madalena aboletou-se a espera da minha canção,
eu procurando os acordes que fugiam da intuição, ela exigindo a minha
declaração que confirmaria com a música que escolheram se ela tocou ou não no
meu coração e não só havia tocado o coração como todas as dependências do meu
corpo e da minha alma. Eu estava tomado. - Canta! Canta! Canta! Minha nossa!
Que enrascada! Encontrei a nota e dedilhei a música, recitei um poema e entoei
a canção. Nossa, quase que o bar descia com tudo abaixo. Dê-me a sua mão nessa
rua, nossos sonhos são tantos que eu já nem sei seguir por veleidades...
Cantarolei. Linaldo e Cicó haviam gravado recentemente e ela tocava nas rádios
como sucesso do momento na minha rua. Foi uma ovação. Não cantei, só solfejei a
primeira frase e todo mundo, inclusive o coronel, fez coro a tantas vozes.
Entoaram a letra do começo ao fim. - Eita música bonita da gôta! - era o
coronel aos berros. - você merece, minha deusa! Tá vendo, ao vivo, assim, de
graça, com o artista cantando para você com coro e tudo! Tá vendo! Essa é a
minha Madalena! E ela quase desmaiando com uma sensualidade incrível e seu
jeito especial de ser. - Muito obrigada! Bastou isso e eu me desmantelei, sorvi
o copo de uma só vez e pedi licença para zarpar dali o quanto antes. - O quê?
Você é ou não é um artista, pode cobrar cachê, eu pago! - É, agora você só sai
depois que todo mundo tiver bêbo!! Foi um deus nos acuda. Sorte minha estava
Ozi e Mazinho do lado, joguei o violão na caixa dos peitos do primeiro que saiu
balançando a turma com seu jeito estilizado e, lá para as tantas, inventou de
cantar outra música minha, “Estigma”, uma parceria com ele. Ai meu deus!
Felizmente, depois que Ozi retomou seu repertório próprio, que se esqueceram de
mim por um instante. Contudo, toda vez que eu me levantava para arriar o óleo
da bexiga era uma confusão. - Você não vai sair agora não! - Calma, pessoal, só
vou no sanitário. Ozi era um sucesso, mas Madalena acompanhava todos os meus
passos para onde quer que eu fosse. Quase escapulindo, ela cutucou o coronel. -
Tô lhe vendo, vai sair agora de jeito nenhum! Madalena não desgrudava de mim e
assanhava o coronel a requisitar a minha presença no palco ao violão. Os dedos
já não aguentavam mais, aproveitei Ozi e cantarolei outras tantas canções, já
afônico, dando os últimos destroços da minha voz ali. Madalena se extasiava. Já
de madrugada braba, álcool dominando tudo, o coronel convocou a conta e pagou
tudo, dos que estavam e até dos que não estavam na mesa e noutras mesas. Passou
o cheque e me deu um abraço forte e se despediu de todos. - Tô esperando outra
cantoria para amanhã, ouviu? - assanhou, por fim, Madalena, se despedindo e
jogando um beijo para mim. Ufa! Voltei a respiração ao normal, estava o tempo
todo sobressaltado. Pedi logo outra cerveja e sorvi com avidez. Pensei que
aquilo não teria fim. - Eu vi, Madalena colou em você! -, era meu tio largando
pilhéria. Nossa, meu tio também notara, tô frito! No mato sem cachorros! Aquele
mulherão iria me colocar de verdade num beco sem saída. Tudo virou um pesadelo.
Por isso passei a evitar, definitivamente, os bares que eles frequentavam.
Quando sentia de logo que eles estavam chegando no buteco, eu me esquivava e
saía desembestado. Por causa disso, onde eu chegasse, pedia a bebida e pagava
logo para que ninguém corresse atrás de mim cobrando. Sempre me esquivava. Um
dia eu estava numa festa de aniversário do meu compadre Javanci e da comadre
Sandra, arranhando algumas canções ao violão quando, de repente, aparece do
inopinado, Madalena e uma amiga sua. Meu sangue fugiu. Sentaram numa mesa
próxima, ignorando, por disfarce, a minha presença. Fiz que não vi. Aliviado
com a indiferença dela, pude então cantarolar com mais entusiasmo e arrepiei no
sentimentalismo exacerbado. Uns aplausos aqui, outro ali, nenhuma unanimidade,
graças, discretamente discorria por minhas composições sem embaraço. A certa
altura recebi do garçom um guardanapo. Ao abri-lo constava "Entrega",
em letras garrafais. O bilhete não possuía assinatura, mas bem que eu já
desconfiava de onde partira. Todo mundo voou em cima para ver que música haviam
solicitado. Tentei evitar inutilmente. As deprecações exigiam a minha
interpretação daquela música. Com o intuito de provocação, inventei de cantá-la
com um timbre bem baixinho. De nada adiantou, todo mundo acompanhava os acordes
da canção. Ao término, aliviado, estourou um pedido de bis duma mesa lá do
canto. Condenei a solicitação. Daqui a pouco eram todos pedindo bis. Madalena
levantou-se e cobrou: - Agora cante direito que ninguém lhe ouviu! Valha-me
deus! Lá vou eu de novo seguindo a canção. Tudo bem. Aplausos, bis. Entoei logo
outra cantiga e, por fim, se esqueceram daquela. Desfilei uma porção. Novamente
o guardanapo: "Entrega e se entregue". Fiquei estupefato. A letra de
quem solicitava era a mesma. Pedi desculpas e aleguei ao microfone que já havia
cantado essa música. Protestos muitos, tive que por fim da força cantá-la
novamente. E foi uma ovação sem fim. Aplausos. Aproveitei a deixa e flagrei
Mazinho calado, encostado na porta da entrada e convidei-o a cantar. Por sorte
ele aceitou e danou-se a tocar noite adentro. Aproveitei o encanto da sua
interpretação e escapuli. Saquei das chaves, abri a porta e me sentei ao
volante. Quando estou saindo eis que... não! Quem? Quem? - Ei, amorzinho,
fugindo assim furtivamente, é? - Não, vim esquentar o motor que está frio e
arriando a bateria. - Vamos para outro lugar, aqui já está além da conta. Me
acompanhe. Era Madalena, ela entrou no carro dela e saiu me obrigando a
segui-la. Entrou numa rua, saiu em avenida, subiu ladeira, descambou em
declive, dobrou para a direita, contornou a praça, atravessou a rodovia,
quebrou para a esquerda, entrou pelo bairro, disparou pela periferia, seguiu
pela perimetral e estacionou num barzinho discreto. Desceu e ficou me esperando
até que eu encostasse, desconfiada que eu abrisse do pau. Desci enervado, todo
na minha. Ela tomou do meu braço e agarrada a ele me encaminhou para o interior
do botequim. Qual não fora a minha surpresa, lá estavam o coronel e o meu tio,
cheios dos paus. - Eu num disse que trazia ele praqui! - Esta é a minha raínha!
O que você não consegue, amorzinho? Me diga? Venha cá poeta, tem um violão dos
bons aqui pra gente e só tem a gente, viu? Fretei para o nosso esbaldar, está
fechado para os outros. Que susto! Que cruzêta, meu deus! Não, não era, eles se
riam misteriosamente, maliciosamente. Pediram mais cerveja, mais tira gosto e
jogaram o violão nas minhas mãos. Saí cantarolando, desfilando muitas e tantas
canções. Madalena interrompeu e pediu que o coronel solicitasse uma música
chamada Entrega. Eu me arrepiei e atendi o pedido. - Porra! Que música linda! -
É dele, amorzão, sabia? - Claro. Toca de novo, quero ouvir! Madalena aplaudiu a
exigência dele. Cantei de novo, aliás, cantaram de novo. - Mostre outras
músicas suas! - exigiu tio Benevaldo. E saí desfilando outras. Madalena não
piscava o olho. O coronel notando o hipnotismo dela passou as mãos entre os
seus olhos. Eu é que me toquei. Ela se recompôs. Cerveja vai, uísque vem e um
bate-papo inaugurei. Deitei o violão nas pernas e comecei a enrolar
conversação. - Vamos gravar o disco dele! -, sentenciou Dionísio meio que
embriagado. Madalena só faltou se rasgar de alegria, aplaudindo efusivamente a
idéia dele. - Calma, gente, eu não tenho um repertório definido para um disco. -
O quê? Você cantou umas quinze músicas e não pode gravar um disco? -, era
Madalena condenando minha atitude. - Não é isso, eu tenho umas cinqüenta
composições inéditas, embora ainda não tenha escolhido quais delas poderiam
fazer parte num cd. Finalmente assentiram e como a madrugada já estava por
findar, raiando o dia, nos levantamos e partimos. Ele e Madalena se foram, o
tio Benevaldo de carona comigo. - A Madalena está fissurada em você, rapaz! -
Longe de mim, tio, tal desfeita com Dionísio. - Menino, ela está gamada em
você, otário! - Sim, tio, eu acho que não, ela apenas aprecia e incentiva muito
a minha música, viu? - Bicho besta, só você que não vê que ela está arriada os
quatro pneus de amores por você. Eu sei tudo, sinto quando o cheiro da gaia
aparece e se você não boliná-la, ela vai chantagear você até conseguir. Tenha
cuidado, Dionísio é meu amigo e é doido de amor por ela. - Tio, fique
tranqüilo, eu não quero nada com ela, inclusive, vou até me afastar de vocês. Deixei
o tio meio bicado em casa e já respirando normalmente, livre da pressão imposta
por Madalena, demorei engatar a marcha, aliviando o corpo por completo. Já de
retorno ao lar, quando dobro a última curva para entrar na rua em que moro, eis
que um outro veículo avexado me trancava. Tremi, seria uma emboscada?
Providenciei logo os meus reflexos e já de marcha a ré, fui aplacado pela
intervenção de Madalena. - Pensou que havia se libertado de mim, foi? - Não,
não é isso, estava me recolhendo que o dia já está para nascer. - Tenho um
convite, guarde seu carro que a gente tá noutra festa. O teu tio tava meio
baleado e era melhor que a gente suspendesse a bebedeira para ele não dormir na
mesa. Vá guarde o carro e venha no meu. - Não posso, daqui a pouco o dia nasce
e eu tenho que descansar, fica para amanhã. - Vai fazer desfeita com o coronel
Dionísio Cebolão, vai? - Longe de mim, só estou cansado. - Não vai ter
cantoria, não, é só conversa mole, a gente está sem sono e quer jogar lero-lero
fora. Vamos, vamos! - Tudo bem, eu vou no meu carro mesmo, acompanho você. -
Olhe, não vá fazer papel safado! Me acompanhe mesmo! Rezei por todos os santos
que nunca acreditei nem consagrei, pedi por tudo no mundo, para que aquilo não
acontecesse comigo, era uma tentação que nem Jesus Cristo seria capaz de
exorcizar. Eu estava fudido e mal pago no meio de um redemoinho inclemente. Acompanhei,
a contragosto, o trajeto dela, sabendo que ía cair numa boca de caieira
desgraçada. Chegamos na chácara, a porteira foi aberta por um capataz com uma
espingarda calibre doze no suvaco, deu boa noite à Madalena e também
cumprimentei na passagem. - Boa noite, seu poeta! - Cadê o coronel? - Foi ali,
seu poeta, vê se arranja uns camarões. Volta logo. Adentrei meio que
intranqüilo se bem que ele voltaria logo e Madalena não ousaria nenhuma manha
para minha banda. Já estava tudo pronto, um litro de Johny Walker Blue intacto,
bebida que muito aprecio, gelo, iguarias para tira gosto. Ué, tinha camarão à
vontade e ele foi buscar mais? Desconfiei. - Vamos jogar porrinha enquanto
Cebolão não chega. – Três! - Dois! - Perdemos, só tem um palito! - Três! -
Lona! Ganhei, querido! - Três! - Um! Perdi, fofinho. Um a um. - Vamos lá, dois!
- Lona! - Você ganhou, meu amor. Nem pestanejei e ela já estava se ajeitando,
se achegando mais para perto de mim. - O que você quer, coisa fofa? -,
perguntou-me toda saliente e dengosa. - Uma melhor de tres. -, respondi
ríspido. - Só? Vamos lá, peça coisa melhor, coisa linda. - Tres! - Qualquer coisa,
importando que você ganhe, meu amor. - Calma, Madalena, eu sou amigo do coronel
e não seria de bom alvitre que ele nos visse com intimidades. - Ele liga não,
amorzinho, veja só, vou tirar a blusa e ele não vai ficar nem aí. Tô com um
calor danado. Não! Que ousadia, meu! Tirou a blusa e deixou os peitinhos com os
bicos róseos, miudinhos, saborosos, à mostra. Que coisa! Deus meu! Fiquei
atordoado com aquele espetáculo. Ela notou e me provocou mais, desabotoou o
short e retirou-o depois ficando só de calcinha. Eita! Meu pau deu sinal de
vida e já bulia por dentro da cueca. Pior: ela sentou-se mais perto e cobrou o
meu palpite na porrinha. Estava absôrto. Ei! Não escutava nada, olhar fixo
naquele corpo suculento, saborosíssimo, era real! Nem me preocupei com o vigia
lá na guarita que devia estar filmando tudo para me foder a alma. - Ô,
Madalena, você não está com frio, não? Quando dei por mim ela já estava com uma
das suas mãos sobre a minha braguilha. Tomei outro susto! E me levantei
bruscamente. - Calma, meu filho! - Não, não e não. Ou você se recompõe ou eu
vou embora agora mesmo, onde já se viu? - Tudo bem. Seguiu casa adentro e eu
fiquei tentando ordenar meus pensamentos na cabeça. Sabia que era uma arapuca.
Que será de mim quando o coronel souber disso? Ela foi muito ousada, não
resisti e agora? Estava metido numa camisa de onze varas, não tinha mais
remédio, uma bronca das pesadas. Sentia fedor de morte no ar, como me sair
dessa? Já estava me levantando para ir embora quando ela chegou enrolada num
chambre, descalça, altaneira como sempre. Nas mãos, um frasco de perfume fino
fazendo questão de quebrar o gargalo, só para impressionar o meu coração, uma
atitude tão Madalena assim perante um pseudo Cristo como eu. - Tomei um banho,
me refresquei e agora podemos conversar à vontade. - Cadê o coronel que não
chega? - Na verdade ele foi ver se comprava uns camarões mas desconfio que seja
uma retirada de campo, porque ele devia ir à fazenda de Quebrangulo para fazer
o pagamento cedo e ver como está um dos seus mangalargas marchadores que estava
meio adoentado. Você sabe, esse tipo de cavalo é o sonho dele. Qualquer
coisinha ele se aperreia, nem comigo tem tanto cuidado. - É um cavalo caro! - E
eu? Sou por acaso tão sem valor assim? - Não quis dizer isso! - É provável que
eu não faça o seu tipo. - Não quis dizer isso também. - É, eu devia me tocar,
não sou pro seu bico mesmo... - Calma, Madalena, vamos colocar o ponto nos iis
e deixar claro que você é a preferida do coronel, ou futura esposa, sei lá, eu
sou apenas um sonhador qualquer, não valho um tostão furado e não quero
estragar nem a vida de vocês nem a minha amizade pessoal com ele. - Eita!
Precisa fazer sermão, é? - Já raiou o dia e eu tenho de ir, já que ele não
está, já vou. - Não, não. Façamos o seguinte, me dê uma carona até a praia de
Camanducá que ele vai me apanhar lá. Você não vai deixar de me dar uma carona,
não é? - Olhe... - Estou indisposta para dirigir e, inda mais, quero esperá-lo
lá, já sei que ele quer que eu vá para a praia. Pensei, claro que eu queria
recusar, estava cansado, não queria dar bandeira e cair nesta cilada. Ela tão
solícita, tão compenetrada na minha resposta, sabia que eu estava correndo o
maior risco da vida. Demorei. Hesitei. Um movimento brusco mostrou-me que por
baixo do chambre ela estava nuazinha com seu cheiro de rosas, jasmins e
sândalos. Mais provocante ainda arrancou uma pérola do seu colar, dissolveu num
copo que havia trazido, pelo cheiro parecia cheio de vinagre e depois bebeu
todo líquido. Empertiguei-me. Seus olhos faiscaram. Deu-se um alvoroço nas
minhas entranhas. E quando o chapéu do vaqueiro endoidece e se anima todo, num
tem quem não vire a cara pro perigo e seja lá o que deus quiser. Foi aí que ela
pegou um taquinho de papel pequeno, jogou nele umas pétalas de estramônio,
enrolou com caprichosa intenção, passando-lhe uma das bordas do papel na língua
mimosa para emendar as partes como um cigarro, pegou o isqueiro e acendeu,
dando umas baforadas na minha cara. Ah! Perfume letárgico. - Tá bem. -,
assenti. Pra quê disse isso? Não queria que fosse assim. Não pensava mais. Ela
esfuziante, deslumbrante, levantou-se e foi lá dentro pegar alguns pertences.
Entrei no carro não antes me dirigir ao vigia que estava escondido no maior
ronco, assustou-se e aleguei que estaria levando dona Madalena para a casa de
praia de Camanducá, lá ela estaria aguardando pelo coronel, ok? Certo. Retornei
ao automóvel, espremi os olhos, agitei as mãos para acordar daquela quimera,
buscando disposição para dirigir por quase oitenta quilômetros na rodagem da
praia. Fiquei aguardando, até que ela abriu a porta e, mais linda que nunca, se
aboletou no assento de forma sedutora, deixando algumas de suas maravilhosas
partes às minhas vistas. Meus nervos tremiam, não conseguia nem guiar direito,
estava condenado pelo imã que seu corpo atraía. Acelerei, empurrei primeira e
saí estrada afora, no meio das canas do coronel. Uns quinze quilômetros andado,
Madalena sentiu-se mal. Fiquei aperreado, estacionei o veículo na beira da
estrada, desci, pelejei, contornei o carro e fui até a porta do passageiro onde
ela se encontrava, abri-lhe e ela sufocada exigiu que friccionasse seu peito,
alegando falta de ar. Meu deus! Minha mão roçava os seios dela ao que ela pegou
minha mão e levou por baixo do chambre, levando-as de um seio ao outro, numa
verdadeira provocação. Nesse ritmo doido, sabia lá o que fazer, meu pênis
dilatou. Ela meteu uma de suas mãos sobre meu membro duro. Repulsei
carinhosamente. De olhos fechados e lábios semicerrados, uma lindeza do céu,
ela insistia alisar minha intimidade enquanto eu repousava minha mão num de
seus seios palpitantes. Era o paraíso na porta do inferno. Algum tempo depois,
normalizando a respiração assentiu continuar a viagem. - Já estou melhor,
sigamos viagem. -, disse-me ao perceber a minha sutil rejeição. Não agüentava
mais as artimanhas dela e segui silente, ligado na rodagem. Era um sacrifício
além das minhas defesas orgânicas. Foi ai que com a mão esquerda ela segurou
minha perna; olhei pelo canto do olho, ela se contorcia no assento do lado,
abrindo o chambre para entregar-me sua nudez. Agitando a mão direita pelo
próprio corpo, inquieta; a outra subindo mais, alcançando minha virilha,
escorrendo o zíper lentamente, metendo-se por cima da minha cueca, depois
removida, alisando-me assim em carne viva. Deu um puxão na minha espada, ficou
agitando num vai-e-vem delicioso. Depois de um certo tempo assim alegou tontura
e foi deitando-se no meu ombro até se fazer adormecer, indo escorregando pelo
meu tórax até, finalmente, deitar a cabeça no meu colo, onde meu cacete duro
estava livre aos seus cuidados manuais. Não ignorando nada, fiquei à deriva das
tentações dela. O pau que só madeira-de-lei, acariciado por exímia
manipuladora, foi tocado por seus lábios rubros, beijando-o de cima a baixo.
Ora beijava, ora lambia, engolia, chupava. Ave, praga! E eu devaneava
conduzindo-nos por aquela estrada, meu deus, como eu queria que aquilo nunca
terminasse, a estrada fosse para sempre, sem fim, na eternidade, estrada por
caminhos múltiplos, milhões de veredas, zilhões de quilômetros, arrudiando os
planetas de norte a sul, de leste a oeste, perene, no meio das estrelas, por
entre cometas, atravessando o sol, galáxias, o infinito, quanta doçura naquela
língua aveludada que sugava meu corpo, penetrando minha alma, usurpando meu eu,
minha identidade, minha consciência de ente perdido na rompante do tempo, pelo
espaço ignoto, pela ultra sensação de liberdade cósmica, num transe perfeito da
loucura sensual que me abocanhava o universo e me dizimava em microátomos
inatingíveis. Eu estava fudido no meio de um redemoinho inclemente, de verdade.
Acompanhei o trajeto dela, sabendo que ia dar numa emboscada desgraçada, de
mesmo. Já não conseguia concatenar nada, meus pensamentos se repetiam,
confundindo palavras, situações, eu todo confusão, negando-me ao meu próprio
desejo, conflitando todas as querências e repulsas, não, eu já não sabia de
nada, se pulava no precipício ou se dava a cara para o ignoto dédalo ameaçador
onde um minotauro hostil me espreitava. O que era doce aqui seria fel depois,
sabia eu, estava cônscio desses opostos. Ah! Como eu poderia aquilatar aquele
momento no vórtice da minha própria existência, levada entre a quimera e o
transtorno, entre a frustração e a veleidade? Que frustração que nada! Estava
inteiro ali naquela boca, naquela abóbada iluminada que me revigorava para
viver no meio da imensidão intransponível e que era agora um aleph ilógico
revendo os mínimos detalhes de toda minha vida em fração de segundos, meus
erros, acertos, arroubos e anátemas. Ah! Como eu poderia ser tão indiferente ao
milagre de tal prodigalidade que me devolveria o sentido roubado para seguir
adiante nos dias vindouros de um futuro imensurável na direção maluca de uma
rosa dos ventos, girando embriagada, em todas as direções. Ah! Como eu poderia
negar a felicidade quando ela me jogava no precipício da razão e do pudor,
mostrando que o presente é o que se enaltece nessa cena transcendental, que
apreendeu que o passado é uma dose doce passada a limpo e que o futuro é a
embriagues vital de luz e de compreensão. Ah! Língua gnóstica do meu desejo
panteísta! Boca prismática do meu gozo existencial! Quase morro no torpor do
prazer. Por fim e pra minha tristeza, concluímos a viagem e chegamos na casa de
praia. - Duvida que sou gostosa? - Não, nunca sequer duvidei. E não pude me
segurar. Verdade, pus a mão no fogo. Se fazendo por indisposta, tive que
levá-la nos braços até a cama. Alguém que passava inquiriu o que acontecia, o
que se passava, alegando eu, assustado, que ela estava só se sentindo mal da
bebedeira da noite e que estaria restabelecida após um sono dos anjos,
livrando-me de qualquer obstrução. Ficamos a sós, joguei seu corpo badejo na
cama ao que ela ronronou, eriçada, suspirou ofegante e não largou minha mão, ao
que me puxou para cima e largou um beijo na minha boca com uma astúcia letal. Não
tive como conter tal provocação. Desliguei o mundo e arriei de cabeça em sua
carne. Beijei-lhe plenamente: a boca, os seios, o ventre, a boceta gostosa e
suguei seu segredo, fiquei bêbado de luxúria, louco na libidinagem e enfiei
minha língua em suas entranhas até ela extinguir-se aos gritos. Foi então que
ela usou de sua força e puxou-me pelos cabelos até senti-la ofegante e louca. E
num beijo ardente penetrei a sua alma. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui, aqui e aqui.
DITOS
& DESDITOS - A única maneira de descobrir os
princípios sobre os quais algo deve ser construído é considerar o que vai ser
feito com aquilo que foi construído, depois que foi construído. Pensamento do filósofo, pedagogista,
cientista, linguista e matemático estadunidense Charles Sanders Peirce (1839-1914).
ALGUÉM
FALOU – Fiz tão bem o meu curso de Direito que, no
dia em que me formei, processei a faculdade, ganhei a causa e recuperei todas
as mensalidades que havia pago. Máxima do comediante estadunidense Fred Allen (1894-1956).
DEUS & O MUNDO: METÁFORAS & DANÇA - [...] Toda metáfora, toda
parábola, toda construção, sempre explicita os valores empregados na sua
elaboração. Da dança que muitos gostariam de continuar vendo nos resta, agora,
a dança que somos capazes de ver. Certas coisas se destnam a ser saboreadas,
não solucionadas. A fruição, mesmo que assim não pareça ao leigo, parttilha da
mesma cartilha que a construção. E as teorias mantêm como vocação se tornarem
explicativos do mundo. Suas chaves de entrada e de saída. Transitividade
incrustrada na semiose. Segundo o Talmud, texto hebraico sagrado [...] Deus conseguiu criar o mundo depois de 26
tentativas. Na 27ª, exclamou assim: Halvay Sheyaamond! (Vamos esperar que dê
certo!) A incerteza já estava lá. Trechos extraídos da obra Um, dois, três:
a dança é o pensamento do corpo (Fid, 2005), da coreografa, professora,
filósofa e pesquisadora Helena Katz.
Veja mais aqui.
NASCIDA E NASCIDA - [...] Meu marido, um vazio nele ou em torno dele, aproxima-se de mim, vejo-o
como mulher e também como criança, tira a minha grinalda, rasga meus dois
himens, deflora-me e ao mesmo tempo estupra-me, grito de prazer, de horror. Não
julgar que a existência humana, enquanto inconclusa, seja um poliedro
incompleto do qual a morte é o último lado, não, o poliedro move-se e suas
faces e arestas proliferam, crescem conosco, mais ou menos brilhanmtes, assim é
com todos e mais ainda comigo, de vida dúplice, dias vezes nascida, com duas
infâncias, duas idades, dois corpos, de modo que as faces do poliedro se
trespassam, umas em outras se refletem: sou ensamblada, incrustada em mim. Toda
a minha vida, pois, está aqui, neste instante, instante?, não há instante,
instantes, o que assim denominais é a vossa própria vida, poliedro de
inumeráveis faces transparentes, estas, as faces, são o que instantes nos
parecem, um destes contemplai, uma destas faces, e vereis ser impossível
ignorar as outras. Sob dúplice óptica vejo o mundo e falo com boca dupla
[...]. Trechos extraídos da obra Avalovara
(Companhia das Letras, 1995), do escritor e dramaturgo Osman Lins (1924-1978). Veja mais
aqui.
VELHO CHICO – O / Rio
/ São Francisco / não cabe / no corpo / da terra / não cabe / no corpo / de
Minas / não cabe / no corpo / do homem / mas cabe / no coração. Poema do poeta Hugo Pontes.
A arte da ilustradora Priscila Barbosa.
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