DITOS
& DESDITOS - O autoengano é talvez o mais cruel de todos os motivos, pois
faz com que nos julguemos corretos quando estamos errados e nos encoraja a
lutar quando deveríamos nos render. Nos desenhos animados e filmes, os vilões
são degenerados que enrolam os bigodes e dão gargalhadas de júbilo pela própria
maldade. Na vida real, os vilões estão convencidos de sua integridade. Pensamento do linguista e psicólogo canadense Steven Pinker. Veja mais aqui &
aqui.
ALGUÉM
FALOU: Quantos se passam por sábios gostariam de mencionar os mortos que já
existiram! E quão pomposamente eles os citam! Mas eu pergunto agora: eles os imitam? Pensamento do escritor espanhol Tomás de Iriarte (1750-1791). Veja mais
aqui.
O
JOGO DA AMARELINHA - [...] Cada
reunião de gerentes de multinacionais, de homens-de-ciência, cada novo satélite
artificial, hormônio ou reator atômico esmagam um pouco mais estas falsas
esperanças. O reino será de plástico, sem dúvida. E não que o mundo venha a se
converter em um pesadelo orwelliano ou huxleyano; será muito pior, será um
mundo delicioso, à medida de seus habitantes, sem nenhum mosquito, sem nenhum
analfabeto, com galinhas enormes e provavelmente com dezoito coxas, todas deliciosas,
com banheiros telecomandados, água de distintas cores segundo o dia da semana,
uma delicada atenção do serviço nacional de higiene, com televisão em cada
quarto, por exemplo grandes paisagens tropicais para os habitantes de Reijavik,
vistas de iglus para os de Havana, compensações sutis que conformarão todas as
rebeldias, etecetera. Quer dizer, um mundo satisfatório para pessoas razoáveis.
E haverá nele, alguém, um só, que não seja razoável? [...]. Trecho extraído
da obra Jogo da amarelinha (Abril,
1985), do escritor, tradutor e intelectual argentino Julio Cortázar (1914-1984). Veja mais aqui.
A
MENINA TRANSPARENTE – Eu apareço disfarçada de todas as coisas...
/ Posso ser vista no por-do-sol ou no nascer dele. / Eu posso estar através da
janela, / Posso ser vista na asa da gaivota / Ou pelo ar que passa por ela. / Muitos
me vêem no mar, / Outros na comida da panela. / Posso aparecer para qualquer
ser, / Desde ele pequenininho; / Ficar com ele direitinho, / Se tratar de mim
como eu merecer. / Uns me pegam pra criar em livro, / Outros me botam num
vestido lindo, / Cheio de notas musicais: / Fico morando dentro da música. / Tenho
muitas mães e digo mais: / Sou uma criança com muitos pais. / Tem gente que diz
que eu nasço dentro da pessoa, / E faço ela olhar diferente, / Pra tudo que
todos olham, / Mas não notam. / Ás vezes apareço tão transparente e de mansinho
/ Que mais pareço um Gasparzinho. / Tem gente que nunca percebe que estou ali,
/ Não cuida de mim, / Não me exercita. / Eu fico como um laço de fita / Que
nunca teve um rabo de cavalo dentro. / Eu fico como uma planta de dentro da
casa / Que ninguém molha, conversa nem nada. / Quem me adivinha logo dentro
dele, / Quem percebe que estou ali diariamente, / Quem anda comigo e com o meu
gingado, / Fica com o coração inteligente / E com o pensamento emocionado. / A
esse que eu dou a mão, / E vou com esse para todo lado: / Aniversários,
passeios, sono, cama, biblioteca, casa, escola; / Estou com esse a toda hora. /
Tem gente que me vê muito na beleza da flor, / No mato, na primavera e no
calor. / É que ando muito mesmo. / Eu posso até voar! / Por isso que me vêem no
céu, nas estrelas, nos planetas / E nas conversas das crianças. / Quem anda
comigo tem muita esperança. / Todo mundo que me tem / Pode me usar e me
espalhar por aí. / Quem gosta muito de mim, / Depois que me conhece, / Junta
gente em volta como se eu fosse uma festa. / Me usam até em palestra! / Me
acordam lá do papel. / Ih! Eu tinha esquecido de dizer / Que, quando a pessoa
começa a me escrever, / Eu fico morando no papel. / Toda vez que alguém me lê
para dentro eu passo para dentro dele. / Toda vez que alguém me lê para fora,
em voz alta, / Como se eu fosse uma música, / Eu passo para dentro de todo
mundo que me vê; / Eu posso trazer alento a todo mundo que me escuta. / Tem
gente que me pega só numa fase, / Como se eu fosse uma gripe boa, / E como se
dessa boa gripe ficasse gripada. / Quero dizer... / Eu dou muito no coração de
gente apaixonada. / Minha palavra é do sexo feminino, / Brinco com menino e com
menina, / Fico com a pessoa até ela ficar velhinha, / Inclusive de bengala; / E
depois que ela morre, / Faço ela ficar viva / Toda vez que por mim é lembrada.
/ Ás vezes eu sou sapeca, / Ás vezes eu fico quieta, / Mas todo mundo que olha
através de mim é poeta. / Veja se eu sou esta que fala dentro de você. / Eu não
posso escrever porque não sou poeta: / Sou a poesia! / Tente agora fazer um
verso. / Se eu fosse você, faria.
Poema
da poeta, atriz, jornalista
e cantora Elisa Lucinda. Veja mais
aqui e aqui.